Há um grande alvoroço nos círculos de esquerda com a possibilidade de a extrema-direita brasileira ter se tornado mais ameaçadora com as conquistas de governos e mandatos legislativos neste domingo (2).
Trata-se de um alarmismo injustificado, ruído e furor que nada realmente significam. Basta passar os olhos pela lista de nomes para perceber-se que a ideologia da quase totalidade deles é a lei de Gerson, não o besteirol de Steve Bannon ou do Olavo de Carvalho. Querem mesmo é levar vantagem.
Seus interesses pessoais vêm em 1º, 2º e 3º lugar, quanto muito sobrando qualquer preocupação menos mesquinha para o 4º em diante. Se Bolsonaro se reeleger, o melhor negócio para eles será permanecerem bolsonaristas. Se for expelido, eles se dispersarão, cada rato aceitando a oferta do partido que lhe oferecer mais e melhores queijos. Cansei de ver esse filme.
Também não há motivo para paúra com a força política que os mercantilizadores da fé estejam alcançando, pois os principais (e bilionários) pastores são essencialmente fisiológicos. Sua teologia é a da própria prosperidade, todo o resto estando aberto a negociações. Lula vencendo, acolherá boa parte deles na sua arca de Noé.
Só deveremos mesmo nos preocupar se, de repente, surgir dentre eles uma liderança mais ambiciosa, decidida a tentar o voo maior que Bolsonaro não teve asas para dar.
[Adotei o eufemismo alado porque seria indelicado dar o nome correto dos órgãos que lhe faltaram. E até supérfluo, pois o povão sabe muito bem quais são.]
Por enquanto, a imagem do Silas Malafaia encabeçando uma Marcha sobre Brasília é muito perigosa para mim: posso morrer engasgado de tanto rir.
Noves fora, o futuro imediato do Brasil será mesmo decidido no dia 30. Bolsonaro continua sendo franco favorito para começar 2023 num embarque de voo internacional, ou na fila de emprego, ou na prisão, ou no hospício. Merecia as grades, mas o país da pizza não é a Itália, é o Brasil.
Contudo, como o São Paulo acaba de perder uma Copa Sul-Americana facílima de ganhar, devemos temer o histórico recente do Lula, que fornece trunfos para os adversários quase sempre que abre a boca para outra coisa que não seja comer, beber e roncar.
E se ele propuser de novo que se pressionem políticos com escrachos nas portas de suas casas, afugentando todos os aliados que pretende conquistar no 2º turno? Ou se reiterar que não há nenhuma autocrítica a fazer pelas dilmices na economia, que geraram enorme recessão, impeachment e abertura da porta do Palácio do Planalto para Bolsonaro?
Isto para não falar da asneira de xingar seu tosco adversário de capiau, mero preconceito, ao invés de qualificá-lo do que realmente é: exterminador de centenas de milhares de brasileiros que teriam sobrevivido à covid caso o presidente da República não fosse um negacionista que sabotou a administração científica da crise.
Mas, claro, talvez prefira não trazer à baila uma vulnerabilidade que é dele também, já que desestimulou o máximo que pôde as iniciativas no sentido do impeachment do genocida e foi o grande ausente de todas as manifestações #ForaBolsonaro.
De resto, o chocante retrocesso civilizatório sob Bolsonaro tende a ser aos poucos revertido, a partir do instante em que ele voltar a ser nada.
E, pelo que depreendi das movimentações de bastidores que aparecem sem destaque na mídia, mas são o que realmente conta, os donos do PIB estão dispostos a jogar todo seu peso em favor do Lula se este, além de render-se a eles, firmar o contrato com sangue, como convém em tais pactos com o demo.
Não tenho dúvidas de que, encostado na parede como não estava até domingo, o Lula não só vai aceitar suas exigências adicionais, como até ajoelhará no milho, se eles o exigirem.
Bolsonaro já tem contra si as nações civilizadas de quase todo o mundo, inclusive os EUA, e as cúpulas militares não querem embarcar em aventuras quando a economia brasileira tende a continuar no fundo do poço (a recente e tênue recuperação é quase nada na comparação com as colossais perdas registradas na década perdida de 2010 e no início da atual).
Se o terceiro pé do tripé que decide quem cumpre no Brasil as ordens do capitalismo globalizado fechar com Lula, será jogo jogado. Depois da mordida virá o sôpro, com a dominação burguesa passando a ser exercida por uns tempos sem o esgar fascista, substituído pelo sorriso hipócrita reformista.
"É o capitalismo que agoniza: a falta de soluções dentro do capitalismo nos mantém patinando sem sairmos do lugar" |
Enquanto forem se sucedendo estas duas faces da mesma moeda, nada realmente mudará no Brasil. Só que, como a demência boçal e truculenta nos machuca mais do que a manipulação ladina, devemos, apesar de tudo, redobrar os esforços no sentido da desbozificação imediata.
Desde já sabendo, entretanto, que voltaremos a enfrentar o mesmo inimigo e os mesmos problemas adiante, provavelmente já em 2026, pois é o capitalismo que agoniza e é a falta de soluções dentro do capitalismo que nos mantém patinando faz tanto tempo sem sairmos do lugar.
Uma coisa é certa: a permanência de Bolsonaro com a faixa presidencial tornaria inevitável a explosão social que os poderosos tanto temem. A corda já foi esticada ao máximo. Ainda que alguma fatalidade o mantivesse no poder, seria por pouquíssimo tempo e com custo altíssimo para um país que já derrete a olhos vistos.
Por último: deveríamos nos afligir, isto sim, com até agora não haver caído para a esquerda brasileira a ficha de que ela tem de priorizar a conquista da liberdade e da justiça social, ao invés de continuar obcecada com canetas presidenciais, cargos e boquinhas dentro de um sistema que se torna cada dia mais disfuncional, destrutivo e autodestrutivo.
Mesmo porque inexiste, no momento, qualquer garantia de que o fim do capitalismo não arrastará consigo a espécie humana, transformando-nos em poeira cósmica. Urge tomarmos nosso destino nas mãos, se quisermos sobreviver. (por Celso Lungaretti)
Um comentário:
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Desde de antanhos quem Minas elege é eleito presidente.
É bem capaz de Lula ser eleito. Até pela escrita.
Entretanto, uma vez eleito, Lula terá que montar um governo mais para o centro, até para garantir a governabilidade. A direita se fortaleceu no parlamento, ele, portanto, terá que fazer isso.
Isso é o lero-lero daqueles que vivem imersos no encanto da mercadoria e na mercadoria encantada (dinheiro).
Obviamente, nada mudará.
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Vendo pelo lado humano, lamento profundamente a submissão de Lula, não ao sistema, que teria até benesses para ele, mas a ente público com o qual se identificou.
Ele não é mais.
Poderia ser substituído por um robô. Com a vantagem de não ter problemas na voz.
Aquela rouquidão... já vi antes.
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Esta é a vantagem de vir de uma família de cachaceiros e fumantes inveterados. Vi o fim de alguns parentes.
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A ADEGA
para Severino do Ramo Mendes, meu pai
meu pai tem
uma adega
no saguão
de sua boca
pra 200 anos
já vai
que reclamo
mas ele diz
que só bebe
porque é do ramo
Poema de meu primo Dé - Águia Mendes.
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Carpe diem.
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