"O cenário em que nos encontramos é insustentável"
(Carmen Reinhart, economista-chefe do Banco Mundial)
Desejar feliz ano novo é um sentimento de esperança comum aos seres humanos que desejam o melhor para o seu semelhante. Nós nele nos incluímos, mas de nosso modo.
Podemos, contudo, acreditar que 2021 vá ser mesmo um ano feliz?
Eu, cá das minhas análises socio-econômicas, posso também almejar que o ano novo seja bom para todos os meus semelhantes, mas de modo mais consistente.
Ou seja, esperando que a sociedade acorde do pesadelo fetichista da forma-mercadoria e, tomando consciência da inviabilidade de continuarmos vivendo sob um modo de relação social esgotado, comece a se desprender dele e construir alternativas fora de sua lógica segregacionista e ecocida.
Assim, feliz ano novo, mas verdadeiramente novo!!!
Um bom começo seria expelirmos, como já vem ocorrendo nos Estados Unidos, o presidente mais idiossincrático da nossa história.
Boçalnaro, o ignaro, exibe todos os defeitos dos estilos aventureiros do homem da vassoura e do caçador de marajás, juntos e piorados: afinal, não é culto como o primeiro nem suficientemente perspicaz para perceber a chegada da hora de largar o osso como o segundo, que se conformou em vazar entes que o barco estivesse afundando com todos os brasileiros a bordo.
Quanto ao Collor, o intrépido similar que alardeava ter aquilo roxo, de triste memória na recente e trágica história brasileira de uma tímida e inacabada redemocratização, é impossível nele enxergarmos alguma outra virtude, já que são iguais até nas fanfarronices infantis imagéticas como pretensos super-homens que voam em jatos supersônicos ou atravessam o mar de jet ski para ir ao encontro de uma claque de apoiadores na praia.
Com Boçalnaro, o que está péssimo deve se tornar insuportável!!!
Os sinais claros desse esgotamento do qual vimos falando há tempos estão sendo tornados públicos por órgãos institucionais e pela grande mídia, como que a comprovar empiricamente os prognósticos e vaticínios baseados na crítica da economia política mais racional, isenta de devaneios dos economistas capitalistas como Paulo Guedes (ou seja, aqueles que negam o óbvio e tentam jogar a culpa da debacle em fatores exógenos como a pandemia, que apenas agravou o quadro mundial caótico preexistente).
A pandemia não é causa da depressão econômica, da falência do Estado e da intensificação da miséria, mas a consequência de um modelo de relação social esgotado
Este, mesmo com todos os avanços tecnológicos obtidos pela humanidade (apesar dos entraves limitantes da ciência pela forma-valor), é incapaz de promover o atendimento médico eficaz e o isolamento social sustentável, que reduziriam significativamente o contágio e os óbitos (que se aproximam de 2 milhões mundo afora).
Vejamos alguns números mais recentes da debacle econômica:
— contração prevista da economia mundial, da ordem de 3% do PIB global, em 2021;
— dívida pública bruta dos Estados Unidos, maior economia mundial, devendo superar 100% do PIB (prevê-se 100,79%) em 2021, algo que não ocorria desde a 2ª Guerra Mundial;
— dívida pública em relação ao PIB anual explodindo em países importantes como Japão (269,2%), Reino Unido (108,08%), França (116,35%), Itália (162,3%), Canadá (109,72%) e Grécia (233,38%);
— queda do crescimento do PIB chinês em 2020, o que causa muita preocupação no resto da mundo, ainda mais com a crescente dívida pública e privada chinesa tendendo a 300% do PIB;
— vertiginoso aumento da dívida pública em relação ao PIB em países da periferia capitalista como o Brasil (91%); Argentina (73,91%); e México (72,88%);
— a possibilidade, admitida pelo FMI, de que o quadro atual seja ainda pior do que o gerador da crise do subprime estadunidense, que quase levou o sistema bancário internacional ao colapso, de vez que 90% dos países desenvolvidos estão com suas economias fragilizadas.
