segunda-feira, 24 de outubro de 2022

FORA, VENDILHÕES DO TEMPLO!

dalton rosado
FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO E MISÉRIA POLÍTICA
Historicamente a política, entendida como formatação de poder e de canal de acesso ao dito cujo, teve forte influência religiosa. Não é rara a associação do poder de mando político a uma unção divina sob a qual tal poder é exercido.

A nossa chamada carta magna começa assim:
"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático... promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil".
O Estado é laico, mas os seus constituintes invocam a proteção de Deus. A fé monoteísta ainda hoje permeia a ação política dos homens, sendo este o traço da presença religiosa na nossa sociabilidade laica.

Quando surgia o capitalismo e se queria separar o Estado monárquico feudal ocidental da influência simbiótica deste com a Igreja Católica Apostólica Romana, filósofos iluministas como Thomas Hobbes e John Locke já criticavam o protagonismo público de grupos ou movimentos religiosos radicais, fechados à crítica e infensos ao reconhecimento da pluralidade de convicções.

As frases iluministas do século 18 estão mais atuais do que nunca, presentes no pensamento democrático burguês em contraponto ao conservadorismo religioso pentecostal reacionário de proposição de uma prosperidade coletiva impossível de ocorrer sob a égide das relações capitalistas, pretensamente tuteladas pela proteção divina.

Para os fundamentalistas religiosos tudo que se consegue vem de Deus; as mazelas sociais são artes do demônio que se apoderaria das mentes pouco crédulas!

Brasil acima de tudo; Deus acima de todos, o lema do Boçalnaro, o ignaroprimeiramente reafirma o teor nacionalista xenófobo que é a essência do seu militarismo retrógrado (e que se contrapõe ao liberalismo clássico do Paulo Guedes, contradição com a qual ambos convivem por força do mútuo apego ao poder); e, em segundo lugar, quer passar a impressão de que conta com a benção divina como um messias salvador.

Quanto mais a miséria social se aprofunda no seio das sociedades, mais se aproveitam e se apressam os mercadores da fé em fazer uma leitura bíblica fundamentalista que é repassada aos fiéis sob estes eixos básicos:
— o convencimento dos fiéis de que todos podem prosperar, desde que aceitem a fé ditada naquela igreja específica (agora são milhares as denominações religiosas protestantes);
— o conservadorismo nos costumes, como condicionante para se ganhar o reino dos Céus;
— o pagamento do dízimo, parte bem terrena da pretendida salvação na vida espiritual.

País de maior contingente populacional católico do mundo, o Brasil sempre foi elitista e conservador, detendo o desastroso título de um dos mais concentradores de renda do mundo ocidental (rivaliza com os emirados árabes nesta matéria).

Viu, de uns anos para cá, o crescimento do pentecostalismo conservador reacionário anticatolicista crescer significativamente, fazendo a riqueza dos dirigentes religiosos e seus tentáculos nacionais (e alguns já internacionais).

O empobrecimento dos brasileiros na última década é inversamente proporcional ao crescimento da riqueza de muitos pastores e ao aumento do número de fiéis e das denominações religiosas que abrem suas portas (enquanto as lojas e estabelecimentos comerciais capitalistas as fecham).

A miséria social é campo fértil para a proposição e aceitação, por parte de incautas vítimas sociais, tanto da promessa (vã) de prosperidade, quanto da orientação política patrocinada pela maioria dos pastores evangélicos que se associam politicamente aos seus delegados políticos (quando não são eles próprios os protagonistas da cena política) para a dominação política do Estado laico. Neste cenário a política é tão presente quanto a doutrinação religiosa fundamentalista.

Não é por menos que temos no Congresso Nacional uma bancada evangélica que, na prática, se constitui num partido político religioso unificado sob várias siglas político-partidárias. 

