quarta-feira, 29 de junho de 2022

CARTA ABERTA DO DALTON ROSADO AO GUSTAVO PETRO – 2

(continuação desta página)
Forte simbolismo: um ex-guerrilheiro como 
presidente e uma mulher negra como vice.
D
iante de tudo isso, é preciso termos coragem de romper com a chantagem impessoal, implícita e coisificada da lógica decadente do capital, e isto os governantes de esquerda não possuem: presos aos seus juramentos constitucionais e obedientes às instituições do Estado, uma vez alçados a posições de comando, tentam administrar uma crise que não é (ou não deveria ser) deles, ao invés de pegarem o boi pelo chifre.

São quase inexistentes os exemplos de desapego ao poder burguês, mas a vida está colocando diante de nós o seguinte dilema: ou rompemos com o capital e estabelecemos um modo de relação social fora dele e de sua forma-valor, ou afundaremos juntos com ele. 

Mais perigoso do que os riscos reais da insurgência contra o capital é a cruel ignorância e passividade diante dele.      

Grassa na América do Sul um sentimento de insatisfação, corporificado nas cíclicas alternâncias de poderes políticos burgueses entre a esquerda e a direita. Uns acreditam no autoritarismo de alguns pretensos iluminados para a solução dos problemas sociais; outros creem que o capital pode ser domesticado e bonzinho, dependendo do governante de plantão. 

Perdoe-me, senhor Gustavo Petro, se nesta carta aberta frustro o seu encantamento de recém-eleito e lhe faço o alerta de que não basta ser bem intencionado, mas é preciso ter coragem e discernimento, pois, como disse Marx, o inferno está cheio de bem intencionados.   

A Colômbia tem 51 milhões de habitantes e um território de 1.142.000 km², sendo um país pequeno, se comparado à extensão territorial do Brasil e de toda a América do Sul. Isto lhe impossibilitará a tomada de decisões isoladas de um modo de produção social fora da lógica capitalista e voltado para o atendimento das necessidades de consumo do povo, capaz de promover a inclusão de toda a população autóctone colombiana empobrecida e segregada.  
E de um símbolo forte a Colômbia carecia, 
para apagar dos corações e mentes esta imagem
 

A primeira coisa que o senhor fará ao assumir o cargo de presidente decerto será jurar o respeito à constituição burguesa vigente e que estabeleceu as regras eleitorais sob as quais saiu vitorioso, até porque é difícil negar aquilo que que lhe permitiu envergar a faixa presidencial.

O poder e suas benesses costuma amolecer os revolucionários, e mais ainda ex-revolucionários, que estudam a dinâmica da administração do capital sob o ponto de vista burguês e a partir de suas regras de administração pública.     

Mas, não se iluda. Os próprios capitalistas entraram em desgaste popular por conta da incapacidade matemática financeira (e não apenas administrativa) de suas administrações proverem eficazmente as demandas públicas básicas, daí estarem perdendo eleições. 

Mas aceitam civilizadamente as derrotas eleitorais, convictos de que adiante verão fracassarem os ex-revolucionários aderentes ao poder burguês.

Não acredite, portanto, na capacidade de administrar bem o capitalismo  a partir do seu aparelho de Estado, especialmente em meio a uma crise mundial.

Não acredite em metamorfosear o aparelho de Estado cobrador de impostos e mantenedor da estrutura de poder institucional do Estado burguês em instrumento de redenção popular. 

Não acredite na simpatia dos organismos internacionais capitalistas para com o seu governo, mesmo que você demonstre, como Lula, um alinhamento amistoso com o capital nacional e internacional; pelo contrário, esteja preparado para, se você porventura ameaçar privilégios arraigados dito cujo, sofrer a mesma sabotagem e  a mesma violência que vitimou Salvador Allende. 

Caso se direcione no sentido da ruptura (o que não se prenuncia, a sua administração como prefeito de Bogotá), só lhe restará tal sacrifício honroso ou a vergonha de conformar-se com seu defenestramento.
O primeiro desafio de Petro será reduzir a pobreza que se
abate sobre nada menos do que 51% da população colombiana
 

Entretanto, se resolver aliar-se com outros líderes sul-americanos no sentido da ruptura com o capital, isto deverá estimulá-los e servir de exemplo para a América latina e o mundo, podendo, ademais, contar com o apoio que está nascendo de uma certa fenomenologia mundial do tempo, à medida que aumenta cada vez mais o cansaço com a miséria que se alastra mundo afora e as perspectivas sombrias de aquecimento global, fruto da predação ecológica igualmente mundial.

Oxalá estejamos diante de um presidente eleito que pratique a segunda hipótese, unindo-se aos outros governantes recém-eleitos da América do Sul para a formação de uma aliança continental de autossuficiência, sob um modo de produção social capaz de nos resgatar a todos da miséria centenária e fazer frente à contrarrevolução inevitável e implacável.

Afinal, com a Colômbia e mais o Brasil, Bolívia, Venezuela, Chile e Argentina, além de outros que virão na esteira do bom exemplo, tal aliança continental de esquerda consequente pode ser vitoriosa, antecipando-se a um novo ciclo direitista e o inviabilizando, mesmo que os fascistas tentem retomar o poder político, pelas mãos de um povo que, de tão desesperançado, se deixa tanger ao ódio bestial, destrutivo e autodestrutivo.
 
Basta de pêndulo da ineficácia político-administrativa do aparelho de Estado do capital!

Boa sorte! 

as. Dalton Rosado 

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