(continuação deste post)
O que dizer daquela família de emergentes no capitalismo mercantil anti-feudalista, que, embora se dizendo abolicionista humanitário da escravidão da etnia africana, jamais aceitaria sua filhinha branca namorar e engravidar de um preto oriundo da senzala?
Há mais de 2 mil anos, com uma argumentação antipreconceito, Jesus Cristo salvou uma mulher adúltera do apedrejamento até a morte por falsos moralistas, ao dizer atire a primeira pedra aquele que não tiver pecado. Será que a própria conceituação de pecado, já não seria um preconceito?
A tirania costuma apropriar-se de conceitos tidos como consensualmente corretos para exercer a opressão intrínseca aos seus pressupostos torturadores.
Exemplo flagrante disso é a frase que os nazistas faziam ser exposta na entrada de campos de concentração como o de Auschwitz: O trabalho liberta.
Ademais, os nazistas se referiam, hipócrita e morbidamente, aos campos de concentração como locais de reeducação de judeus, ciganos e comunistas, num exemplo claro e histórico do inaceitável preconceito racial genocida.
Neles também eram exaltados o trabalho e o trabalhador como artífices de liberdade, apesar de o trabalho abstrato produtor de valor nada mais ser do que a base capitalista de toda a opressão contida na mediação social pela forma-valor. Infelizmente, nações em que prevaleceu o chamado socialismo real incorriam no mesmíssimo erro conceitual e político.
Grupos de humanos tiveram, em tempos remotos, de se unirem para fazer frente tanto aos animais ferozes e muito mais fortes do que cada indivíduo em particular, quanto para resistir às intempéries, mas hoje vivem em conflito com a solidariedade sem a qual nossa espécie teria sido então varrida do planeta.
Este conflito hoje se corporifica na luta titânica entre a tirania da segunda natureza racional humana e seu oposto, que é a solidariedade própria à nossa espécie.
Os governos verticais, todos, são déspotas, e exercem as suas tiranias intrínsecas em nome do resguardo cidadão contra a própria tirania que exercem, numa inversão de sentido que permanece embotando a melhor compreensão societária. Daí Sócrates, o grande filósofo grego, ter afirmado que a cidadania é o cadáver do homem.
O que levou 39% dos brasileiros a votarem em alguém que vociferou ódio em sua campanha eleitoral, dando sequência aos enfáticos e tirânicos conceitos de sua vida parlamentar medíocre?
A resposta não pode ser outra senão a simbiose entre a insatisfação com o que está posto e seu pretenso contrário, como se o que estava sendo anunciado como contraponto o fosse verdadeiramente, diferenciando-se para melhor. Assim, a ignorância, irmã gêmea do preconceito, triunfou.
Mas, a verdade, tal como óleo dentro d’água, teima em emergir, ainda que a um custo muito alto, inclusive de dezenas de milhares de vidas humanos daqueles que o elegeram.
Já agora verificamos uma reversão do quadro de crença messiânica num falso salvador da pátria expressa nas multidões que saem às ruas para se contrapor àquilo que até ontem muitos consideravam uma promessa de redenção.
Há tirania braba em termos de:
— corrupção com o dinheiro público (tido como do povo, ainda que nunca o seja), que mata sob a forma de falta de vacinas, remédios e hospitais;
— de inexistência de uma educação básica libertadora;
— da concentração de pobres em moradias insalubres que provocam doenças;
— do não-fornecimento de alimentos que garantam a sustentação fortalecida de crianças nas escolas;
— de atividades econômicas que produzem a poluição da atmosfera objetivando o lucro, etc., etc., etc.
.
Mas também existe uma tirania que para muitos é imperceptível na sua essência ontológica, e que muitas vezes passa até como redentora, numa inversão de significado.
Falamos do capitalismo, quando relacionado com o passado da tirania do feudalismo escravista direto (ou seja, ao admitirmos o ruim por medo do péssimo). Sempre que tal ocorre, o medo dominador e paralisante é aliado da escravização do ser humano pela tirania.
E principalmente falamos da tirania do capital, que se traduz na impessoalidade do sujeito-automático e abstrato da forma valor, que nos escraviza a todos, ainda que de forma diferenciada sobre os vários segmentos de classes sociais: com os assalariados, pelo medo de perda do emprego e salário (ou seja, por medo de perder a possibilidade de ser explorado); e, para os capitalistas, pelo medo da falência, hoje cada vez mais frequente.
Ou será para sempre, tal qual um mal imortal inerente à nossa condição humana, como se Deus quisesse afirmar a nossa inferioridade perante sua sabedoria suprema?
Acredito que quando atingirmos um grau superior de nossa evolução, em curso apesar dos retrocessos episodicamente sofridos, poderemos aferir a nossa capacidade de compreender e exorcizar a tirania, ou pelo menos puni-la, transformando-a, nesse último estágio, em ocorrência pontual e excepcional.
Mas, isto apenas caso ela própria não venha a, antes disso, extinguir-nos como espécie. (por Dalton Rosado)
Nenhum comentário:
Postar um comentário