josias de souza
A VACINA É OBRIGATÓRIA. BOLSONARO É OPCIONAL
A Covid não é a única patologia que atormenta o Brasil. Além do corona, o país foi infectado pelo vírus do arcaísmo.
Judicializaram a vacina! Num julgamento que consumiu duas tardes, o plenário do Supremo teve de proclamar que o óbvio é o óbvio: num cenário de pandemia, com a pilha de mortos por Covid a caminho da horripilante marca de 200 mil, o poder público pode, sim, impor sanções a pessoas que não quiserem se vacinar.
A obrigatoriedade de vacinas essenciais está presente na legislação brasileira desde 1975.
Neste ano de 2020, a tradição de 45 anos foi reafirmada numa lei sobre Covid. Leva o número 13.979. Foi sancionada por Bolsonaro em 6 de fevereiro. Prevê no artigo 3º que, para enfrentar emergência internacional de saúde pública, as autoridades podem adotar medidas excepcionais. Entre elas a vacinação compulsória.
Bolsonaro ignora as leis, inclusive a que ele sancionou. Já não causa espanto. Há presidentes cuja obra só será perfeitamente entendida daqui a um século. Prenhe de originalidade, o capitão comanda uma administração que só será devidamente entendida no século passado. Até ontem, desqualificava a CoronaVac, vacina chinesa. Agora, alardeia hipotéticos efeitos colaterais até da estadunidense Pfizer.
Há mais: "Se nascer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso".
Criticou a intromissão do Supremo. Mas considerou-a inócua: "Nem vacina tem, não vai ter pra todo mundo". A frase vale como uma confissão de inépcia.
A polêmica é um atributo congênito de Bolsonaro, uma condição de vida. Algo tão indissociável como as escamas do peixe. O Supremo só foi chamado a intervir porque o presidente da República se autoconverteu em garoto-propaganda da liberdade individual de infectar. Por 10 votos a 1, a Corte lembrou a Bolsonaro que não se pode desconsiderar o direito coletivo de não ser infectado.
Repetindo: ficou entendido que o direito à liberdade de consciência e de crença, assegurado pela Constituição a cada indivíduo, não se sobrepõe ao direito da coletividade à vida e à saúde, também consagrado no texto constitucional. O absurdo vai ganhando uma doce naturalidade. Em tempos de inteligência artificial, é duro ter de aturar a ignorância natural.
Ninguém será arrastado na marra até uma seringa. Mas é lícito ao estado impor sanções aos libertários, impedindo-os:
— de embarcar em transportes públicos;
— de receber benefícios bancados pelo erário.
O Supremo decidiu que, se a União permanecer inerte, estados e prefeituras podem agir.
Costuma-se dizer que Bolsonaro é um presidente conservador. Engano. Conservadores foram Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Bolsonaro é arcaico. Tornou-se previsível. Está sempre na contramão do bom senso.
As queimadas ameaçam o acordo Mercosul-União Europeia? Bolsonaro se alia à banda troglodita do agronegócio.
Biden venceu Trump? Bolsonaro diz ter provas de que a eleição dos EUA foi fraudada.
A pandemia pede proteção? Bolsonaro contesta a serventia das máscaras? A vacina está a caminho? Bolsonaro prega o direito de infectar.
Por sorte, a civilização já chegou ao ordenamento jurídico nacional. A vacina é obrigatória. Bolsonaro prefere ser opcional. (por Josias de Souza)
Nenhum comentário:
Postar um comentário