Tudo que você imaginava sobre a decadência do capitalismo e a podridão do mercado financeiro é superado com folga por O dia antes do fim (Margin Call, dirigido po J. C. Chandor, 2011), um filme que, sem chamar o vilão pelo nome, mostra como o banco de investimentos Lehman Brothers agiu em setembro de 2018, quando, movido pela ganância, maximizou uma crise anunciada a tal ponto que ela quase acabou sendo o estopim de uma nova Grande Depressão (a qual, ao que tudo indica, foi apenas adiada e está prestes a acontecer).
Não é um documentário, mas sim um drama, focado na reação dos dirigentes e corretores a partir da materialização do seu pior pesadelo. E não demora muito para o espectador ficar sabendo que, entre o fim do expediente num dia e o início no outro, a empresa definirá sua linha de atuação e vai preparar-se para levá-la à prática, face à constatação de que o mercado logo será inteirado de que seus títulos são podres e o colapso é questão de horas.
Depois da má notícia, os corretores recebem a proposta indecente: a companhia espera que eles vendam o máximo desses papéis antes que a notícia se espalhe.
Os que aceitarem queimar-se em definitivo na profissão, receberão uma vultosa gratificação para irem mantendo seu alto padrão de vida enquanto se reciclam e buscam novas oportunidades.
A reação deles é previsível: fazer das tripas coração para salvarem-se do naufrágio. O que mais se poderia esperar dos participantes conscientes de um esquema de negociatas que lhes rendia rendia comissões e bônus invejáveis, enquanto levava seu país à bancarrota?
Depois, nos papos entre os mandachuvas, percebemos que estes têm a exata noção do tsunami que suas manobras (ilegais) causarão no mercado, mas não estão nem aí; querem é salvar o máximo de grana que puderem antes da decretação da falência.
A excelência do filme se deve, entre outros méritos, a não pretender dar uma aula sobre subprimes e como se transformaram numa arapuca para os investidores, mas sim confrontar as várias reações das pessoas que, vendo uma fase de sua existência encerrar-se melancolicamente, jogarão sua última cartada antes do fim.
Eduardo Kacic, que tem experiência corporativa e faz críticas de cinema num portal para administradores de empresa, fala abaixo, com mais propriedade, sobre o universo que o filme retrata. (por Celso Lungaretti)
"...a América parecia nadar na prosperidade e o mercado de ações batia recordes. Até que uma firma após a outra começou a declarar falência, a ponto de a própria estrutura da economia americana como um todo ser ameaçada, forçando o Congresso a recorrer no desespero a um gigantesco esquema de fiança...
...cabe ao CEO da empresa, John Tuld (interpretado por Jeremy Irons), ordenar que sua companhia comece a se livrar dos títulos de investimento sem valor antes que a notícia se espalhe e todos descubram que a empresa não vale mais nem um centavo.
Ou seja, o que John essencialmente está fazendo é trair seus clientes. O ápice desta falta de ética se materializa principalmente quando passamos a ter a consciência de que diversas firmas criaram fundos de pensão já com a intenção de irem à falência, só para fazerem mais dinheiro apostando contra o mercado imobiliário americano.
Estes fundos de investimento eram abastecidos por títulos imprestáveis que, por sua vez, eram vendidos aos clientes, com o total conhecimento das empresas responsáveis e seus representantes.
O dia antes do fim é, essencialmente, um filme sobre como seus personagens estão preocupados apenas com o bem-estar de suas corporações, sem nenhuma inclinação de promover o bem público. Estas corporações são amorais e existem somente para sobreviver e prosperar, independentemente do custo humano da equação". (por Eduardo Kacik)
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