As imagens do padre Júlio Lancellotti derrubando, nesta 3ª feira (2), pedras colocadas pela Prefeitura de São Paulo para impedir que pessoas em situação de rua pudessem descansar na Zona Leste da capital viralizaram nas redes sociais.
Se, por um lado, elas demonstram o pior da insensibilidade e do elitismo de nossa maior cidade, por outro deixam claro que a resistência segue viva, derrubando pedras embaixo do viaduto a marretadas, nas palavras do próprio coordenador da Pastoral do Povo de Rua.
A administração municipal disse à Folha de S. Paulo que exonerou o responsável pela obra, sem dizer quem foi o gênio, e começou a retirada das pedras. Em última instância, contudo, o verdadeiro responsável não é anônimo: estava assistindo a Palmeiras e Santos, numa aglomerada arquibancada do estádio do Maracanã, neste sábado de pandemia.
São Paulo sobrepõe preocupações estéticas aos princípios éticos no trato com a coisa pública. E, portanto, a zeladoria de um lugar acaba se tornando mais relevante do que o cuidado com os cidadãos mais vulneráveis que lá estão. Bruno Covas não foi o primeiro e não será o último.
Em julho de 2017, após a capital paulista ter registrado a madrugada mais fria do ano até então, equipes da gestão João Doria lavaram a Praça da Sé com jatos de água, molhando as pessoas em situação de rua que dormiam por lá, além de seus cobertores e pertences.
Em 2014, a gestão Fernando Haddad implementou paralelepípedos ao redor das pilastras do metrô na Zona Norte de São Paulo, local onde pessoas em situação de rua costumavam dormir.
Tanto os prefeitos Gilberto Kassab quanto José Serra ergueram estruturas bisonhas que ficaram conhecidas como rampas antimendigo, impedindo que seres humanos por lá descansassem.
O padre Júlio é uma pedra no sapato de muita gente. Eu, que não creio, dou graças a Deus por ele existir.
Seu trabalho incansável, muitas vezes realizado sob ameaça de morte, me lembra uma citação atribuída a outro gigante, Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, que lutou contra a ditadura e esteve sempre ao lado dos mais pobres: "Se falo dos famintos, todos me chamam de cristão, mas se falo das causas da fome, me chamam de comunista". (um artigo de Leonardo Sakamoto)
TOQUE DO EDITOR – Se as únicas opções dadas aos mendigos (detesto eufemismos, a rua não é situação para ninguém!!!) forem a de se deitar sobre pedras ou sair em busca de um lugar onde não tenham de imitar faquires, é óbvio que o padre Júlio fez muito bem.
Mas, tendo morado durante duas décadas ao lado de um vão do minhocão no qual os mendigos se concentravam por causa da distribuição de alimentos ali realizada pela pastoral, nunca me conformei em ver seres humanos abandonados para irem morrendo aos poucos, em nome do direito que eles teriam de dispor como bem entendessem de suas sofridas existências.
O exercício de tal direito prevalecia sobre o nosso, os moradores da região, de não termos nossas crianças expostas a cenas degradantes como as de os mendigos consumirem crack, transarem e defecarem em público; agredirem quem lá residia ou por lá passava (sim, existiam os doidos furiosos que perseguiam as pessoas pacíficas com porretes!); roubarem roupas nos varais, etc.
Eu jamais me conformei com tal solução, de as autoridades lavarem as mãos, permitindo que eles vivessem e morressem onde lhes desse na telha, sem real empenho em recolhê-los, alimentá-los e tratá-los.
Era óbvio que, se os mendigos detestavam tanto os recolhimentos à sua disposição, era porque lá sofriam espancamentos e maus tratos tais que, a neles permaneceram, preferiam sujeitar-se ao frio, à chuva, à crueldade humana (como a dos pivetes que lhes tacavam fogo) e a longas caminhadas diárias até pontos de distribuição de alimentos.
Quando a polícia os expulsava, saíam arrastando-se como zumbis pelas ruas da cidade, mas logo voltavam. |
Mas, a responsabilidade do Estado, de dar-lhes tratamento de gente e não de animais nos canis públicos, continuava existindo. E, porque tal omissão era tolerada pelas pastorais por motivos ideológicos, a coisa degenerou em cracolândias e chacinas.
Tudo errado. E a cultura da insensibilidade preparou psicologicamente os cidadãos para pouco se revoltarem diante de uma omissão maior ainda, a do genocida governo federal (bem como de aprendizes de genocídio estaduais e municipais) diante das mortes causadas pela pandemia.
As marretadas devem mesmo ser dadas. Mas, na direção dos verdadeiros responsáveis por toda essa desumanidade com a qual convivemos dia após dia! (por Celso Lungaretti)
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