domingo, 8 de maio de 2022

NÃO ACEITEM A INJUSTIÇA NEM SE TRANSFORMEM EM LOBOS, COMPANHEIROS!

dalton rosado
POR UMA QUESTÃO DE PRINCÍPIOS
Meu norte é o sentimento de realização da justiça, portanto a aceitação e prática de meios escusos não têm lugar neste artigo. 

Nele busquei uma frase que expressasse o meu sentimento de discórdia com relação a companheiros que, dizendo-se adeptos do pragmatismo político, aceitam desvios de conduta como atalhos para a consecução de fins que eles consideram justos. 

Eis que vejo o ex-presidente Lula comparar o principal dirigente político de um país agredido (que rejeitou a oferta de ser confortavelmente retirado do palco de um conflito iminente, preferindo correr junto com seu povo o risco de ser atingido por um devastador bombardeio aéreo) ao seu covarde agressor, cuja superioridade em recursos materiais e humanos  era gritante e fico a pensar sobre o que justificaria tal comparação. Acabo chegando à conclusão de que já não somos companheiros. 

Em 1978, fui  certo dia ao prédio da Associação Cearense de Imprensa para assistir à palestra de um operário metalúrgico, mutilado num torno mecânico, líder sindical de sua categoria profissional, que afrontara a ditadura militar numa greve vitoriosa no ABC paulista. 

Nos meus 28 anos de idade, começando a vida de advogado de causas populares e presos políticos, assisti, encantado, àquele operário carismático que falava com propriedade sobre direitos dos trabalhadores, cometendo os erros de português que só reforçavam a minha convicção de que estava diante de uma liderança legítima, e que pretendia criar um partido sem patrões, para com isto quebrar a polaridade dos dois partidos criados pela ditadura militar para simular a existência de uma regularidade institucional democrático-burguesa.

Em abril de 1980, o mesmo líder sindical, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, era preso por liderar as greves operárias.

E, embora alguns setores da ditadura militar tentassem sufocar os movimentos populares e sindicais que encorpavam-se diante do fracasso econômico então em curso, pouco a pouco começava a esboçar-se uma confiança de que o apoio popular nos levaria à redemocratização e volta ao Estado de direito. 

A soltura de Lula, ileso, demonstrava claramente que já não se podia matar impunemente, ao contrário do que ocorrera com o jornalista Vladimir Herzog em 1976, assassinado num aparelho repressor da ditadura militar após uma simples convocação para depoimento (ele sequer teve o cuidado de levar um advogado, desconhecendo a sanha dos seus algozes). 

Ninguém podia imaginar que, de modo combinado ou por conveniente acaso, os mentores intelectuais da distensão lenta e gradual pensada pelo General Golbery do Couto e Silva e implementada pelo ditador Ernesto Geisel, estavam interessados no surgimento de uma liderança palatável aos grandes capitalistas, capaz de ofuscar qualquer tentativa caudilhesca de virada de mesa. 

Daí por diante tudo ocorreu conforme planejado, apesar de algumas aventuras imbecis e assassinas como o atentado militar do Riocentro, ocorrido em abril de 1981, no qual morreu um militar vítima de uma explosão antecipada de bomba que estava destinada a matar muita gente, num show musical de artistas contrário à ditadura, cujo público estava na casa de 20 mil pessoas.

O frustrado atendado do Riocentro provocou um efeito inverso ao que era pretendido por setores militares inconformados com a chamada abertura democrática do ditador Ernesto Geisel, explicitando a existência de uma rede de aloprados incumbidos de praticar o terrorismo de Estado a serviço da ditadura; este foi um verdadeiro tiro que saiu pela culatra.

Fundou-se então o Partido dos Trabalhadores, que se prenunciava como algo novo e capaz de abrigar todas as correntes políticas de esquerda órfãs de uma militância dentro da institucionalidade, mas sem a tutela dos dirigentes partidários tradicionais. 

Ajudei a fundá-lo em Fortaleza e já em 1982 tivemos candidatura própria ao governo Estado do Ceará, numa região na qual quem dava as ordens eram os coronéis que se sucederam por longos períodos nomeados pela ditadura e referendados por um parlamento manietado. 

Nesse período ajudei a fundar, também, o Centro de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza, criado pelo Cardeal Aloísio Lorscheider (que quase foi papa). Os movimentos populares se multiplicavam e ganhavam força, como se fossem molas comprimidas libertando-se da compressão. 

Na esteira destes acontecimentos obtivemos a primeira vitória do PT para um cargo executivo numa capital, em Fortaleza, que já despontava como uma grande cidade (hoje a sua região metropolitana conta com cerca de 3,6 milhões de habitantes). 

A prefeita eleita, Maria Luíza Fontenelle, de quem fui secretário municipal de Finanças, vinha de uma luta vigorosa pela anistia geral e irrestrita dos anos 70. Era uma bela líder feminista (criou a União das Mulheres Cearenses), defensora dos movimentos pela moradia e criadora do Centro Democrático Operário Popular. 

Tratava-se, enfim, de uma revolucionária marxista de então: uma mulher com luz própria. Mas, para Lula, Maria Luíza tinha o grave defeito de não conciliar com o capital, o que logo demonstrou ser uma falta indesculpável; mais do que isto, não compactuava com qualquer tipo de corrupção que pudesse carrear dinheiro público para si ou para o partido, e esta era uma postura inaceitável para quem quer se perpetuar no poder político burguês.  

Fomos expulsos do PT quando vieram as eleições de 1988 para a sucessão na prefeitura de Fortaleza e eu fui indicado como candidato a candidato nas convenções partidárias no diretório municipal. Como eu possivelmente ganhasse tais eleições internas, trataram-nos como se fôssemos dois vírus estranhos àquele organismo partidário. 

Agora entendo claramente que o éramos mesmo, como tantos outros companheiros, indesejados por não compactuarem com o que estava se desenhando como verdadeira essência da direção nacional do PT. 

Constato, hoje e mesmo antes, com tristeza, que a direita brasileira, profundamente conservadora e elitista, encastelou-se no poder como consequência dos equívocos dessa esquerda que renuncia aos seus mais caros princípios. 

Esquerda, vale acrescentar, que favorece tal uma polarização, pois o sentimento de repúdio a um inimigo repulsivo leva muitos de seus seguidores a aceitarem o ruim como alternativa para o péssimo.  

Este mecanismo da perpetuação do capital em rota de colapso interno e externo, assegura a eterna alternância das duas faces (a selvagem e a boazinha) de um poder político que está cada vez mais desacreditado perante a população, e que não corresponde aos anseios de emancipação popular num país tão rico como o Brasil, mas que não permite o usufruto de tais riquezas pelos filhos deste solo e desta pátria mãe nada gentil.
Boçalnaro
, o ignaro
, se reeleito (o que não acredito, porque o eleitor, mesmo manipulado, raciocina muito pelo bolso), virará um plutocrata com apoio militar, como seu aliado, Vladimir, o plutinocrata

Lula, se eleito para seu terceiro mandato e administrando a crise do capital como anuncia, levará a esquerda para o fundo do poço, ensejando o retorno e a recuperação do prestígio da direita genocida.     

Companheiros! Por uma questão de princípios:
— não renunciem ao que caracteriza a essência do pensar e agir próprios à emancipação dos povos; 
— jamais aceitem a injustiça em nome de uma pretensa realização da justiça futura; 
— não aceitem o errado como certo; 
— não confiem em nossos inimigos de ontem, e que se travestem de cordeiros encobrindo o lobo faminto que continuam a ser; e
— mais do que tudo isto, não se transformem em lobos!
(por Dalton Rosado)

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