sexta-feira, 4 de junho de 2021

'AFFAIR' PAZUELLO CONFIRMA: O EXÉRCITO É PARTE DO BOLSONARISMO

D
eu a lógica: o general da ativa Eduardo Pazuello não sofrerá punição por haver infringido os regulamentos militares ao participar de manifestação política de cunho golpista, apoiando o presidente da República. 

Digo deu a lógica por dois motivos. Primeiro, porque Bolsonaro é de fato o chefe supremo das Forças Armadas e cabe a ele a palavra final em questões de disciplina militar. Lembremos de quando Lula anistiou controladores do Cindacta-1 em 2007 por terem se amotinado, reivindicando melhorias das condições de trabalho. 

Fato é que Lula exerceu seu papel de comandante supremo, mas é fato também que, ao contrário de agora, a Aeronáutica puniu os operadores, tendo a anistia acontecido a posteriori. E aqui reside a diferença fundamental, a de os operadores terem sido punidos e Pazuello, não. 

Este fato já nos leva ao segundo motivo de ter dado a lógica. Bolsonaro poderia até anular a punição, mas era prerrogativa do comandante do Exército impô-la, mesmo sendo ela depois possivelmente anulada. Ao recusar-se a punir o ex-dublê de ministro da saúde, o comandante resolveu seguir a vontade do presidente antes de qualquer coisa. Noutras palavras, decidiu fazer o jogo bolsonarista do liberou geral

E aqui entro num ponto em que insisto há tempos e que é apoiado por outros analistas da imprensa e da academia. O exército não é conivente com o bolsonarismo, o exército e as demais forças armadas são pais do bolsonarismo. 

Quando olhamos os militares hoje abrigados no governo, podemos estabelecer a gênese de suas vidas políticas desde pelo menos a época da Comissão Nacional da Anistia. 

Ali estes militares, guardiões da falsificação da história, não aceitaram de modo algum as investigações para esclarecer desaparecimentos e demais crimes cometidos pela ditadura. Mesmo sendo o trabalho da Comissão  apenas memoralístico e não criminal!

O caos político instalado a partir das manifestações de junho de 2013 também teve papel importante. Ao mesmo tempo em que fizeram acordar nestes militares o já secular espírito de tutelagem da República, também teve o papel de traze-los cada vez mais para dentro da vida política e social, à medida que foram chamados pelo próprio poder civil para reprimir atos políticos e administrar sistemas draconianos de segurança pública. 

Não podemos esquecer que Dilma entregou a eles um sistema avançadíssimo de espionagem e os colocou na rua para reprimir manifestantes. 

Para completar, vieram as Olímpiadas de 2016 e cargos importantes foram entregues a generais, almirantes, coroneis, etc, além dos próprios atletas que foram militarizados, treinando em quartéis e bases Brasil afora. Quem não se lembra dos medalhistas brasileiros envergonhando o país ao bater continência nos pódios? Simbolicamente, ali começou a alicerçar-se o caminho de retorno dos militares ao poder. 
Então, há um
background sólido. Os militares não brotaram no governo, foram sendo chamados e aceitos pelo poder civil, como, de resto, é sempre o que ocorre no Brasil. 

Os militares, portanto, já ambicionavam chegar ao comando supremo. É aí que viram em Bolsonaro o cavalo certo a se apostar. 

Desde pelo menos 2015, o atual presidente tinha portas abertas nos quartéis, conforme demonstrado por reportagens e outros analistas. O responsável por isso era o então comandante do Exército, Villas-Bôas, o mesmo do tuíte pressionando o STF e que hoje é assessor do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República. 

Depois vieram outros generais, almirantes, brigadeiros, coronéis e toda fauna do militarismo nacional. Eles embarcaram, deram aval e formularam o plano de governo – não escrito, óbvio – de Bolsonaro. Até mesmo deram aval e formularam os aspectos mais amalucados do bolsonarismo. P. ex., era vontade deles reformular livros didáticos para recolocar a verdade histórica da ditadura militar. 

Não foi portanto uma lógica de cooptação das Forças Armadas pelo bolsonarismo, mas, ao contrário, uma cocriação do bolsonarismo por elas. Daí não existir contradição entre militares e Bolsonaro, sendo, na verdade,  uma coisa só. E daí não ser surpresa Pazuello ficar impune. Como punir um general por fazer exatamente o que é estimulado normalizado pelo bolsonarismo se este é uma criação dos próprios militares?

As continências olímpicas prenunciaram o que viria

Por isso, o comandante do Exército nem se deu ao trabalho de impor a punição e aguardar ser desautorizado pelo presidente. 

