madeleine lacsko
BRASIL ESTÁ ENTRE A CARICATURA DA DIREITA
E A ESQUERDA QUE A DIREITA GOSTA
Antes de começar a coluna em si, cumpre esclarecer quem inventou os adjetivos. Faço para evitar que paquitas de político percam tempo xingando a pessoa errada por ter criticado seu populista irretocável.
A caricatura da direita vem da minha boca, embora não seja de minha autoria. Circula por aí. É a turma que se diz conservadora fazendo o avesso do que pregam e pregaram todos os teóricos do conservadorismo.
Dizem defender o liberalismo enquanto praticam estatismo e capitalismo de compadrio. Juntam-se aos fiéis seguidores do Evangelho Segundo Quentin Tarantino, o único em que Jesus é pistoleiro. Defendem a família formando várias.
Pregam abertamente o fim do sistema de freios e contrapesos entre os três Poderes, a sobreposição da vontade dos seus à dos demais e tudo quanto é teoria autoritária que julgávamos repousar no lixo da história.
Já o termo a esquerda que a direita gosta não vem de mim, é da autoria de Darcy Ribeiro. Leonel Brizola fez, em 27 de fevereiro de 1994, um artigo na Folha de S. Paulo sobre o PT intitulado Como a Direita Gosta.
Passeava pelas origens trabalhadoras do PT, lembrando que o partido pretendia cortar a história com uma tesoura para que ela fosse recontada dando a ele o posto de primeiro grande defensor dos trabalhadores.
As greves do ABC onde Lula despontou vieram 10 anos depois das greves de Osasco, do ferroviário José Ibrahim, fundador do PT e da CUT, que enfrentou a linha dura da ditadura militar de 1968.
Abandonou o PT em 1990. Na última entrevista que deu em 2013 antes de morrer, a um portal de esquerda, explicou:
"Eu disse ao Lula e ao Zé Dirceu: 'Vocês não me deixam filiar trabalhadores que estão à esquerda de vocês. Assim, é melhor eu ir embora'".
E foi.
Na década de 1990, os grandes nomes da esquerda nem consideravam mais o PT como esquerda. Alegavam que se agachava demais aos interesses da elite nacional, que pretendia manter a ordem econômica intacta. Leonel Brizola, p. ex., dizia:
"As cúpulas dirigentes do PT são formadas por uma espécie de pequena burguesia radicalizada. Daí vem seu grande apoio nos bairros de alto padrão das grandes cidades".
O processo jamais foi revertido, muito pelo contrário. Acabou aprofundado também na militância, o que promoveu um distanciamento do povo.
Em 2018, o rapper Mano Brown, que apoia o PT, aconselhou publicamente o partido a voltar às bases. Disse que o contato com o povo estava se rompendo e não era possível tratar todo evangélico brasileiro como se fosse um clone de Silas Malafaia.
O parque de areia antialérgica jamais iria se misturar com povo. Não se misturou e acelerou nas pautas progressistas que não são aceitas pela maioria da população.
Jair Bolsonaro espertamente diz que é contra o aborto, a liberação das drogas e a ideologia de gênero. Alega ser a favor dos valores cristãos e da família.
Essas não são pautas nem de direita nem de esquerda. Há representantes das duas vertentes políticas no mundo todo que se posicionam de formas diferentes sobre esses temas.
Aqui no Brasil, para a esquerda que a direita gosta, é obrigatório ser a favor do aborto, da liberação das drogas, dizer que ideologia de gênero é coisa de doido, tirar sarro de cristão e falar que a família não presta.
E quanto à estrutura econômica e um projeto de Brasil? Não vamos incomodar o Leblon e a Vila Madalena com essas bobagens de pobre.
Cada vez que Jair Bolsonaro provoca, consegue um recibo do progressismo gourmet. Com essa ajuda e mais o uso indecente da máquina pública a seu favor, já ultrapassa Lula em São Paulo.
Muitos de nós querem acreditar que fazem parte de uma guerra do bem contra o mal. Cada um têm a mais firme convicção de ser o lado do bem.
