Kabul, capital do Afeganistão, amanheceu tomada pelos combatentes do Talibã.
Avançando país adentro no rastro da retirada de tropas dos EUA, ordenada por Trump e acelerada por Biden, a organização de extrema-direita não encontrou resistências para ocupar a cidade e colocar fim ao governo imposto pela Otan, tendo o presidente Ashraf Ghani fugido para o vizinho Ubezquistão.
Encerra-se assim a mais longa guerra da história estadunidense, com 20 anos de combates e 170 mil mortes, das quais 2.300 foram de soldados dos EUA. A invasão foi a primeira resposta aos ataques terroristas às Torres Gêmeas em Nova York, fato acontecido a 11 de setembro de 2001.Acreditava-se que Bin Laden, chefe da organização Al Quaeda e responsável por comandar o ataque, estaria refugiado no Afeganistão. Quando o Talibã negou-se a entregar o terrorista, Washington ganhou apoio para uma invasão ao país. Como se saberia mais tarde, o trabalho foi inútil, pois Osama estava, desde sempre, no vizinho Paquistão, à época aliado incondicional dos Estados Unidos.
Na realidade, desde o começo, a atenção do então presidente Bush era com o Iraque e seus poços de petróleo. O árido e miserável Afeganistão serviu apenas para aplacar a fúria da opinião pública, insatisfeita por imaginar que o odiento regime de Kabul escondia o assassino em massa.
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Helicóptero dos EUA busca diplomatas em retirada de Kabul. Ecos de Saigon. |
Não foi à toa, portanto, a continuidade do Talibã, entrincheirado nas inóspitas montanhas do país, enquanto os militares da Otan montavam guarda nas grandes cidades para propagandear ao mundo um Afeganistão moderno e laico. No entanto, a maior parte da população afegã estava nas zonas rurais e, para elas, pouco ou nada mudou com a presença dos EUA e seus aliados. Somadas a isso, as poucas incursões militares a estas regiões, por parte dos estadunidenses, eram sempre brutais, com ações de mercenários, execuções sumárias, torturas e todo tipo de atrocidade, a ponto de fazer a população local ter mais empatia pelos medievais jihadistas. O resultado não pode ser outro senão o crescente ódio da população à presença dos EUA e ao governo fantoche de Kabul.
Deste modo, as fileiras talibãs foram crescendo, inclusive com aporte de homens e armamentos do exército afegão, o qual, ironicamente, era armado e treinado pelos EUA.
Enquanto o Talibã crescia, a popularidade da guerra ia evaporando em um Estados Unidos arrasado pela crise econômica e que gastou, até o dia de hoje, cerca de 3 trilhões de dólares no conflito. Por isso, diante da força do grupo extremista e do desejo de retirada, o caminho foi tentar fazer negociações de paz entre os talibãs e o então governo instalado em Kabul.
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"Não havia nada de importante para ser assegurado" |
No fim, contudo, ficou provado que o tal governo era o próprio EUA e o Talibã conseguiu, em semanas, dominar o país praticamente inteiro, entrando na capital com quase nenhuma resistência.
Poderíamos falar de um fracasso estadunidense? Em partes. O Afeganistão nunca foi de fato uma prioridade para o Império. Acabou sendo mais uma solução de marketing que se alongou demais e acabou virando uma armadilha.
Começou enquanto uma forma de aplacar a opinião pública e logo virou um novelo intrinsecamente emaranhado. No fim, os EUA simplesmente jogam a toalha, deixando um rastro de destruição, mortes e dinheiro torrado. Podem até ter feito o Talibã mais forte, agora com um exército treinado e armamento mais moderno em mãos.
Mas, quando olhamos o Iraque, podemos perceber este fracasso em perspectiva. Lá também os EUA não conseguiram estabelecer uma ocupação estável, tendo o próprio Estado Islâmico surgido no país. Mas, os poços de petróleo, os oleodutos, os portos e as rotas de comércio do óleo estão seguras por lá, com raras incursões rebeldes. Isto era o que, no fim, importava.
O fracasso do Iraque, portanto, é relativo; o do Afeganistão meramente simbólico, pois não havia nada de economicamente importante para ser assegurado ali. (por David Emanuel Coelho)
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