terça-feira, 27 de julho de 2021

PIB E MISÉRIA: SOBRE A ESSÊNCIA DO CAPITALISMO

Poucos dias atrás, rodaram a internet imagens de uma fila para doação de ossos. O impacto maior não estava no fato de existir doação de ossos ou gente precisando disso para ter o mínimo de proteínas, mas a localização desta fila: Cuiabá, capital do Mato Grosso, estado com a maior produção pecuária do Brasil e uma das maiores do mundo. 

Em Mato Grosso, o número de cabeças de gado é dez vezes o de seres humanos (30 milhões de bois contra 3 milhões de pessoas). Unido à produção de soja e milho, a região é irrigada com dinheiro vutuoso, o qual ajuda a erguer prédios, aras, comprar pickups e patrocinar shows e mais shows sertanejos no vetor norte do estado. 

No entanto, há filas de pessoas para receber doações de ossos... 

Este é um exemplo eloquente da contradição intrínseca do capitalismo, entre a geração titânica de riqueza de um lado e a miséria escrachante do outro. 

Já no século 19, Marx apontava que, quanto maior a produção de riquezas pelo capitalismo, maior é a miséria do trabalhador.

Tal lição foi esquecida pela esquerda, não apenas brasileira. Em seu lugar, entrou a crença mítica de que o crescimento econômico e a geração de empregos são a rota para a prosperidade social. Não são. 

O capitalismo é essencialmente um sistema de espoliação e transferência de riqueza. 

Ele funciona como se fosse uma convecção amputada, indo apenas de baixo para cima: transfere riqueza da base para o o topo, de modo que o topo fica cada vez mais inchado e a base cada vez mais raquítica. 

Tal sistema de transferência funciona em nível mundial, com as burguesias periféricas transferindo riqueza para as centrais. Por isso, a periferia é mais pobre que o centro, o que não significa serem as burguesias periféricas mais pobres. Muitas vezes, elas são tão ricas quanto suas congêneres centrais, apenas menores em termos numéricos e mais frágeis politica e economicamente. 
A fé no crescimento econômico enquanto motor de prosperidade social levou ao surgimento, no Brasil, do desenvolvimentismo, ideologia de uma fração da burguesia nacional em que se defendia a industrialização do país como meio para dar-se fim à miséria e ao suposto atraso do país. 

A burguesia dominante fez o desenvolvimentismo ao seu modo, fazendo explodir o PIB durante o milagre da ditadura, ancorado na super-exploração dos trabalhadores. 

Mas ficou no senso comum a ideia do crescimento econômico enquanto fim para a superação da pobreza e das mazelas nacionais. A ponto de FHC e Lula celebrarem o projeto econômico da ditadura e transformarem um desacreditado Delfim Netto em um gênio da economia. 

E agora que a crise brasileira se acentua, com miseráveis tomando conta das ruas do país e a fome a instalar-se no dia a dia, a mídia glorifica o crescimento do PIB, esquecendo-se que ninguém se alimenta, se veste ou mora num PIB. (por David Emanuel Coelho)

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