Infelizmente, estamos entre ruim e pior, entre pretensão de hegemonia e autoritarismo. Abrimos mão da política para nos agarrar a pais da pátria. Acabaremos tendo de decidir entre uma caricatura autoritária da direita e a esquerda que a direita gosta. (Madeleine Lacsko é escritora, jornalista, youtuber e colunista do UOL)
Grevistas saindo da Cobrasma sob a mira dos soldados |
No entanto, nascida 10 anos depois das jornadas de 1968, ela deveria informar-se melhor sobre o ano que foi um verdadeiro divisor de águas entre a velha esquerda que caducou e a nova esquerda que ousou lutar quando tantos se omitiam, recolocando a revolução no centro das preocupações dos que querem realmente mudar nossa História trágica.
Não seja, Madeleine, como o PT que você acertamente critica, preconceituosa com relação aos que pegamos em armas para travar uma luta tão desigual e arriscada. Só de companheiros que conheci pessoalmente, duas dezenas foram assassinados nos anos de chumbo. E dos sobreviventes, quase todos, como eu, passaram pelas piores torturas e saíram estropiados.
De resto, não menospreze a opção do companheiro José Ibrahim, como se tivesse sido um sindicalista que teve uma loucura momentânea quando "se meteu em movimentos guerrilheiros", recuperando depois a razão.
O metalúrgico José Ibrahim (trabalhar na Cobrasma, indústria que produzia materiais ferroviários, não fazia dele um ferroviário), como presidente do Sindicato dos Matalúrgicos de Osasco, liderou em 1968, ao lado do Zequinha Barreto, a primeira greve com ocupação de fábrica na ditadura militar.
Os 15 trocados por Elbrick. Ibrahim é o 3º, da esq. p/ a dir., na fileira do alto, entre o Zé Dirceu e o Onofre Pinto. |
Preso, seria um dos 15 prisioneiros políticos libertados quando do sequestro do embaixador estadunidense Charles Elbrick. Voltou para o Brasil com a anistia de 1979 e ajudou a fundar o PT.
Foi ele, aliás, quem no início de 1969 apresentou a VPR ao nosso grupo de oito militantes secundaristas que discutíamos com as organizações armadas para escolher em qual entraríamos, já que avaliávamos ser impossível tocar o movimento estudantil adiante em meio ao terrorismo de Estado desembestado. Convenceu-nos: optamos pela VPR. (por Celso Lungaretti)
2 comentários:
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Cena.
Sala toda vermelha, foice e martelo, posters dos heróis revolucionários, todos de boina, sendo servidos por operários. Um dos servidos, menos cínico, indaga.
Personagem Ingênuo - "E quanto à estrutura econômica e um projeto de Brasil"?
Personagem Padim Pai Inácio - "Não vamos incomodar o Leblon e a Vila Madalena com essas bobagens de pobre".
Ah! A verve de Madeleine! (grafei com maiúscula)
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Mesma sala. Mesmo figurino.
Personagem Ingênuo - "Quando foi que perdemos a bandeira da liberdade para a direita"?
Personagem Mãe Gleise de Padim - "E desde quando você tem lugar de fala para perguntar"?
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Sério.
O inferno são os outros!
Quanta falta faz ler o capítulo 2 da primeira parte de Ser e Nada!
A Má-fé.
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Oh tempora! Oh mores!
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Gratidão por nos dá lugar de escrita.
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'Um novo modo de vida': o manifesto marxista, pós-capitalista e verde cativando o Japão
https://www-theguardian-com.translate.goog/world/2022/sep/09/a-new-way-of-life-the-marxist-post-capitalist-green-manifesto-captivating-japan?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt
Capitalism in the Anthropocene: Ecological Ruin Or Ecological Revolution
https://books.google.com.br/books?id=NURuEAAAQBAJ&pg=PA561&lpg=PA561&dq=Saito%E2%80%99s+academic+text,+Marx+in+the+Anthropocene,&source=bl&ots=YRYgrdLh38&sig=ACfU3U3fBLN3EP4I0JMlMkjYFhgqxtXdFA&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwiljuPpzIf6AhX7IbkGHW4CAVYQ6AF6BAgEEAE#v=onepage&q=Saito%E2%80%99s%20academic%20text%2C%20Marx%20in%20the%20Anthropocene%2C&f=false
Marxismo e Antropoceno Edição: 151 postado em22 de junho de 2016
https://isj-org-uk.translate.goog/marxism-and-the-anthropocene/?_x_tr_sch=http&_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt
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