quarta-feira, 17 de agosto de 2022

JÚLIA MURAT GANHA O LEOPARDO DE OURO DO FESTIVAL DE LUCARNO

O
júri da competição internacional do Festival Internacional de Cinema de Locarno, na Suíça, presidido pelo produtor helvético Michel Merkt, concedeu o leopardo de ouro, principal prêmio, ao filme Regra 34, de Júlia Murat.

O prêmio veio acompanhado da seguinte menção do júri :
"Trata-se de um leopardo de ouro importante para uma cinematografia como a do Brasil, que já definiu momentos-chaves da história do cinema mundial. Um cinema que está na linha de frente para defender a ideia de um mundo mais inclusivo e mais livre. 

Regra 34 conduz o cinema brasileiro ao esplendor anárquico do cinema marginal. É uma obra audaciosa e política, destinada a deixar uma marca. O corpo torna-se um objeto político"
Trataou-se, na verdade, de uma espécie de mensagem aos intelectuais e artistas brasileiros, do tipo vocês não estão sós. Isso era frequente durante a ditadura militar.

Uma dessas menções, logo depois do golpe, foi por ocasião do 1º Festival do Teatro Universitário de Nancy, em 1965, quando ganhou a peça Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, encenada pelo Tuca. 

Dois anos depois foi a vez do glauberiano Terra em Transe, o primeiro filme brasileiro a ganhar o leopardo de ouro do Festival de Locarno.

"GRUPINHOS SE TORTURANDO OU SE FAZENDO MEDO PARA UM GOZO PLENO"  Regra 34 me lembra aquelas bebidas ou remédios com aviso no rótulo: cuidado para não passar da dose prescrita ou tomar em excesso pode ser mortal. 

É como uma espécie de jogo para ser feito a dois, três ou quatro, mas já é outra coisa e vulgarmente se chama
suruba ou orgia.

Ou, como disse Júlia Murat, é coisa para se fazer em clima de confiança, com gente de confiança, nada de numa festinha de aniversário ou na boate dizer para o(a) parceiro(a) vamos dar uma de sadomasô?, porque alguém pode se sair mal e ser socorrido às pressas, ou ficar traumatizado. 

Quem se cansou de fazer papai-mamãe, ou por trás, ou felação, e quiser variar num terreno sujeito a riscos, precisa primeiramente ler a cartailha do BDSM (bondage, disciplina, dominação, submissão, sadomasoquismo)  com o(a) parceiro(a) que tem em mente. Nada de incluir estranho, porque ele pode entrar numa fria.

Na cena final do filme, a personagem Simone aceita jogar uma espécie de tudo ou nada com um de seus amanhtes virtuais. Seria um sadomasô sem regras. Mas felizmente recuou, pois numa dessas –com um estranho, com violência e sem regras– haveria um feminicídio...

Há uma certa contradição em querer dar às mulheres brancas, negras ou louras o must do gozo, brincando com a violência, num país chamado Brasil, onde impera o racismo e o machismo (sendo, portanto, moeda corrente a aplicação nas mulheres  do sadismo unilateral, sem partilha). 

Experiência sadomasoquista com regras BDSM é coisa para grupos fechados, de gente intelectualizada, pra frente. Devem existir muitos grupinhos se torturando e se fazendo medo para um gozo pleno, sem o moralismo e os complexos pregados nas igrejas, segundo os quais a mulher tem de ser vestal ou dar sem receber.

Júlia Murat disse que não conhecia o BSDM antes de fazer o filme e ficou fascinada com tal universo, porque ele produz muito conhecimento. E concluiu:
"Existe também muita literatura sobre as práticas a fazer. Um dos seus conceitos mais importantes é a consensualidade. A ideia é a de que os acordos devem ser feitos previamente. 

Outra coisa, o BDSM faz parte da nossa sociedade e, enquanto parte da sociedade, também estão incluídas as práticas patriarcais machistas e racistas".
MAIS BRASILEIROS AGRACIADOS: UM CURTA-METRAGEM E UM DOCUMENTÁRIO DE CUNHO ECOLÓGICO  O prêmio especial do júri foi para o filme Gigi, a Lei, a vida de um policial numa cidade pacata italiana, uma coprodução da Itália com a França e Bélgica, dirigida por Alessandro Comodin.

O prêmio de melhor direção ficou com a cineasta costarriquenha Valentina Maurel, diretora do filme Tenho Sonhos Elétricos, uma coprodução  da França e Bélgica com Costa Rica. Trata-se de uma história de divórcio e emancipação de filha adolescente que decide ficar com o pai, pouco antes de perder sua virgindade com um amigo do pai.

O prêmio de melhor atriz foi para a jovem costarriquenha Daniela Marin Navarro, a jovem que se emancipa no filme Tenho Sonhos Elétricos.

E o prêmio de melhor ator, para o também costarriquenho Reinaldo Amien Gutierrez, e igualmente por Tenho Sonhos Elétricos. Ele vive um pai que é um tanto poeta e um tanto perdido, sem dinheiro e sem controle de seus nervos.

Como melhor curta-metragem de autor, outro prêmio para o Brasil: Big Bang, do Carlos Segundo, em coprodução com a França, sobre um limpador de fornos que exerce tal profissão por ser pequeno de tamanho.

E foi também um documentário brasileiro que recebeu menção honrosa por sua defesa do meio ambiente: É Noite na Américadirigido por Ana Vaz, que mostra o desespero dos animais  com as invasões das florestas, a ponto de procurarem refúgio nas cidades. (por Rui Martins, que cobre anualmente o Festival de Lucarno)

4 comentários:

Fausto Neves disse...

Caro Celso

O El Pais de 20 de Agosto publica uma comemoração dos 70 anos do filme 'Roman Holiday'
dirigido por William Wyler

"Setenta años de ‘Vacaciones en Roma’, la película que creó la imagen idílica de una ciudad de ‘vespas’ y helados"
https://www.pressreader.com/spain/el-pais-pais-vasco/20220820/281874417199881

Afinal, qual a importância desse filme?
Abraço
Fausto

celsolungaretti disse...

Fausto, esse filme se chamou A PRINCESA E O PLEBEU no Brasil.

A "vespa" a que se refere o trecho que vc citou era uma marca de lambreta, aquelas motos feiosas de antigamente. No pôster, aparecem exatamente Gregory Peck conduzindo a dita cuja (de terno!) e uma jovem Audrey Hepburn na garupa.

"Helados" são sorvetes. Será que havia muita sorveteria na Roma da década de 1950?

Importância? Que eu saiba, foi um filme que caiu no gosto de críticos que adoram amenidades rasas como poças d'água.

Nunca tinha sequer ouvido falar, talvez porque sempre fugi dessas comédias românticas ingênuas e chatinhas de outrora.

Fausto Neves disse...

Celso

Se você, que entende tanto de cinema, nunca tinha ouvido falar, imagine para alguém como eu.
O que eu acho chato é o El Pais (um jornal um tanto intelectual) comemorar esses 70 anos.
Abraço

celsolungaretti disse...

Pelo que andei fuçando, não passou de um filmezinho banal, feito com elegância. Foi indicado para 13 Oscar, mas só ganhou os de melhor atriz, melhor história original e melhor figurino.

Quem levou o maior número de estatuetas importantes foi A UM PASSO DA ETERNIDADE, que concorreu em 12 categorias e venceu em 8, inclusive melhor filme, melhor diretor, melhor atriz secundária e melhor ator secundário.

Mas, há críticos que gostam dessas besteirinhas, fazermos o quê?

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