O mesmo ocorre noutras instituições do poder do Estado, de modo que se nomeiam ministros para o Supremo Tribunal Federal em razão de serem terrivelmente evangélicos e não por seus méritos como magistrados. Como esperar deles a obrigatória isenção no ato de julgar?

Vivemos no Brasil (e no mundo) um retrocesso social, político e cultural que prospera paralelamente ao aprofundamento de miséria social, até porque existe correlação entre uma coisa e outra.

As pesquisas de opinião pública estão a demonstrar a preferência eleitoral dos fiéis evangélicos pelo presidenciável batizado no rio Jordão pelo pastor Everaldo (aquele que foi preso por corrupção) e que nomeou outro pastor como ministro da Educação (aquele defensor da teologia da discriminação que viajava armado, mas foi preso por desviar para seus cumpliciados evangélicos as parcas verbas de sua pasta.

Para a elite brasileira e para as lideranças religiosas pentecostais, não importa(m):
— Boçalnaro ter dito que pintou um clima entre ele e jovens adolescentes venezuelanas refugiadas (suas frases sexistas vem desde quando era deputado federal e chegou a afirmar a uma colega que não a estupraria por ser feia);
 o genocida haver virado as costas à compra de vacinas (e até hoje trombetear que não é vacinado) num momento em que o mundo todo disputava a compra das ditas cujas; 
— a CPI da Covid ter concluído que existiu tentativa de corrupção por parte do Ministério da Saúde na compra de vacinas, na base do por fora de 1 dólar a cada dose;
— o governo ultradireitista 
ter reduzido as verbas para a educação, após haver nomeado três ministros que teve de afastar, sob vara, por incompetência e/ou corrupção;
— que o primeiro mandatário da nação tenha um imenso histórico de incontinência verbal, tudo levando a crer, p. ex., que as frases machistas e misóginas, tão repetidamente por ele disparadas contra as mulheres, refletem sua verdade interior;
— o nepotismo do dito cujo (como a nomeação absurda para embaixador do Brasil nos Estados Unidos de um filho despreparado para o cargo (ato felizmente contido pela opinião pública clamorosa) e a corrupção evidenciada na compra em dinheiro vivo de imóveis no valor de R$ 51 milhões;
— o desmantelamento de todos os órgãos ambientais, culturais, de combate ao racismo e de combate à dissociação de gênero;
— as constantes ameaças de autogolpe e de fechamento das instituições de poder democrático burguês para substituí-las por mecanismos totalitários e intolerantes, próprios ao arbítrios de quem se considera ungido por Deus para governar por tempo indefinido;
— as reiteradas mentiras, logo desmascaradas, do portador da faixa presidencial, como aquelas de se dizer um outsider da política, mas colocar os filhos e ex-mulheres na vida política e, por fim, retirar a máscara e se subjugar aos parlamentares do centrão (que pratica impunemente a mais descarada forma de corrupção oficial já experimentada no Brasil e quiçá no mundo, qual seja o chamado orçamento secreto).

"Nada importa! O que importa é que o candidato sirva aos nossos propósitos retrógrados e interesses mesquinhos."Assim, pensam e agem os reacionários sociais e religiosos fundamentalistas.

Vivemos a tentativa de imposição de um retrocesso às trevas da Idade Média, por parte dos fanáticos religiosos fundamentalistas, dos neófitos religiosos e dos dirigentes
pastorais manipuladores e adeptos da teologia do oportunismo político-econômico diante da miséria alheia,.

Vale, contudo, lembrarmos Belchior ("Mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem!"), pois, como contraponto, temos a esperança de que, tal como Fênix ressurgindo das cinzas, possamos dar o salto qualitativo necessário para a concepção do novo, livre das amarras de um passado e presente escravistas.

Fora, vendilhões do templo! Pois foi esta a lição que nos legou Jesus Cristo, indignado e firme.

Viva a emancipação humana! (por Dalton Rosado)
A saudosa Elis Regina interpreta um dos maiores sucessos de Belchior

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