sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

E SE A CHINA APROVEITAR O EMBALO PARA DAR CALOTE NA SUA DÍVIDA PÚBLICA?

dalton rosado
O MÓVEL DA GUERRA
A humanidade convive com a bestialidade das guerras há milênios, desde que se matava com lanças até o desenvolvimento das armas capazes de causar uma hecatombe global.  

Antes se invadia com cavalos e espadas, agora se ataca por terra, mar e ar, com veículos velozes e armamentos altamente letais. 

Mas não mudou seu conteúdo, ou seja, o móvel da guerra: a busca da hegemonia de poder político e econômico.   

Hoje as armas atômicas, de tão apocalípticas que são, constituem-se numa reserva de uso estratégico, último recurso para satisfazer a sanha belicosa de um tirano vaidoso qualquer urgido ao poder político como consequência da tensão assassina da fratricida disputa por hegemonia econômica, também conhecida como capitalismo.

Sim, o móvel da guerra é a busca da hegemonia econômica. 

Não há nenhum santo nesta história. O país que invadiu o Iraque, soltando bombas a uma distância de 10.000 pés e matando crianças que dormiam em Bagdá, sob o pretexto de lá existirem armas químicas, é o mesmo que hoje condena a absurda invasão da Ucrânia pela Rússia,  cujas justificativas são igualmente tão ridículas quanto cruéis.

O poder político-militar corresponde apenas à explicitação visualmente mortífera de algo que lhe é subjacente: a velha subjugação dos perdedores pelos vencedores, que assim passam a deter a riqueza material ou abstrata em seu benefício.   

A guerra é desumana porque é desumano o móvel de sua ocorrência. 

O Império Romano, com suas legiões de soldados, conquistou territórios e escravizou  vencidos a ponto de atingir a marca de 1 milhão de habitantes, sendo 80% escravos. 

Na civilização romana, tanto as obras notáveis de grandes artistas plásticos, como o (incipiente) conhecimento científico, estiveram sempre a serviço do mesmo móvel vigente na segunda natureza humana, dita racional: a escravização do ser humano pelo próprio ser humano.

Neste momento em que se explicitam os limites internos de expansão capitalista, os países do G7 sentem faltar chão sob os seus pés em face da incapacidade de manter  indispensável aumento do volume de lucros e a reprodução do capital em seus territórios, já que o capital aplicado na produção de mercadorias migra para outras nações. 

Fragilizam-se pelos próprios fundamentos econômicos sob os quais erigiram o seu poderio, daí o imperativo de uma nova configuração de poder geopolítico mundial. Foi assim na primeira revolução industrial inglesa e na segunda revolução industrial fordista; assim está sendo na terceira revolução industrial cibernética. 

A China, detentora do segundo maior PIB do planeta (ainda que seja relativamente baixa a renda per capita do seu povo) e de um numeroso exército, alia-se à Rússia, cuja pretensão é recuperar a influência da antiga União Soviética, levada de roldão no final do século passado pela debacle do capitalismo de Estado nela vigente. 

Putin conta com seu poderio militar, mesmo que desproporcional ao econômico, para restabelecer o status quo ante sob uma nova roupagem ideológica.
Um bloco formado por China e Rússia pode vir a representar uma vastíssima extensão territorial e um contingente populacional numeroso, capaz de transformar os novíssimos países do Leste europeu em repúblicas-satélites, como na antiga URSS e com extensão de influência para todo o restante das Ásia. 

A invasão da Ucrânia, país mais próximo da União Europeia entre os povos eslavos, é apenas a ponta deste iceberg.

Diante da ora anunciada represália ocidental à economia da Rússia e da inevitável queda do PIB da China (que obviamente não pode se manter nos níveis anteriores graças ao limite mercadológico mundial), estabelecem-se dois grandes impasses:
 a questão da moratória ou simples calote da colossal dívida pública destes países em face dos credores internacionais (nos anos vindouros deverá ocorrer o tsunami da bancarrota internacional da dívida pública, com inevitáveis consequências para os padrões monetários hegemônicos, o dólar dos EUA e o euro da União Europeia);
 a trajetória dessa banda do planeta que se desgarra da lógica capitalista ocidental, rumo à formação de uma lógica capitalista eurasiana, também fadada ao fracasso. 

A grande questão a ser levantada é como ficarão as coisas após a anexação da indefesa Ucrânia (bisando o ocorrido com a Criméia). O novo bloco deverá ser autossuficiente em recursos naturais (energéticos, minerais e de produção de alimentos), mas dificilmente vai conseguir manter e melhorar o padrão de produção e consumo de suas populações sob uma nova ordem capitalista unilateral.

Como reagirão os povos do leste europeu, após terem experimentado a autonomia política, diante de uma nova subjugação? 

Como reagirá o povo ucraniano, cujas feridas ancestrais estão sendo reabertas? Foi genocida o tratamento dado à Ucrânia por Stalin na década de 1930, tanto que a invasão germânica na 2ª Guerra Mundial foi inicialmente aplaudida por grande parte do povo ucraniano... 

Por seu turno, como sobreviverá a economia ocidental à ruptura mercadológica com a Rússia e, mais grave ainda, caso o apoio continental da China ao novo bloco evolua para uma moratória ou simples calote da colossal dívida chinesa?

A verdade é que a ocupação da Ucrânia pela Rússia terá uma dimensão bem maior do que pode sugerir a neutralidade militar ocidental diante dessa perspectiva. Trata-se de um experimento cujas consequências não pararão por aí. 

Tudo decorre, entretanto, de um velho interesses geopolítico no qual se observa que a perda de força de um lado corresponde à tentativa de ocupação por aquele que se considera mais habilitado para exercer a sua hegemonia geopolítica no espaço aberto. 

Mas, não podemos terminar a nossa análise sem a citação de um episódio grotesco e marginal neste cenário: tivemos um bobo na corte. 

Trata-se do presidente que até ontem considerava a China como comunista e a vacina da Rússia como capaz de metamorfosear os brasileiros em jacarés ou gays, e cujos delírios chegaram ao ápice quando afoitamente atribuiu à sua visita a Putin o mérito por uma improvável paz entre russos e ucranianos. Como diziam os antigos, o afobado come cru... 

Bizarro pretendente ao
Prêmio Nobel da Paz, ele se fez, isto sim, merecedor do troféu Pinóquio de Ouro, pois a guerra estourou pouco mais de uma semana após a sua ridícula declaração.

A solidariedade prestada ao plutocrata russo por Boçalnaro, o ignaro, foi estrategicamente inoportuna e somente serviu para demonstrar a sua ignorância no que concerne aos interesses da diplomacia brasileira, bem como o seu alinhamento a um ditador que desde 1999 se conserva no poder diretamente ou por um lacaio. 

Enfim, como Hitler no período que antecedeu a eclosão da 2ª Guerra Mundial, Putin se desmente por atos praticados imediatamente após dar declarações que não convencem nem ao mais ingênuo dos mortais. Talvez seja esta a explicação do fascínio do Boçalnaro por Putin...   

Nos próximos anos vamos conhecer fatos e desdobramentos antes inimagináveis da agonia capitalista em curso. Quem viver, verá! (por Dalton Rosado)
Dalton não pensava no Putin ao compor esta canção. Foi coincidência. 

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