Todos os segmentos políticos querem mais dinheiro, que somente poderá vir se a economia deslanchar.
Todos os partidos políticos, idem.
Todas as instituições criadas e formatadas para a manutenção do capital criam sofismas sobre a ideia do dinheiro como mero instrumento, tal qual uma faca que pode cortar ou alimento que sacia a fome ou um corpo ferindo-o de morte, dependendo do seu bom ou mau uso (e, com isto, desviam o foco da essência da negatividade intrínseca ao dinheiro).
Todas as religiões querem o dízimo, que a bíblia bendiz, ainda que fale do mal representado pelo uso avarento do dinheiro (seguindo o mesmo preceito conceitual equivocado, do dinheiro como mero instrumento).
Toda arte é mercadoria mensurada pelo valor de troca expresso no dinheiro que a desqualifica.
Todos os trabalhadores querem mais dinheiro: uns fazem greve por ele e outros param a greve por ele.
O trabalho infantil nas minas de carvão, quando o capital não tinha todos os braços de que carecia... |
Todos nós acordamos pelas manhãs ou nos mantemos acordados nas noites pela única forma de sustentação que nos é permitida: ganhar dinheiro.
Todos os rentistas estão de olho nas bolsas de valores, em seus alugueis, na variação do câmbio das moedas que guardam sob números bancários, em cofres seguros ou debaixo de colchões.
O crime organizado investe em armas que custam dinheiro para adquirir mais dinheiro com suas atividades criminosas.
Os políticos corruptos querem o dinheiro para o financiamento de suas campanhas, sem o qual eles não se elegem e reelegem, ou para enriquecimento ilícito pessoal; e o eleitor inconsciente aceita o favor em dinheiro ou algo que o represente como forma de obter uma vantagem imediata para seu triste futuro de desventuras anunciadas.
O menino que ainda nem sabe ler, já estende a mão pedindo uma moeda para comprar a guloseima preferida.
A mocinha pobre, que sonha com roupa cara e tênis de griffe, aquiesce ao beijo fácil sem amor, pela necessidade do dinheiro que lhe servirá de meio para a satisfação do seu desejo de consumo.
...e a legião de candidatos a raras vagas (hoje o capital despeja na rua da amargura os braços de que não carece) |
O trabalhador, sem saber por que lhe falta trabalho, engrossa a fila tortuosa e longa do mutirão do emprego, clamando por obter justamente o trabalho que é fonte do capital e de todo o seu tormento.
Há fome em grandes plantações graças a uma agricultura de escala voltada para a exportação, o lucro e o equilíbrio na balança de pagamentos (leia-se dinheiro), e há terras desocupadas no nordeste do Brasil semiárido em razão de que por lá a produção de alimentos não é competitiva no mercado.
Os governantes, obedecendo às ordens do capital, descumprem os acordos internacionais dos quais são signatários em relação ao controle sobre a emissão de gases poluentes na atmosfera e outros tipos de poluições no Planeta, agravando o aquecimento global.
Pululam favelas e guetos malformados porque o salário, cada vez mais baixo ou inexistente, não comporta a compra da mercadoria terra, para que sobre ela se construam moradias digna e com infraestrutura urbana minimamente aceitável.
"Mefistófeles belo e radiante que encobre uma carcaça podre e assassina" |
O capitalista explorador, que apenas obedece à lógica do capital como um obediente soldado de uma guerra socialmente perdida, morre de enfarte, enquanto o trabalhador desempregado morre de fome ou frio.
A criança subnutrida dos países pobres e periferias das nações ricas lançam sobre todos nós aquele olhar desesperado que Van Gogh tão bem captou em suas telas, sem saber por que veio a um mundo tão miserável como o que acaba de conhecer após desembargar da gestação de um útero materno sem os nutrientes necessários.
A mãe de um soldado morto na guerra se debruça sobre um corpo inerte e fardado, tal como as mães pretas choram seus filhos pretos e descamisados após outro massacre numa favela qualquer.
Ufa!!!
Será que estou sendo demasiado dramático, ou será o dinheiro algo tão dramático e tão adorado como se fosse a encarnação de um Mefistófeles belo e radiante que encobre uma carcaça podre e assassina?
