UMA NOTA QUE NÃO DEVERIA EXISTIR
A nota conjunta dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica sobre “as manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais do País” é o resultado de quatro anos de Jair Bolsonaro na Presidência da República.
Desde a redemocratização, as Forças Armadas nunca haviam sido colocadas em tantas situações de constrangimento pelo Executivo federal. Em alguns casos, chegaram a ser instigadas explicitamente a atuar fora das linhas constitucionais; p. ex., quando Jair Bolsonaro falou de apuração paralela das eleições por militares.
É preciso voltar à plena normalidade democrática: as Forças Armadas, precisamente por serem armadas, não se manifestam sobre assuntos civis. Devem ser o grande mudo.
O comunicado do Alto-Comando dirige-se “às instituições e ao povo brasileiro”. Ora, as Forças Armadas não têm competência constitucional para dar orientações ou recados às instituições democráticas, tampouco à população. No Estado Democrático de Direito, não cabe à Marinha, ao Exército ou à Aeronáutica dizer o que é aceitável e o que é condenável perante a lei brasileira.
Para isso, há o poder civil; em especial, o Poder Judiciário, instância competente para interpretar e aplicar a lei brasileira. Nessa tarefa, ele é auxiliado pelo Ministério Público, cuja missão é precisamente defender a ordem jurídica e o regime democrático.
É uma declaração totalmente despropositada: as Forças Armadas não são órgão revisor da constitucionalidade e legalidade de atos do poder público nem de atos da população. Elas são rigorosamente incompetentes para emitir esse juízo.
Impensável anos atrás, a disposição do Alto-Comando de se manifestar sobre assuntos civis é o fruto da contínua tentativa, operada por Jair Bolsonaro, de envolver os militares em questões políticas.
“As Forças Armadas (...) são instituições nacionais permanentes e regulares”, diz a Constituição. Não são o braço armado do governante. Não são instância para resolver eventuais tensões ou conflitos entre Poderes.
A nota dos comandantes revela também a peculiar situação de desprestígio do Ministério da Defesa no governo Bolsonaro. É preciso resgatar a plena função institucional da pasta. Para isso, é essencial que volte a ser chefiada por um civil.
No regime democrático, o estamento militar está submetido, jurídica e simbolicamente, ao poder civil. Integrada à administração geral do Estado, a condução política dos assuntos militares e da defesa deve ser feita por civis. (editorial deste sábado, 12, de O Estado de S. Paulo, cujos então dirigentes foram notórios participantes civis da conspiração que redundou no golpe de 1964)
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