segunda-feira, 27 de junho de 2022

CARTA ABERTA DO DALTON ROSADO AO GUSTAVO PETRO – 1

Se houvesse triunfado, juntamente com o grupo de revolucionários do Movimento 19 de abril (*) a que pertencia nos idos dos anos 80, e tivesse assumido o poder político na Colômbia, ainda assim o senhor teria de enfrentar a contrarrevolução derrotada e suas múltiplas garras ainda vivas e aptas a solapar qualquer atividade de rompimento com as categorias capitalistas, também ainda vivas.

Como todo processo revolucionário vitorioso e abrupto de esquerda na história recente de rompimentos com as democracias burguesas ou ditaduras burguesas, e em face da contrarrevolução à espreita para intervir face a qualquer demonstração mais abrangente de insatisfação popular, de que conviver inicialmente com as categorias capitalistas decadentes, quais sejam:
 o valor e sua representação numérica, a mercadoria e padrão monetário dinheiro
 a mercadoria trabalho abstrato produtor de valor
 as mercadorias produzidas por esta modalidade de relação social; 
 o mercado, altar do sacrifício social; 
 o Estado e sua piramidal função de opressão social; 
 a política e sua infernal arte de iludir e domesticar revolucionários;
 o partido político único, pretensa e ilusoriamente capaz de absorver e executar a vontade popular que estaria, mas não está, nele condensada;
 as relações comerciais internacionais, etc.

E isto sob a habitual ameaça externa de apoio aos contrarrevolucionários! 

Por mais sensibilidade social que tivessem, e não duvido disto, a dinâmica da lógica capitalista ainda vigente (mesmo num governo com sentimento antagônico às regras cartesianas e ditatoriais do capital) lhes faria tomar atitudes impopulares, na base do mal menor para salvar a governabilidade sob tais pressupostos

Com graduação em economia e tendo assistido cursos de especialização e doutorado (sem finalizá-los) até no exterior, mais do que ninguém o senhor, Gustavo Petro, deve saber disto, ou seja, da essência subtrativa, excludente e cumulativa do capital. 

Certamente não se absteria de tomar tais atitudes pretensamente salvacionistas, até porque até Lenin, com todo o entusiasmo bolchevique ainda vivo, optou por implantar a Nova Política Econômica, que consistia em concessões aos capitalistas (os remanescentes e os nascentes) para evitar o colapso do abastecimento na Rússia revolucionária dos anos 20. 

[Aliás, após a morte de Lênin em 1924, a tal NEP foi continuada e incensada por Stalin, tendo então a provisoriedade se tornado cada vez mais permanente...]  

No contexto revolucionário abrupto, tudo se aceita na condição de medidas paliativas e provisórias, como se fossem remédios amargos mas tidos como necessários para a consecução de um objetivo maior e definitivo: a implantação de uma sociedade comunista, na qual todas as categorias capitalistas acima elencadas deixariam de existir.  

Entretanto, como é sempre difícil abrir mão do próprio poder piramidal do Estado, exercido pela cúpula (comitê central) do partido único numa retroalimentação de poder político e econômico, acaba-se, de adiamento em adiamento, aceitando a permanência do capitalismo de Estado.

Até que, premido pelas necessidades, promove-se a inevitável abertura ao capital externo como concessão (pretensamente) vigiada, seja:
 para a obtenção de crédito do capital internacional; 
— pelos impostos a serem cobrados;
 pela imperiosa necessidade de modernização das indústrias locais para fazerem frente ao capital industrial internacional; 
 pela necessidade de criação de novos empregos (leia-se mais exploração do trabalho abstrato e extração de mais-valia); 
 pela simples ambição de se tornar um Estado economicamente rico (como a China, baseada na exploração dos baixos salários, e com o capital lhe servindo de modo de relação social de produção de mercadorias. 

E não se esqueça, tudo sob o aval falacioso de um cada vez mais desbotado outdoor de Karl Marx, patrocinado por uma empresa estatal.  

Mas você, senhor presidente de esquerda, como ex-revolucionário aderente à democracia burguesa pela qual se elegeu, ademais sendo ex-prefeito de Bogotá, ex-senador e graduado em Ciências Econômicas (afora os cursos de administração pública burguesa aos quais assistiu), decerto sente-se capaz de domar a ditadura do capital e colocá-lo a serviço do povo. Não é? 

Infelizmente, o capitalismo tornou o mundo refém da sua lógica autotélica insensível à vida e todos terminam a ela obedecendo. Isto cria uma contradição irresolúvel entre a rigidez ditatorial dos seus pressuposto, de um lado, e as relações humanas, do outro. 

A coisa funciona mais ou menos assim:
 não se produz nada sem a famigerada viabilidade econômica, ou seja, somente se produz algo podendo-se extrair mais-valia e lucro;
 não há mais lucros suficientes porque a demanda de consumo está exaurida;
 não há demanda de consumo porque inexistem salários suficientes e emprego pleno;
 os salários são globalmente decrescentes por conta da concorrência de mercado na produção das mercadorias, que se regem pela lei da oferta e da procura;
 sem permanente venda de mercadorias, estas não são produzidas;
 sem produção de mercadorias, as correspondentes vendas caem e reduzem-se os valores destas como consequência dos baixos salários e da aplicação da tecnologia ao processo produtivo, tudo isso culminando na queda da massa global de valor;
 se cai a massa global de valor cai a arrecadação fiscal, aumenta o endividamento público e cai o atendimento às demandas sociais pelo Estado. 

Tais condicionantes provocam a depressão econômica irreversível que os adoradores de todas as matizes do totem valor não aceitam, preferindo administrar a escassez. (por Dalton Rosado continua nesta página)
grupo que se insurgiu contra a corrupção eleitoral em 1970 e depois aderiu à guerrilha urbana, tendo sido perseguido pelo exército colombiano com violência extrema e muitas mortes. (DR)
Esta composição do Dalton não é especificamente sobre isso, mas o Che
talvez estranhasse os novos rumos políticos de guerrilheiros de outrora

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails