Jair Bolsonaro, que, face à sua total incapacidade para governar, esquivou-se deste dever e está em campanha para a reeleição desde que recebeu a faixa presidencial, vem em queda livre nas pesquisas eleitorais e roda a baiana dia sim, outro também, por saber que depois da derrota poderá ter de responder pelo seu rosário de crimes como deputado e como presidente.
Então, tenta recuperar prestígio popular com esmolas tardias que não cabem no orçamento federal, flerta com o congelamento de preços que gerou a hiperinflação do Sarney, implora aos empresários de supermercados que deixem de ser capitalistas até outubro e abstenham-se de novos aumentos, surpreende Joe Biden com um estapafúrdio pedido de ajuda para deter Lula.
Só conseguiu desmoralizar ainda mais o Brasil no exterior, supondo-se que isto ainda seja possível. Seu apelo desesperado àquele contra quem fez campanha estridente e descabida em 2020 não levou em conta que, com todos os defeitos, Biden não é como Lyndon Johnson, um caipirão que comia na mão da CIA e em 1964 engoliu a lorota de que o Brasil estava a um passo do comunismo.
Afora o ridículo de não ter obtido resposta de Biden, que preferiu trocar de assunto, Bolsonaro acrescentou à sua extensa lista mais um crime de responsabilidade passível de impeachment ("proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo") e mais um motivo para os altos comandantes militares o repudiarem. Pois, na mentalidade da caserna, o que ele fez configura traição à pátria.
É quase certo que não chegará ao 2º turno, seja em razão de uma vitória antecipada do Lula, seja porque a rapidez do derretimento da candidatura dele, Bolsonaro, poderá abrir brecha para qualquer azarão.
Vale lembrar que em 2017, não suportando mais a intensa polarização, o eleitorado francês fez de Emmanuel Macron o novo presidente, embora ele houvesse lançado sua candidatura quatro meses antes do pleito e sem o respaldo de um grande partido, tendo concorrido pelo movimento centrista Em marcha!. Mesmo assim, ganhou da ultradireitista Le Pen no 1º turno (23% a 22%) e arrasou-a no 2º (66% a 34%).
E O OUTRO GIGOLÔ DA POLARIZAÇÃO, COMO É QUE FICA? – Vai ser uma justiça poética se Lula não eleger-se à custa da polarização, depois de ele e o PT terem veladamente boicotado a luta pelo impeachment do genocida e explicitamente esvaziado as manifestações #ForaBolsonaro.
Se ainda assim acabarem derrotados, quem acompanha criticamente os acontecimentos políticos lhes atirará na cara que foi não só imoral como também inútil acumpliciarem com a morte de centenas de milhares de brasileiros que sobreviveriam à covid se o ocupante do Palácio do Planalto não fosse um alucinado ultradireitista, inepto para o cargo e com evidentes problemas mentais.
O esboço de plataforma eleitoral do Lula, recentemente divulgado, mostra bem o porquê de tanto empenho em bater em bêbado, capitalizando a rejeição-monstro do Bolsonaro. É uma montoeira de bandeiras do passado que há muito caducaram, um mais do mesmo que não leva em conta o acentuada aceleração da crise do capitalismo nem oferece nenhuma fórmula viável para o Brasil sair do buraco econômico que tirou a escada do Bolsonaro e o deixou pendurado na brocha.
Uma vitória do Lula, também serviçal do capitalismo, apenas significará a substituição do capataz boçal e truculento que agarra a comida com as mãos por um populista messiânico que não surta à toa, negocia as maneiras mais elegantes de maquilar a exploração do homem pelo homem e usa os talheres certos.
E, embora resolva o problema imediato de despachar certamente para o limbo (eventualmente para o hospício ou para a prisão) quem há três anos e meio desgraça o Brasil, uma eleição do Lula embute uma enorme possibilidade de continuidade e até agravamento da penúria atual, ensejando uma volta da extrema-direita ao poder dentro de alguns anos, em nova reprise desse filme que já não aguentamos mais assistir.
Daí eu considerar que a prioridade máxima da esquerda neste instante é reconstruir-se após a hibernação reformista, voltando a ser alternativa ao capitalismo e não sua força auxiliar.
Tal golpe, se Bolsonaro tivesse força política e coragem pessoal para encabeçá-lo (seu vexatório recuo na micareta golpista do 7 de setembro está bem vivo no memória de todos nós), teria de ser dado antes do 1º turno, pois seria tolice desfechá-lo depois de consumada a derrota. Trump já inviabilizou esse formato. Então, por que abrirmos mão de nossas convicções em nome de uma emergência que verdadeiramente inexiste?
E, com o espectro golpista ora reduzido a fogo fátuo, quem luta pela superação do capitalismo tem um objetivo estratégico bem diferente do daqueles que atuam para eternizar, supostamente atenuada, a dominação capitalista. Ora, as alianças entre verdadeiros esquerdistas devem sempre basear-se em valores permanentes, não em vantagens e conveniências transitórias.
Mesmo quando se faz realmente imperativo somarmos forças com agrupamentos dos quais divergimos fortemente, isto só cabe no 2º turno. O 1º é o momento do voto consciente, devendo servir para marcarmos posição e divulgarmos nossas bandeiras.
Para encerrar, lembro a avaliação insuspeita do Zé Dirceu, que esgotou esta questão com uma única frase em 1998, rechaçando as pressões para que o PT recomendasse o voto útil já no 1º turno da eleição para governador de São Paulo:
"Nada mais sem sentido do que a tese de que os partidos de esquerda devem apoiar [Mário] Covas para derrotar [Paulo] Maluf".
Falou e disse. (por Celso Lungaretti)
3 comentários:
A coisa, ou o coiso', está fervendo lá fora
https://www.nytimes.com/2022/06/12/world/americas/brazil-election-bolsonaro-military.html
OU
https://www-nytimes-com.translate.goog/2022/06/12/world/americas/brazil-election-bolsonaro-military.html?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=es&_x_tr_hl=es
E
https://www.americasquarterly.org/article/brazils-election-a-looming-crisis-for-washington%EF%BF%BC/
OU
https://www-americasquarterly-org.translate.goog/article/brazils-election-a-looming-crisis-for-washington%EF%BF%BC/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=es&_x_tr_hl=es
***
Estás escrevendo como nunca!
Uma das coisas boas de você ter mudado de partido.
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Obrigado, companheiro!
Na verdade, estou numa corrida contra o tempo. Acho que não haverá golpe nenhum e o Lula vai vencer com um pé nas costas. E sei que isto deverá dificultar muito um resgate da essência da esquerda, pois o poder e suas vantagens obnubilam as consciências.
Então, quero estar numa posição pelo menos mais influente em 2023, para contribuir para a articulação de uma oposição de esquerda ao governo do Lula e para a formação de uma nova esquerda.
Na minha idade, outros anos de marasmo, como 2020 e 2021, me deprimiriam muito. Sou movido a adrenalina, quando acredito na validade do que estou fazendo ainda sou capaz de grandes esforços.
Um abração!
Celso
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