quinta-feira, 17 de junho de 2021

QUANTO MAIS DESAFORADO E ASQUEROSO, MAIS ANIMALESCO E MAIS BOÇAL FOR, MAIS AMADO SERÁ UM LÍDER CIBERPOPULISTA

eugênio bucci
BOLSONARISMO VICIA
As charges são do Jota Camelo
N
o ano passado, neste artigo  publicado na revista piauí, o cientista político Miguel Lago propôs uma chave intrigante para interpretar o bolsonarismo. 

Segundo o autor, quanto maior e mais conflagrado for o confronto nas redes sociais, mais sustentação terá o presidente da República – e quanto mais baixo descer a reputação do governante, mais alto soará o alarido daqueles que o sustentam. 

Miguel Lago previu que a bandeira do impeachment não iria minar as bases de apoio de Bolsonaro; ao contrário, ajudaria a solidificá-las. 

Previu e acertou. A força política de Jair Bolsonaro tornou-se tanto mais determinada, embora minoritária, quanto pior ficou sua imagem perante a opinião pública minimamente esclarecida.

A explicação para essa modalidade pútrida de quanto pior, melhor vem da dinâmica peculiar das mídias sociais. As compactações das multidões virtuais seguem leis que pouco ou nada têm que ver com a política dita convencional. 

Enquanto na cartilha dos politólogos as alianças políticas resultam da negociação de interesses e se formalizam em programas propositivos, nos algoritmos das plataformas sociais tudo acontece de ponta-cabeça: o que rende audiência, empolgação e adesão não é o que pacifica, mas o que choca, ofende, escarnece – daí o sucesso das agressões, das manifestações de ódio e da infâmia. 

Se nos sindicatos ou nos partidos políticos o que reúne as pessoas são os acordos mais ou menos racionais, na internet o que as congrega é o êxtase de insultar e ultrajar um inimigo real ou imaginário, num fragor que não tem parte com a razão.

Quanto mais desaforado for, quanto mais animalesco e mais boçal, mais amado será o líder ciberpopulista (Andrés Bruzzone). Quanto mais asqueroso e mais contrário aos bons modos, mais festejado. 

Esta é a receita seguida pelo presidente da República. As falanges virtuais o aclamam não apesar de sua falta de boas maneiras, mas justamente por causa delas. Quanto mais desclassificado ele for, mais idolatrado será.

Se levarmos essa perspectiva analítica um pouco mais longe, além daquilo que sustentam Miguel Lago ou Andrés Bruzzone, veremos que há um nexo nervoso, neuronal, entre a vileza dos discursos da extrema direita antidemocrática e o prazer das massas. 

Milhões de anônimos, encolhidos em suas misérias afetivas, sorvem a torpeza bolsonarista como quem degusta um cálice de absinto. Vão se entorpecendo de fluxos de gozo. 

Esses infelizes, tomados pela paixão da raiva e da intolerância, encontram nas barbaridades proferidas e alardeadas pelo fascismo de silício uma satisfação libidinal equivalente à que vai buscar nos sites pornográficos ou nos jogos online, que sabidamente exploram a dependência psíquica do freguês.

O caráter viciante das atrações da internet não é uma novidade. Em artigo publicado em 2019 na revista Estudos Avançados, os professores Ricardo Abramovay e Rafael Zanata documentaram fartamente como as empresas de tecnologia administram suas funcionalidades para gerar adição

No ano passado, o filme O Dilema das Redes trouxe depoimentos de altos executivos da indústria confirmando a estratégia de causar dependência. A propósito, um deles lembra que o termo usuário só é utilizado para designar o consumidor de drogas e o frequentador das redes sociais, como a dizer que os traficantes e os gigantes da internet lucram com o mesmo negócio: o vício. E foi nesse negócio que o trumpismo e o bolsonarismo se deram muito bem, obrigado.

Quando confessa que veio para destruir, Bolsonaro diz a verdade. Ele é o herói da devastação, o ídolo dos que culpam o sistema por seus infortúnios pessoais. As almas viciadas na bestialogia querem varrer do mapa o saber científico, a imprensa crítica e as artes, pois essas instituições fazem doer, de forma humilhante, a ferida da ignorância bruta.

Os adictos do bolsonarismo querem banir os jornalistas com a mesma sanguinolência com que os homofóbicos assassinam gays e os machistas espancam o feminismo; com a mesma tara mortífera com que os racistas proclamam que o Brasil é uma
democracia racial. 

O ódio contra o tal sistema – que no fundo é o que nos resta de civilização – leva o sujeito a exterminar a própria liberdade para se entregar à tirania. Só aí deixará de padecer. A visão da beleza é insuportável para ele.

As massas dependentes no ciberbolsonarismo são descendentes diretas dos espectadores do circo romano, em que gladiadores e feras se retalham reciprocamente. O frêmito que experimentam é o mesmo. Apontando o polegar para o chão, a plateia do horror, de ontem e de hoje, se imagina admitida na arena dos assuntos de Estado. 

A política vai se reduzindo à celebração gozosa dos linchamentos físicos e morais. Ser cidadão é esquartejar o outro. Por prazer. Esse vício vai nos matar a todos de overdose. (por Eugênio Bucci, professor da ECA/USP, em artigo publicado n'O Estado de S. Paulo, do qual é colaborador)

4 comentários:

Anônimo disse...

Bem escolhidos os artigos transcritos de Josias de Souza e Eugênio Bucci
Agradeço pelos links, que não estão no artigo original de O Estado de São Paulo.
A 'charge' "Eu vim para destruir", mostrando as raízes, é emblemática
Leio tudo o que posso. Vejo que o The Guardian, Le Monde, New York Times e
The Economist informam melhor que a 'midiona' do capital nacional
Lula é uma lástima!!!!!!!!
Estou cada vez mais pessimista. Até antevejo este açougueiro reeleito como um Daniel Ortega com sinal trocado
Temo até por uma dinastia dos Bozos. Daqui a dez anos a filha dele terá 20 e será uma Tabata Amaral, também com sinal trocado
Serão 6 Bozos. E Cérbero tinha só três cabeças para guardar as portas do Hades

celsolungaretti disse...

Companheiro,

uns 600 mil caixões (o número real, porque tanto o oficial quanto o do consórcio de imprensa estão distorcidos pela subnotificação na fonte) são peso demais para qualquer governante carregar.

E o Bozo, controlada a pandemia, será igualmente desastroso na administração da recessão econômica, que está muito longe de começar a ser revertida.

Então, você pode temer que sobrevenha algum governo militar, mas o genocida não só não vai se reeleger, como nem sequer chegará à eleição de 2022 com a faixa presidencial. Já esgotou sua utilidade para os poderosos e agora não passa de um estorvo a ser descartado quando o custo aumentar demais para benefício quase nenhum.

Um forte abraço!

Anônimo disse...

Caro Celso, nesse seu comentário vc viajou muito, sem condições! Ñ há nenhuma base política para um Impeachment, nem a tal CPI da COVID têm credibilidade, pq seus integrantes são pessoas mais podres do que o próprio presidente. Outubro de 2022 será um desafio enorme, a tendência é ele ser reeleito novamente e estabelecer uma dinastia, já que sucessores ele têm de sobra, o que a esquerda ñ teve quando foi preciso. O futuro é triste e nada bonito, como vc o vê. ( Gabriel )

celsolungaretti disse...

Primeiramente, jamais um presidente cometeu tantos crimes de responsabilidade que justificam impeachment.

Segundo, desconheço alguém na podre política brasileira que consiga ser mais podre do que o genocida. Teria de ser um novo Hitler.

Terceiro, a chance do Bozo chegar presidente a outubro de 2022 é de 1%. E de, chegando, ser reeleito, é de 0,00001%. Exatamente porque depois de produzir o caos sanitário, produzirá o caos econômico. E aí os que o colocaram no poder serão os primeiros interessados em removê-lo.

O futuro não vai ser nenhuma maravilha, mas, se não retirarem o bode da sala, nem futuro haverá. O Brasil derreterá.

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