Passado mais um capítulo da luta de classes no Brasil, Bolsonaro foi derrotado por uma margem de apenas 2.139.645 votos, evidenciando a profunda divisão social do país.
O fato de o presidente ter ido dormir após o resultado, sem sequer agradecer aos seus apoiadores pela boa votação ou exortá-los a continuarem lutando, expressa o seu fracasso pessoal profundo.
A humilhação sofrida pelo führer de comédia pastelão, contudo, não significará o fim do movimento que o levou ao Palácio do Planalto. Na realidade, o dito bolsonarismo, que é a extrema-direita eclodida a partir de 2013, já se prenunciava antes das jornadas de junho daquele ano.
O líder caído seria o responsável por sua vitória em 2018, quando nele canalizou suas forças. Passado o período de abatimento, vai reorganizar-se e preparar o campo para a luta contra o novo governo.
A vitória do bolsonarismo em São Paulo foi importante neste contexto. O governo bandeirante, o segundo maior ente da federação, se transformará num bunker da extrema-direita, para o qual irão todos os enjeitados do governo federal. A máquina estadual tende a ser usada no combate a Lula, mantendo a chama do reacionarismo acessa.
Na realidade, apesar da vitória lulista no governo federal, o grande vencedor das eleições foi o bolsonarismo: prevaleceu na maioria dos grandes centros urbanos, elegeu mais congressistas, ditou o debate e, acima de tudo, se impôs enquanto força renovadora, de transformação.
Tendo os olhos votados para o passado e formando uma grande aliança com o status quo nacional, o lulismo, por sua vez, venceu muito mais enquanto um veto às forças retrógradas, ao obscurantismo, à falta de pudor pela vida e à devastação ambiental.
Mas não conseguiu colocar-se enquanto um movimento inspirador de transformações. E aí reside todo o drama do momento.
A eleição de Lula só foi possível por um grande acordo de cúpula, uma articulação nas altas esferas do capitalismo, passando pelo STF, banqueiros, tucanos históricos e grande capital internacional. Foi o grande pacto nacional já vaticinado por Romero Jucá, cuja meta é reestabelecer os marcos institucionais pré-junho de 2013, trazendo de volta a reprodução sossegada do valor.
Noutras palavras, restaurar a pax neoliberal, cujo ápice se deu no segundo governo do Lula, e desacelerar a luta de classes.
No entanto, vontade é uma coisa, efetividade é outra. Quem de fato comanda o ritmo dos acontecimentos não é o político x ou y, ou mesmo a nanica burguesia brasileira, mas a economia capitalista, terreno completamente objetivo e com sua própria legalidade. E, nesta seara, até mesmo os capitalistas estadunidenses e europeus estão apavorados, sentindo o buraco abrir-se cada dia mais.
Os prenúncios de cataclisma ficam mais evidentes e as tensões geopolíticas recolocam no plano mundial o que vem acontecendo no plano micro da economia do dia-a-dia.
Aumento do custo de vida, desabastecimento, fome –a qual agora assombra até mesmo a classe média branca europeia– e, finalmente, a sombra da guerra mundial mostram a aproximação de uma depressão titânica capaz de engolir a tudo e todos, cujo desfecho é imprevisível e cujo impacto no Brasil poderá fortalecer a extrema-direita oposicionista.
Para além disso, a reorganização econômica do Brasil para um regime agromineral-extrativista segue em frente. Bolsonaro foi o representante mais bem acabado desta nova lógica porque ele simplesmente a colocava sem peias, sem duplo discurso e sem qualquer tipo de vergonha. Lula retorna para dar um verniz civilizado para esta nova lógica, mantendo-a, mas com uma capa racionalista.
Nisto reside outro ponto débil com potencial para engolir o novo presidente, pois quanto mais avança a nova matriz econômica, mais fortes ficam as forças do atraso e, correlatamente, sua expressão política no Brasil, o bolsonarismo.
A precarização das relações de trabalho, a flexibilização das leis ambientais, a dilapidação da indústria e das empresas públicas, a crise urbana com a explosão da violência, tudo isso fortalece o tripé reacionário do agronegócio, igrejas evangélicas e militarismo. Terá Lula condições de mexer no nervo disto e reverter as condições regressivas no Brasil? Eu diria que não.
Não apenas o agora presidente eleito ajudou neste processo quando de suas passagens pelo governo federal, como também está hoje afiançado de modo íntimo com os grandes capitalistas brasileiros que almejam justamente o avanço do dito cujo, embora, como dito, num ritmo menos irascível. Seria preciso romper e radicalizar à esquerda, mas isto seria dissolver o grande pacto e recolocar a luta de classes noutro nível.
Então, o futuro se prenuncia tenebroso. A extrema-direita seguirá mobilizada e o novo governo, centrado no passado e acreditando ser possível uma conciliação já caducada, aprofundando o modelo de espoliação do pais, estará muito em breve em face de uma profunda impopularidade e frustração. Neste momento, o pior poderá acontecer e os derrotados de hoje talvez voltem reenergizados.
Não há saída além da mobilização popular e do avanço de transformações efetivamente positivas para o Brasil, rompendo com o modelo extrativista e democratizando de fato a vida social.
Mas, é provável que isto talvez esteja para além da capacidade de Lula. (por David Emanuel Coelho)
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