Um camponês ingênuo de aldeia, amargurado com sua miséria, aconselha-se com um sábio, rogando uma solução para a vida insuportável que leva.
Recebe o conselho de colocar um bode fedorento no meio de sua pequena casa, e voltar quatro anos depois.
Obediente (mesmo relutante), o camponês arruma um bode velho e faz tudo como foi determinado. Anos depois, a situação familiar já era de completa neurastenia nervosa e todos estavam a ponto de se matarem.
Aí, finalmente esgotou-se o prazo daquele suplício e o camponês voltou a se reunir com o sábio. E, inquirido sobre como iam as coisas, o humilde camponês desabafou: vivia um inferno, pois tudo havia piorado e todos estavam à beira de um esgotamento nervoso, tendo as agressões e o ódio aumentado com o uso indiscriminado de mensagens pelo celular. Cada um culpava o outro pela miséria em que todos viviam.
Acrescentou que:
— estavam passando fome por causa da inflação;
— a mulher já não encontrava nenhuma roupa para lavar, pois seus antigos fregueses tinham comprado máquinas de lavar;
— o filho menor voltava todo dia pra casa com as mãos vazias, após não ter conseguido vender as cocadas feitas pela sua mãe naquele fogão velho à lenha que sufocava a todos com a fumaça (o gás estava a preços proibitivos!);
— a filha menor, de 15 anos, havia deixado de estudar, pois o ônibus que transportava os alunos enguiçara e não havia mais transporte para a aldeia mais próxima que possuía escola;
— ele mesmo, agricultor calejado, já não podia plantar nas terras alheias porque estavam mecanizada;
— o Auxílio Brasil não dava para resolver os seus problemas de aluguel; compra de alimentos cada vez mais caros e remédios, idem (as doenças haviam aumentado por conta de pouca alimentação e das fezes do bode); gastos com transporte; consumo de água (estavam tendo de beber água do ribeirão, sem tratamento) e de energia elétrica (a eletricidade havia sido cortada por falta de pagamento), etc.
Mas afirmou que o mal maior era o bode na sala, que empesteava tudo com seu odor e ainda obrigava o camponês sem forças a arranjar capim para alimentá-lo.
Foi então que o empertigado sábio, acariciando a longa barba que lhe emprestava um ar de erudição e sapiência, aconselhou que retirasse o bode da sala e voltasse no fim do ano.
Mais uma vez obediente e esperançoso, o camponês retornou a sua casa e soltou o bode que já estava impaciente e berrando incessantemente, após quase quatro anos em cativeiro doméstico.
Quando se viram de novo em dezembro, o camponês disse ao sábio que sua vida estava bem melhor, só que:
— o seu filho virara miliciano, andava armado e saía em motociatas com os amigos, mas estava descolando um grana preta;
— a sua mulher se encarregava de levar uns fios de cobre estranhos (desses dos postes) que alguém lhe pedira para vender, com comissão, para a reciclagem, pagando-lhe muito bem, mesmo sem ela saber de onde eles vinham;
— a sua filha, ainda menor, se prostituíra e agora já nem vinha mais dormir em casa, o que aliviava o espaço diminuto daquele casebre em que mal cabia a família;
— ele, agricultor sem instrução, entrara para a fila do mutirão do emprego, tentando obter uma vaga de vigia na cidade grande mais próxima, um nicho de emprego que crescera contra os frequentes roubos de lojas que vinham ocorrendo na aldeia.
De certa forma estava aliviado, pois, mesmo sem ter tomado cloroquina, não tinha morrido de covid, ficando fora da lista de óbitos de muitas pessoas que conhecia (até gente graúda!).
Com todo mundo se virando nos trinta depois da saída do bode, a vida havia melhorado um pouco, exceto numa coisa: a polícia e uns tipos mal encarados estavam rondando a sua casa e ameaçando toda a sua família de morte.
Então, angustiado e sem saída dentro do que julgava ser comportamento honesto, perguntou ao sábio, o que era melhor: morrer de covid, de bala ou de fome?
O sábio, esperto e sabendo que a retirada do bode nada resolveria, respondeu-lhe: espere pelas próximas eleições. (por Dalton Rosado)
O Dalton Rosado compôs, o Gomes Brasil interpreta.
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