Um renomado economista da Universidade de Oxford, o inglês Tristen Naylor, o reconhece enfaticamente:
"O mundo está quebrado, e até mesmo os países do G-7, os mais ricos do mundo, estão em situação difícil e pior que em 2008/2009".
Os países do G-20 (Brasil ainda incluso, embora esteja perdendo posições no ranking mundial das maiores economias globais) resolveram, por imperiosa necessidade, promover uma moratória consensual da dívida pública global até junho de 2021.
A perdurar tal situação deverá haver um crash mundial do sistema financeiro global, com os investidores assistindo ao congelamento dos seus depósitos e aplicações financeiras bancárias.
Os juros cobrados aos países pobres, sempre em percentual mais elevado (leiam-se juros extorsivos), com isto ficarão impagáveis, tornando obrigatória outra moratória não-consensual, a dos coitadezas do capitalismo.
Finalmente, as crescentes pressões orçamentárias de endividamento público colidem com a capacidade de endividamento resgatável, provocando uma onda de rebaixamento da solvabilidade da dívida soberana, perspectiva que está deixando os detentores do grande capital com as barbas de molho.
Nem Dante Alighieri, nos trechos mais sombrios de sua descrição do inferno, nos apresentou quadro tão assustador como tal mistura de tragédia humanitária sanitária com depressão econômica potencializada pela obsolescência de um modo de produção social que se tornou anacrônico.
E, apesar das evidências de sua nocividade, o fetichismo da mercadoria é de tal forma predominante e aprisionador do pensar alternativo que os doutos, em sua maioria, somente conseguem raciocinar a partir da produção social mercadológica, como se não pudéssemos entrar no quarto proibido e desvendar os segredos das alquimias escravistas que nos mantêm mesmerizados como se fôssemos esquizoides.
É óbvio que os grandes capitalistas, detentores de poder econômico e político, tremem de medo ao constatarem que estão ruindo os próprios fundamentos daquilo que os privilegia. Para sua infelicidade, desta vez, não podem simplesmente dar porradas e torturar os responsáveis, pois se trata de fatos sociais e, portanto, impessoais.
Para sua infelicidade, desta vez, não podem simplesmente dar porradas e torturar os responsáveis, pois se trata de fatos sociais e, portanto, impessoais. A subversão é agora tão abstrata quanto abstrato é o conteúdo da dominação.
Os dominadores, contudo, não hesitarão em recorrer aos mais cruéis atos de desatino contra a humanidade, tal como esta fuga para a frente caracterizada pela liberação de comportamentos mercantis criminosos durante a pandemia; e apelará até mesmo para a força das armas, quando esta se mostrar necessária para preservarem a forma de relação social própria à sua dominação.
Nenhuma novidade nisso: a natureza do escorpião não muda, nem mesmo diante da morte.
O que espanta é a letargia da esquerda, que teima em seguir no mesmo diapasão, fazendo-nos lembrar os músicos do Titanic, que continuavam tocando mesmo sabendo do naufrágio iminente.
A pergunta que não quer calar é, portanto: qual a razão de insistirmos na preservação das categorias capitalista econômicas (valor, trabalho abstrato, dinheiro, mercadoria, mercado, impostos) e político-institucionais (Estado e seus pilares de sustentação civis e militares, partidos políticos, direito, ordenamento constitucional burguês, democracia burguesa), se elas já estão em processo flagrante de decomposição orgânica?
Não! Insistir nos mesmos erros na esperança que produzam resultados diferentes, ou é burrice irracional endógena crônica, ou hipocrisia anticapitalista farisaica.
A realidade empírica está nos mostrando o divisor de águas, como se desse cor diferente aos que trabalham para a emancipação humana e os que tudo fazem para a impedirem.
Somente a nós, com auxílio da teoria e ações práticas de luta, cabe a solução do impasse: ela passa por um novo modo de produção e pela eficácia das vacinas que possam estancar a propagação infecciosa infelizmente crescente.
Feliz ano novo em emancipação, portanto! (por Dalton Rosado)
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