Enquanto bolsonarista, já providenciou a absolvição imediata do general fujão. 

O que, de resto, é mais um aprendizado para os crentes do republicanismo: toda força militar é política, às vezes camuflada, às vezes abertamente. (por David Emanuel Coelho) 

5 comentários:

Fausto Neves disse...

Caros Celso e Davi

Até agora apenas imaginava uma situação como esta. Seguiam-se as jactâncias ridículas
do "Planalto". Agora, o que mais??!!
Não sei se voces se interessam pelo 'site' CartaMaior.
Hoje ele publicou os links para 8 matérias de uma Edição Especial do The Economist
(que também não sei como voces consideram)
econ.st/3fR0ruD | econ.st/3ijsVib | econ.st/3yXPKhD | econ.st/3uLOrik
econ.st/3pkHfsp | econ.st/3x0oixA | econ.st/3vSqqrg | econ.st/2Rl7oL0

william orth disse...

Boa tarde Celso. Quem David acha que é para comentar "envergonha o país" por baterem continência? Os atletas que ganharam medalha treinando nas dependências militares e ganhando bolsa tem muito orgulho sim. Vergonha é o senhor que não agrega nada.

Anônimo disse...

O sr. Orth não pegou bem o espírito da coisa. Acho que ele está no lugar errado. Ninguém é obrigado a ler o que lhe aparece à frente. Tem uns sítios de ferrabrazes que seriam mais adequado a sua leitura. Basta procurar. Lá tem ordem unida. Aqui, não. Que tal? Fica a sugestão. Tchau!

Marco Aurélio, Rio de Janeiro

celsolungaretti disse...

Anônimo das 19h54,

a regra que este blog estabeleceu para comentários é que sejam feitos de forma civilizada. Sem ofensas, ameaças, xingamentos, mentiras e que tais, nada será censurado.

Detesto a tal da polarização, bem como a redução automática de adversários a inimigos. Lembro-me com saudades de quando, lá pelos meus 12 anos, ia ao estádio do Pacaembu e não havia separação de torcidas.

Sentávamos uns ao lado dos outrso, festejávamos nossos gols sem provocar os torcedores adversários, oferecíamo-nos as tranqueiras que comprávamos para comer, batíamos papos tranquilos sobre futebol. Encarávamos aquilo como esporte, não como guerra.

Com o tempo, tantas barbaridades passei a presenciar que fui perdendo o prazer de ir ao estádio.

E, nos primeiros tempos de Orkut, se passou processo semelhante. Já existiam os fanáticos agressivos, mas havia também direitistas que discutiam respeitosamente, trocando ideias conosco ao invés de nos desferirem coices verbais.

Pode ser mais uma utopia de quem está velho e saudoso de tempos melhores, mas tento estimular um debate arejado e saudável neste blog, na esperança de contribuir para que reaprendamos a solidariedade e a cordialidade humanas.

Fiz a guerra quando estava na guerra e, se apresentar-se uma situação idêntica na atualidade, disposição para fazê-la de novo eu ainda teria. Mas, não com prazer.

Conheci demais a guerra para saber que, se pudermos concretizar nossos ideais sem termos de recorrer a ela, será bem melhor.

william orth disse...

Bom dia Celso. Esclarecendo ao Sr Marco Aurélio. Acompanho o Blog desde o início.Admiro a vida do Celso, textos do Dalton e comentários do Herbert. Não votei em Bolsonaro, não sou fascista,negacionista etc. Para esclarecer não tenho ligação com exército. Sou Policial civil de SP. Garantidor da lei, constituição e democrata. O exército além de suas atribuições de defesa, constrói obras onde ninguém quer(porque não da lucro), ensina, da alimentação, evacua populações e treina atletas etc. Erra pois é formado por cabeças humanas.Mas não desdenhe desta instituição. Não tem equipamentos nem verba como primeiro mundo, mas como exemplo, muito pouco divulgado : Comando de selva da Amazõnia, considerado um dos melhores do mundo(óbvio só nós temos florestas). Tiram a comida da terra, dormem em árvores, atacam , defendem, constroem armadilhas.Um comandante desafiou (em reunião fechada). "invadam nosso país pelo mar, pelo ar, mas pela selva vão ser devorados pela onça pintada". Duvida? lembrem dos EUA no vietnan. Tenho muito orgulho do exército, lembrando que vários oficiais também sofreram tortura durante a ditadura por se oporem ao regime vigente. Abraço

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