Quando um feito expressivo se torna imutável perante a história, podemos afirmar que é um fato histórico.
A primeira medalha olímpica de ouro no surf (modalidade esportiva mundialmente apreciada e que hoje faz parte das Olimpíadas), conquistada pelo potiguar Ítalo Ferreira, vai ser citada por muitos e muitos anos como um marco na história deste esporte olímpico.
Graças ao menino da pequena cidade litorânea de Baía Formosa, no Rio Grande do Norte, de 8 mil habitantes, o Brasil saiu do 26ª colocação para a 12ª no quadro de medalhas por países da Olímpiada 2020.
Quando se conhece a história deste herói brasileiro é que se pode constatar a força educativa que sempre vem da gente mais humilde.
Filho de um cidadão que negocia peixes numa caixa de isopor, Ítalo foi criado num lar humilde de pessoas de bem (como a maioria dos brasileiros que ganham a vida com o suor dos seus rostos e que nem de longe desconfiam das tenebrosas transações do mundo econômico e político).
A proeza de Ítalo tem peso maior ainda por haver conseguido transformar sua realidade a partir de um contexto social tão desfavorável a ele e a todos os outros Ítalos batalhadores de nosso sofrido país.
A tampa da caixa de isopor na qual eram acondicionados os peixes que serviam de sustento da família um dia se transformou na primeira prancha de quem tinha somente a bela imensidão do mar nordestino à sua porta, como se estivesse a pedir que com ele convivesse para ir além dos pescados que forneciam o alimento familiar e para tantos outros que deles se alimentavam.
Parecia que o mar lhe dizia que naquelas ondas e seu gostoso barulho interminável se podia ir além das brincadeiras de sua meninice, e que tudo poderia se transformar num esporte capaz de torná-lo mundialmente conhecido.
A reverência que fez ao mar como primeiro gesto pós-medalha de ouro, é o testemunho do respeito, gratidão e da interação de um menino humilde com a natureza generosa que lhe ofereceu os peixes que alimentavam a sua família, e que agora lhe fornecia a glória de ser o primeiro medalhista olímpico da história do surf.
Disse Euclides da Cunha, no épico Os Sertões, que o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Taí! Se o grande escritor e jornalista me permite a paráfrase, quero dizer o nordestino é antes de tudo um forte, e que o Ítalo Ferreira é alguém que é, antes de tudo, um forte.
É alguém que não se abateu quando:
— enfrentou nomes (famosos internacionalmente e em vários idiomas) de personagens que apenas conhecia pela televisão;
— precisou que seu pai vendesse os últimos peixes para pagar a sua inscrição numa competição, desfalcando, assim, os poucos recursos lhe serviam de ganha-pão do dia a dia;
— verificou que sua prancha de competição havia sido extraviada no voo para o Japão, que lhe haviam roubado os documentos e passaporte, e isso sem saber falar o idioma inglês, muito menos o japonês;
— devido aos atrasos e das turbulências sofridas, chegou à competição faltando apenas oito minutos para o término de sua bateria nas águas japonesas, e entrou na água para conseguir a classificação heroica para a etapa seguinte;
— na disputa final sua prancha emprestada rachou ao meio logo na primeira investida de surf nas ondas, e recebeu outra prancha com a qual jamais havia treinado, para então ir para a glória olímpica e fazer com que todos nós chorássemos ao ouvir o hino nacional, com a bandeira brasileira dos que amam os brasileiros, tremular no mais alto ponto da celebração.
Meu caro conterrâneo Ítalo brasileiro, cidadão do mundo, assim o considero porque você transcendeu as divisas do pequeno município de Baía Formosa e do Rio Grande do Norte, e até mesmo as fronteiras do Brasil! Você agora é um cidadão do mundo e onde quer que vá, o seu passaporte é você mesmo e sua força indomável!
Como filho de mossoroense e tendo residido durante grande parte de minha vida no solo potiguar (embora nascido no Rio de Janeiro e morando em Fortaleza há 51 anos), quero lhe dizer que nunca me senti tão orgulhoso de ser brasileiro e ter minha história pessoal ligada ao povo norte-rio-grandense como nesta madrugada de 27 de julho, quando pude ver que você superou todas as adversidades carregou o Brasil nas costas para o pódio, quase me matando de emoção.
Obrigado por tudo, e devo confessar que escrevo este artigo chorando de emoção e sou obrigado a parar, sabendo que ainda vou chorar muito cada vez que assistir de novo à sua epopeia, numa emoção que devo levar para os anos que ainda me restam.
Obrigado mais um a vez, e por tantas outras que ainda vou lhe agradecer! (por Dalton Rosado)
Um comentário:
Aí mesmo, Dalton, na praia de Iracema, você pode homenagear um desses heróis dos mares. O grande Manoel Olimpio Meira, também conhecido como "Jacaré" (qual nordestino que não tem apelido?) e a saga da jangada São Pedro e seus tripulantes: Mestre Jerônimo, Mestre Tatá, Manuel Preto e "Jacaré", nos idos de 1941.
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A saga de Jacaré e a conquista de Ítalo tem apelo emocional e nos lembram o quanto é difícil alguém escapar da miséria e do anonimato a que estão condenados os pobres.
São exceções que confirmam as regras.
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Ao meu ouvido a brisa (marinha) bafeja e murmura que as "regras podem ser quebradas, mas a Lei é que tudo tem consequências".
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