domingo, 31 de julho de 2022

DEFENDENDO O INACEITÁVEL, MEU XARÁ ERGUEU A BOLA E O MAGNOLI DEU CORTADA

demétrio magnoli
TEM IMPORTÂNCIA, SIM, CELSO!
"
Não tem nenhuma importância", decretou o ex-chanceler Celso Amorim [numa entrevista à revista Time], referindo-se à inclusão de Lula numa lista ucraniana de oradores que promovem narrativas de propaganda russa.  

A lista, em si, talvez não tenha. A postura do provável futuro presidente sobre a guerra na Ucrânia tem.

Segundo Amorim, "Lula tem condenado sempre a invasão da Ucrânia pela Rússia". A afirmação reduz a verdade a mero jogo de palavras. O ex-presidente declarou que o ucraniano Zelenski "é tão responsável pela guerra quanto Putin". Ou seja: agressor e vítima dividem a culpa ao meio. Daí decorre a posição de neutralidade formal advogada pelo PT diante de uma guerra de conquista.

A frase de Amorim sobre a (falsa) condenação de Lula inclui o trecho: "Agora, a gente tem que reconhecer um conjunto de circunstâncias". Quais? 

Lula, ele mesmo, já desvendou o mistério: a circunstância que torna Zelenski corresponsável encontra-se no desejo ucraniano de ingressar na Otan. Ocorre que tal desejo é apenas o pretexto para a agressão russa. Prova: a invasão prossegue, meses depois de a Ucrânia ter desistido explicitamente daquela meta.

Putin esclareceu várias vezes os objetivos da invasão. Trata-se, na linguagem do Kremlin, de "desnazificar" e "desmilitarizar" a Ucrânia, senhas cínicas para descrever a ambição de transformar o país vizinho em protetorado russo e incorporar à Rússia vastas parcelas do território ucraniano.

A Constituição consagra a soberania e a integridade territorial das nações como norte de nossa política externa. 

Tem importância, Celso, o desprezo pelos princípios constitucionais brasileiros. Indica que, entre as inclinações ideológicas do PT e os valores definidos no contrato político nacional, a política externa de um futuro governo Lula escolherá as primeiras.

A frase completa de Amorim conclui-se com um "sobretudo se a gente quer uma solução". A solução –isto é, a paz– também figura como álibi de Bolsonaro para a posição oficial brasileira sobre o conflito. O governo Bolsonaro condena retoricamente a invasão russa, mas declarou solidariedade à Rússia e condena sem quaisquer ressalvas as sanções à Rússia e o fornecimento de armas à Ucrânia. 

Na prática, o Brasil alinhou-se ao objetivo russo de isolar a Ucrânia. Por isso, registrou Bolsonaro, "a relação com Putin está dez" –e, ao que parece, continuará perfeita sob um eventual governo Lula.

Qual é a rota para a paz? Quando Amorim fala em solução, está sugerindo que a Ucrânia ceda novos territórios, além dos já ocupados pela Rússia em 2014. 

Contudo, ainda que fizesse sentido propor uma solução similar à tentada em 1938 por franceses e britânicos em Munique, as sentenças do Kremlin iluminam a extensão das exigências russas. Moscou almeja a supressão da Ucrânia como Estado independente.

A alternativa é impor negociações realistas de paz, o que depende de golpes militares profundos assestados pela Ucrânia –ou seja, em parte, das sanções e da ajuda militar ocidental.

No caso, os princípios constitucionais e o cálculo frio do interesse nacional alinham-se totalmente. 

A Rússia permanecerá isolada do Ocidente no horizonte previsível. A adoção da posição bolsonarista de solidariedade à Rússia por um governo Lula estreitaria os caminhos de cooperação estratégica e tecnológica do Brasil com os EUA e nossos parceiros europeus.

A neutralidade pró-Russia de Bolsonaro deriva da hostilidade da extrema-direita ao globalismo –isto é, ao modelo ocidental de democracia representativa. Já a neutralidade pró-Russia de Lula nasce de um anacrônico anti-imperialismo incapaz de identificar o impulso imperial na Rússia de Putin. 

A posição brasileira sobre o principal tema atual das relações internacionais só não terá importância se o Brasil decidir tornar-se irrelevante. (por Demétrio Magnoli)

Um comentário:

Neves disse...

Do Financial Times
https://godfreytimes.com/2022/07/28/vladimir-putin-is-in-thrall-to-a-distinctive-brand-of-russian-fascism/
OU
https://godfreytimes-com.translate.goog/2022/07/28/vladimir-putin-is-in-thrall-to-a-distinctive-brand-of-russian-fascism/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=es&_x_tr_hl=es

Do New York Times
https://www-nytimes-com.translate.goog/2022/05/19/opinion/russia-fascism-ukraine-putin.html?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=es&_x_tr_hl=es

Do LawFare
https://www-lawfareblog-com.translate.goog/putins-memory-laws-set-stage-his-war-ukraine?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=es&_x_tr_hl=es

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