dalton rosado
SOBRE O ENTRECHOQUE DE
MODELOS SOCIAIS EM MUTAÇÃO
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"Bitcoin é uma fraude", "não vai sobreviver", "não vai a lugar nenhum" (afirmações feitas por Jamie Dimon,
CEO do JP Morgan, em diferentes ocasiões)
Começo agradecendo ao nosso leitor assíduo SF por seus interessantes comentários, uma estimulante inspiração para o tema da mutação social que se opera celeremente no mundo financeiro nos dias atuais.
O artigo que se segue começou a ser escrito como resposta sintética às observações que ele fez a respeito do artigo sobre depressão e barbárie, mas acabou exigindo um maior aprofundamento. Aqui vai... É interessante o SF ter citado o blockchain, um registro eletrônico centralizado por entes que fazem a coordenação de transações entre bens de algum valor econômico ou do próprio valor econômico (pretensamente sob sigilo dos demais participantes) e a moderna dominação de classes.
As criptomoedas são espécies do gênero blockchain.
Desde a entronização da microeletrônica na vida social, com transformações profundas no seu modo de ser, entramos na era da comunicação eletrônica, instantânea e sem volta, por celulares e computadores.
Contudo, as transformações provocadas pelo fenômeno da comunicação eletrônica imediata –com a palavra escrita, áudio e imagens instantâneas aliadas ao armazenamento de dados computadorizados e cálculos infinitesimais, além da robotização mecanicista– vivem uma fase muito peculiar.
Trata-se do estágio próprio ao entrechoque de um modelo de relação social pretensamente moderno com o modelo de relação social pretensamente pós-moderno que vem substituir.
Foi assim na transição do feudalismo –com seus valores econômicos fisiocratas, morais e éticos estabelecidos por uma moral rígida nos costumes e religiosidade dominadora– para a vida mercantil. É que então surgiu a forma-sujeito da mercadoria, estabelecendo o novo padrão de relação social que vigoraria no capitalismo.
Nele, uma abstração (a mercadoria) ganhava vida no mundo real e passava a comandar as pessoas impessoalmente, estabelecendo uma nova forma de escravismo: o escravismo indireto do trabalho abstrato, ele próprio expresso como valor e produtor de valor. Com isto, foram substancialmente anuladas as virtudes que pudessem existir no homem feudal e pré-capitalista.
Para o homem dito moderno, o que interessa é sua conta bancária e se o que ele faz gera a mercadoria dinheiro.
Tornou-se, assim, depressivo (de vez que só uma minoria obtém a acumulação do capital e/ou alguns privilégios da nomenklatura institucional e aristocrática burguesa) e bárbaro, pois as virtudes humanas já não contam para o objetivo teleológico de ganhar dinheiro.
Não há muita diferença entre o bandido latrocida e o banqueiro agiota ou político corrupto que matam no atacado, estes últimos criminosos em escala bem maior.
A microeletrônica passou a ter, também, função primordial para os meios de produção capitalistas, uma vez que possibilitou a robotização e racionalização de procedimentos e cálculos que culminam na redução de custos da produção de mercadorias próprias à corrida concorrencial mercadológica, ao tornar prescindíveis alguns desempenhos do mesmo trabalho abstrato produtor de valor.
Assim, o critério de dominação pelo uso do trabalho abstrato produtor de valor e da acumulação do capital deixou de ser o critério fundamental mantenedor da relação social mediada por valor válido (advindo do trabalho abstrato na produção). Da mesma forma que o trabalho escravo direto cedeu lugar ao trabalho escravo indireto abstrato, salarial, agora é o trabalho das máquinas robotizadas e da programação pela computação aplicada à produção de mercadorias que passam a vigorar socialmente.
Entretanto, o buraco é mais embaixo. O entrechoque entre uma forma de relação social antiquada com a atualizada que se aperfeiçoa a olhos vistos (sendo a primeira fundada essencial e predominantemente no trabalho abstrato, e a segunda num novo modo de produção, no qual o papel do trabalhador é apenas ser programador ou vigia das máquinas) provoca mudanças profundas na sociedade.
É que ela ainda tem um pé no modelo social que está caducando e coloca o outro pé naquele que se apresenta como seu sucessor. (por Dalton Rosado)
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