sexta-feira, 24 de junho de 2022

O ACESSO AO ABORTO LEGAL É UM DIREITO HUMANO

A decisão recente da Corte Suprema dos EUA, de anular o direito constitucional ao aborto naquele país, é não só mais uma etapa do avanço da extrema-direita por lá, como também um aviso para o resto do mundo. 

Trata-se de um assunto delicado e de foro íntimo de cada mulher, nunca uma decisão simples a ser tomada. O principal, contudo, é existir o direito a seu acesso legal, com apoio médico e psicológico adequados. Isto evita mortes e sequelas, tanto físicas quanto emocionais. 

A proibição de modo algum impede a efetivação do procedimento, apenas força as mulheres a realizarem-no em condições precárias, desumanas. 

No Brasil, p. ex., o aborto é ilegal fora dos casos de estupro, risco para a mãe e anencefalia. Mesmo assim, são realizados anualmente cerca de 1 milhão de procedimentos, um recorde mundial (número, vale destacar, muito maior do que em países onde a ação é legalizada). Destes, contudo, pelo menos metade termina com impactos negativos para as mulheres.

O fato é que não apenas há a proibição do aborto, mas também o desestímulo aos procedimentos contraceptivos. A distribuição de camisinhas, de anticoncepcionais e outros mecanismos é dificultada e a educação sexual, criminalizada. Daí o alto número de gravidezes indesejadas, um drama ainda maior entre as adolescentes (nosso país é campeão também neste quesito). 

Na realidade, a proibição ao aborto serve enquanto uma concessão da burguesia aos fundamentalistas religiosos. Isto porque o fundamentalismo é útil em períodos de crise social e econômica crônica, contrabalançando na mentalidade popular o avanço da ciência revolucionária. 

Com seu discurso mistificador e anti-histórico, ele acaba convencendo os trabalhadores de que seu sofrimento é apenas o plano divino para suas vidas e que tudo está como deveria ser. 

Ao mesmo tempo, tal proibição permite ao Estado agir de forma mais repressiva contra as mulheres, sendo uma boa justificativa para criar um clima policialesco, visando conter a revolta das classes subalternas. Cumpre nisto a mesma função da guerra às drogas

No caso dos EUA, a suspensão do direito vem após a forte onda reacionária que tomou conta do país desde a crise de 2009 e cujo ponto alto foi a eleição de Trump. E está longe de ficar apenas nisso, pois o plano do Partido Republicano, hoje uma agremiação francamente fascista, é passar leis no Congresso proibindo a prática por completo. 

Não apenas isto, pois existem grupos da extrema-direita nos estados mais reacionários do Sul planejando até mesmo anular o direito ao voto dos negros, extirpar liberdades trabalhistas e mesmo suprimir o poder do voto. 
Tais tendências são inerentes ao grau de dissolução vivido atualmente pela maior potência do planeta. A luta de classes se agudiza por lá a ponto de a própria burguesia encaminhar uma subversão de suas instituições bicentenárias. 

Não à toa, Joe Biden tenta resolver a situação interna do único modo que um político medíocre igual a ele sabe: exportando a crise. Por isso, ele cava desesperadamente uma guerra na Europa, tentando aliviar no plano doméstico a tensão mediante a unidade patriótica e a correia financeira da economia de guerra

Sua impotência diante das crises em seu país é um exemplo eloquente disso. Enquanto para a Europa ele consegue enviar bilhões com apenas uma canetada, para resolver a crise do impedimento do direito ao aborto ele apenas pede aos eleitores que votem nos democratas. 

Na crise das armas foi incapaz de criar qualquer articulação digna de nota em prol de um programa de controle dos armamentos. Antes, já havia fracassado olimpicamente em seu projeto do Green New Deal. Resignado, voltou-se para seu plano B de vilanizar os russos. 

Mas tudo pode piorar, pois neste momento o presidente tem menos popularidade que Trump há quatro anos. O ex, inclusive, vai acumulando vitórias nas primárias de seu partido e, caso não seja candidato em 2024, nem por isso sua ideologia sairá perdendo, pois tem como principal adversário entre os republicanos o governador atual da Flórida, Ron DeSantis, que é ainda mais extremista do que ele próprio, juntando o pior do trumpismo com o pior da política externa de Bush. 

Na realidade, figuras como Joe Biden fazem parte do passado e são apenas uma tentativa desesperada da oligarquia moderada de evitar o pior, que é a aberta guerra revolucionária. No entanto, esta parece ser cada vez mais o caminho a ser trilhado no coração do capitalismo, com impactos tsunâmicos no resto do mundo. 

Portanto, por trás da decisão da Suprema Corte dos EUA não está apenas o problema de decidir se o aborto é correto ou incorreto, ou tão somente um debate religioso. Há uma crise social e econômica profunda, cuja solução tem sido encaminhada por parte importante da oligarquia estadunidense no sentido de mais repressão e menos liberdades. 

A extrema-direita está apenas começando. (por David Emanuel Coelho)

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails