terça-feira, 3 de agosto de 2021

...E EIS QUE O ANJO ME DISSE, APERTANDO A MINHA MÃO: "VÁ, BICHO, DESAFINAR O CORO DOS CONTENTES!" – 2

(continuação deste post)
Uma imagem vale mais que mil palavras: ser de esquerda
O
pensamento burguês escravista ora prevalecente faz mil e uma firulas para que o direito codificado seja tido como algo justo e isonômico e a mediação social pelo capital, como fator de equilíbrio social (não é, Paulo Guedes?).

Vê-se, contudo, desmoronar pela insustentabilidade de seus fundamentos sócios-jurídicos, tornando-se incapaz de conter a insatisfação popular, que cada vez mais se alastra nas sociedades mundiais capitalistas.

A insatisfação popular é o combustível verdadeiramente revolucionário no curso da história da humanidade, ainda que as revoluções retrocedam diante do ímpeto inicial que as motivou.

Registre-se que as revoluções abruptas, patrocinadas pelas armas detidas por um grupamento dirigente, que delas servem-se para promover contrarrevoluções, têm sido sempre fator de despotismo dos que assumiram o poder revolucionário, ainda que os fundamentos que alimentaram tais revoluções deixem rastros indeléveis.

A Rússia dos czares jamais voltará a institucionalizar-se, mas os ideais bolcheviques de há muito deixaram de existir na sua essência constitutiva e integralidade, para remanescer apenas de modo pontual e casual. 

Não é raro na história da humanidade que os revoluções cirúrgicas, de um só golpe, sejam suprimidas pela própria revolução que cede espaço aos contrarrevolucionários disfarçados de revolucionários (não é, Stalin?).
A diferença com ser de direita se evidencia até no visual

Ou seja, amiúde ocorre que os falsos amigos da revolução sejam ainda mais perigosos que os inimigos declarados da dita cuja, e que promovam o retrocesso social, ainda que aproveitem resquícios das motivações revolucionárias originais. 

É fato que o vírus da tirania está sempre presente no poder vertical dito revolucionário, mas, felizmente, um tabu quebrado e consolidado nas consciências humanas nunca volta a ser considerado válido, e este é o melhor legado das revoluções abruptas.

Mas podemos (e devemos) ser revolucionários cotidianamente, e de esquerda verdadeira, se assim quisermos considerar, e antes mesmo que a base fundamental da mediação social seja alterada por meio de uma produção social voltada para a satisfação das necessidades humanas como um todo. 

No sentido microrrevolucionário dos comportamentos cotidianos e que, aglutinados, tornam-se verdadeiramente macrorrevolucionários e permanentes, ser de esquerda é: 
— não aceitar que o legal se sobreponha ao justo quando a lei é evidentemente imoral, a exemplo da lei (adotada no Brasil, inclusive) que admitia a propriedade de um ser humano escravizado e trazido da África acorrentado e vendido (com escritura e tudo) como um animal de carga;
— não aceitar o jogo eleitoral que nos impõe a escolha de dirigentes e parlamentares a priori e obrigatoriamente determinados (sob pena de cassação de sues mandatos) a servirem de sustentáculos obedientes à ordem capitalista constitucionalmente estabelecida;
E há os ultradireitistas malucos, que ninguém leva a sério
— aceitar a existência de relações afetivas humanas díspares das que são consideradas tradicionais, e aceitar os seres humanos como iguais nas suas diferenciações físicas e étnicas; 
— aceitar que a mulher interrompa a gravidez de um feto indesejado e tendente ao sofrimento cruel numa sociedade dirigida por quem não respeita a vida depois que gerada, mas hipocritamente a defende quando ainda é um embrião;
— ser contra a dissociação de gênero, com a supressão do patriarcalismo, mas sem desejar para a mulher as mesmas condições de exploração a que o sexo masculino é submetido, e muito menos ser a favor de um matriarcado que represente a outra face da moeda que se quer combater;
— não aceitar o banditismo, seja o de colarinho branco dos políticos, empresários, banqueiros (os mais abrangentes e socialmente nocivos), seja o de arma em punho num beco escuro, mas desejar que todos, e principalmente os miserabilizados sociais, recebam um tratamento digno quando presos; 
— querer que todos tenham direito a uma morada digna; alimentação suficiente; bom nível de escolaridade; satisfatório abastecimento de água e energia; infraestrutura urbana e de transporte; assistência médica: segurança; acesso às artes e ao lazer;
— lutar pela igualdade de oportunidades e pela superação das divisões sociais em classes, que passa pela própria superação da condição de trabalhador assalariado (um partido trabalhista é a essência da aceitação submissa da existência do capital, e não o contrário);
— lutar contra a devastação suicida do meio ambiente e pela adoção de práticas sustentáveis de vida social, somente possível numa sociedade cujos pressupostos de sociabilidades sejam racionalmente adotados. Noutras palavras, é lutar por uma vida ecologicamente sustentável e saudável; 
— aceitar as crenças religiosas e profissões de fé, mas repudiar o fundamentalismo religioso preconceituoso, hipócrita, cego e assassino;
— posicionar-se contra o discurso e as práticas de ódio;
— produzir para a satisfação do consumo de toda a sociedade e não para o lucro, que propicia a acumulação segregacionista e concentrada do capital;
— indignar-se e agir contra a injustiça em todos os momentos que com ela nos deparemos, ainda que isto tenha um alto custo pessoal, pois a aceitação e afirmação da escravização é sempre um gesto de passividade, por mais cruéis que sejam os riscos impostos pelo escravizador ao escravizado. 

Enfim, ser de esquerda, dentro de um figurino verdadeiramente emancipacionista e permanentemente revolucionário, não é uma opção política, mas uma filosofia humanista de vida.  (por Dalton Rosado)

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