Observo, com tristeza, a tristeza dos rostos que se cruzam solitários nas multidões; constato com igual angustia a intolerância do seres humanos com seus semelhantes, ainda que muitos ainda conservem traços de humanidade em seus comportamentos; recuso-me a aceitar passivamente a raiva social generalizada e a falta de delicadeza.
Ai daquelas infelizes para quem só resta uma mercadoria com valor de mercado: seu corpo! |
Não é justo que condicionemos a vida à um único parâmetro de relação social: a obtenção do desenvolvimento econômico.
Que se dane o PIB; o teto de gastos e o orçamento público; o Estado cobrador de impostos; o valor do câmbio; o valor das mercadorias; o mercado; a bolsa de valores; a inflação; as dívidas públicas e privadas; o trabalho produtor de valor econômico; o próprio valor econômico; e tudo que condiciona a vida à lógica histórica das relações de produção de valor, nada ontológicas.
Sou incrédulo quanto à possibilidade de superação de problemas num futuro para o qual se quer usar mecanismos errados (como os que anunciam os próximos governantes de hoje, e já anunciaram os governantes de ontem) para consertar aquilo que foi criado negativamente por estes mesmos mecanismos errados.
Não se pode querer que o pé de laranja dê caju, nem com enxerto.
Vade retro auri sacra fames (Virgílio, Eneida, III – 56-57).
3 comentários:
Meia Oito é um personagem fictício de histórias em quadrinhos humorísticas criados pelo cartunista Angeli, e que abrilhantou as páginas da extinta revista Chiclete com Banana. Meia Oito (conhecido como "o último dos barbichinhas"), entre situações de paranóias e de revanchismo das forças de repressão da ditadura, representa os temores e as incertezas de uma democracia que dava os primeiros passos para voltar a andar. Seu fiel seguidor na causa revolucionária é Nanico, seu parceiro homossexual enrustido (mas não muito).
Segundo Angeli, a personagem é uma referência a um tipo característico da época (1968): aquele que tinha o discurso. Fazia a guerrilha dentro do bar, um tipo cheio de regras, que pede carteira ideológica a todo mundo.
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Nobre causídico, peço vênia para discordar!
Seu texto é um primor e eu gostaria de ter esta verve, esta facilidade de encadear palavras conferindo-lhes um significado maior do que elas, enquanto signos, possuem.
Eis a essência dos grandes escritores!
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Contudo, técnico que sou, e sem querer ensinar o que quer que seja a quem reconheço como superior a mim em conhecimento e retórica, coloco diante de nós a definição gramatical de verbo, a saber:
"o verbo é uma classe gramatical que expressa ações e acontecimentos, estados ou fenômenos naturais, de acordo com o sujeito que executa o verbo e com o tempo em que a ação foi executada".
Na qual destaco o fato de essa palavra numa frase representar a ação do executor (um sujeito, mesmo indeterminado ou coletivo).
Único motivo da existência do signo que conhecemos por "verbo".
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As coisas, infelizmente, não tem esse dom de vontade ou respondibilidade.
Logo, o uso subjetivo que se lhes dá é uma questão ontológica e diz respeito ao ser do indivíduo ou coletividades que são responsáveis pelas consequências, ruins ou boas, do mesmo uso.
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A falar de consequências a um materialista dialético, coloco-me em posição desconfortável, pois, parecerei um insensível ao sofrimento dos explorados e, confesso, mesmo que soubesse como, não poderia asseverar, peremptoriamente, que o mau sempre sofrerá as más consequências de seus atos.
Os estoicos tentam ser virtuosos, independente das circunstâncias. Procurando mudá-las, na medida das suas capacidades, sem ferir o livre arbítrio de quem quer que seja através de persuasões falaciosas.
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Resta-nos a bondade, a mais incontroversa das qualidades humanas.
A esperança de que dias melhores virão.
E a certeza que seremos nada ou, como digo, um "nada que alguma coisa é".
A paz.
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Resposta enviada pelo Dalton Rosado:
Caro Valmir,
há também o patrulheiro da direita, que quando não consegue contra-atacar com argumentos um conteúdo que o incomoda, tenta desqualificar tal conteúdo agredindo o seu autor com analogias fora do seu perfil.
Fico feliz de saber que você já abandonou a primeira hipótese, pois é sinal de que ela nem era repetitiva e nem inconsistente. É bom saber que depois de quase seis anos você continua lendo meus artigos. Obrigado.
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