quarta-feira, 23 de março de 2022

EM SUA NOVA PALHAÇADA, O BOZO SE OUTORGA MEDALHA DE DEFENSOR DOS ÍNDIOS

 rui martins
A MEDALHA DO CINISMO E DA HIPOCRISIA
O governo Bolsonaro ultrapassou o limite da decência ao se autoconceder uma medalha como reconhecimento pelos relevantes serviços prestados, de maneira altruísta, em matéria de bem-estar, proteção e defesa das comunidades indígenas. 

Tal autopremiação está provocando reações de repúdio nas entidades indígenas e de respeito aos direitos humanos porque não é apenas ridícula, é bem mais grave: é insultuosa. Trata-se de uma ofensa e um acinte para os povos indígenas.

Essa portaria, assinada pelo ministro da Justiça Anderson Gustavo Torres, concedendo a ele próprio, ao presidente Jair Bolsonaro e a outros 24 membros do governo, a medalha do Mérito Indigenista, deveria ter um nome mais apropriado – Medalha do Cinismo e da Hipocrisia.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil é mais radical e propõe o nome de Medalha do Genocídio Indígena ao presidente Bolsonaro. E essa indignação é bem compreensível, pois entre os agraciados com a condecoração está a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina Correa da Costa Dias, premiada, quando deputada federal, como a maior defensora do agronegócio brasileiro

Ora, a grande luta na qual está empenhado o agronegócio é a de aumentar a área das terras cultiváveis e das terras destinadas à criação de gado, seja pelo desmatamento ou pela apropriação das
excessivas terras entregues aos indígenas.

O presidente Bolsonaro, agora travestido em defensor do povo indígena, utilizou na sua campanha presidencial a frase do agronegócio muita terra para poucos índios e, nestes três anos de mandato, vem procurando diminuir as terras das reservas indígenas com a proposta do marco temporário em julgamento no STF.

Existem atualmente três processos no Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, contra o presidente Bolsonaro por genocídio contra indígenas. O jornal El País foi incisivo:
"Bolsonaro descumpre a Constituição de 1988, que garante a proteção dessas comunidades e o direito aos seus territórios. Ele não só inviabiliza a demarcação das terras indígenas como a proteção das comunidades com áreas já garantidas por lei, ao incentivar a presença de grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais".  
Os processos contra Bolsonaro foram impetrados pela Articulação dos Povos Indígenas, pelo coletivo de Advocacia em Direitos Humanos e pela Comissão Arns por "indícios de crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio de povos indígenas praticados por Bolsonaro". Na Comissão de Direitos Humanos, a relatora da ONU também citou o genocídio contra indígenas cometido pelo governo Bolsonaro.
"
O
 Governo Bolsonaro sistematizou uma política anti-indigenista no país. O próprio Supremo Tribunal Federal não tem conseguido proteger as populações indígenas, porque tem toda a máquina do Executivo se movimentando contra elas"
, disse a advogada Juliana Vieira dos Santos, da Comissão Arns ao El País.

A concessão indevida e abusiva de medalha como protetor dos indígenas a Bolsonaro me chegou como informação vinda da Funai, que imaginei ser fake news, tão absurda ela era, já que se tratava da mesma medalha concedida a verdadeiros defensores dos índios como Darcy Ribeiro e dom Pedro Casaldáliga. 

Parecia aviltante demais a notícia de estar sendo outorgada a pessoas empenhadas em destruir a cultura indígena, além de destruir suas aldeias com os desmatamentos, mais o processo de aculturá-los para se tornarem empregados dos ruralistas, sem se falar nos indígenas assassinados por esse governo.

No clima de cinismo e hipocrisia da cerimônia de entrega das medalhas, na qual Bolsonaro tinha nos braços uma indiazinha, foram também entregues cocares aos defensores dos indígenas. Tratou-se de outra ofensa ao povo indígena, induzido também a trocar seus cultos ancestrais pelo culto dos evangélicos estadunidenses. 

A entrega da medalha trouxe à atualidade uma frase pronunciada em 15/04/1998 na Câmara Federal pelo então deputado Jair Bolsonaro, quando se discutia a política de demarcação de terras na Amazônia:
"Até vale uma observação neste momento: realmente, a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e, hoje em dia, não tem esse problema em seu país"
Talvez percebendo ter ido longe demais, Bolsonaro tentou emendar sua frase com um adendo:
"Se bem que não prego que façam a mesma coisa com o índio brasileiro; recomendo apenas o que foi idealizado há alguns anos, que seja demarcar reservas indígenas em tamanho compatível com a população".
A frase elogiando a cavalaria dos EUA, destruidora dos índios, me fez lembrar de um livro do escritor Howard Fast sobre massacres de índios nos EUA, A Última Fronteira. Ele descreveu o povo indígena que habitava a América do Norte em aldeias que se estendiam do Atlântico ao Pacífico. 

Na introdução ao massacre dos cheyennes, ele comenta um
erro imperdoável desse povo indígena:
"Eles achavam que o solo no qual sempre viveram era deles. Era uma crença tão forte pela qual lutavam e morriam. Eles se defenderam, como sabem se defender os selvagens, eles lutaram pelo que acreditavam ser sua pátria".
"Quechuas, tamoios, mapuches, tabajaras, guaranis / incas, astecas e maias, aimarás
e tupis / De América, de América /// Por sus mujeres y tierras, sus flores y amores /
Quiere ser mi canto alegre frente a los dolores / De américa, de américa"

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails