domingo, 18 de outubro de 2020

EXATAMENTE COMO BOLSONARO PREGA, ROBINHO FOI CONDENADO À PERDA DO EMPREGO PELA 'JUSTIÇA DA MULTIDÃO'

O
veterano futebolista Robinho, 36 anos, tinha tudo acertado para sua volta ao Santos, no qual iniciou a carreira e provavelmente iria terminá-la, quando as pressões nas redes sociais e até na imprensa forçaram o clube a desistir da ideia, sob pena de perder patrocinadores num momento em que atravessa grave crise financeira.

Motivo: Robinho foi condenado em 1ª instância na Itália como participante do estupro de uma mulher por parte de um grupo de homens, numa boate (ele alega que a relação foi consentida). E, pela justiça italiana, ainda faltam duas instâncias para a condenação tornar-se definitiva.

Não sou juiz nem quero ser, mas o meu palpite de leigo, com as informações de que disponho pelo noticiário da imprensa, é o de que ele seja mesmo culpado.

No entanto, tenho muito medo desses rolos compressores que julgam, condenam e exigem o cumprimento da sentença na marra (as agressivas campanhas que desencadeiam contra patrocinadores de empresas e entidades que não cedem a suas imposições, p. ex.). Parecem-se demais com turbas de linchadores. Lembram-me demais os primórdios do fascismo e do nazismo.

A justiça amiúde é injusta? É. É uma justiça de classe, que fornece mil escapatórias para os ricos e faz desabar todo o rigor da lei em cima dos pobres, negros, gays, moradores da periferia, etc.? É.
Mesmo assim, continua sendo preferível ao emocionalismo de multidões frequentemente movidas pela catarse e pelo ódio, as quais acabam arrastando consigo os fracos que, mesmo tendo dúvidas, não ousam ficar à margem do rebanho.

Inexiste na Constituição brasileira a pena que foi aplicada a Robinho: perder provavelmente o último emprego de sua carreira por causa do crime a que responde noutro país.

E se, numa dessas reviravoltas improváveis mas não impossíveis, a justiça italiana decidir que a mulher consentiu com a felação e ele for inocentado? 

Como no caso da sentença de morte, haveria o pequeno inconveniente de a pena já ter sido aplicada, talvez destruindo a vida do acusado tanto quanto a execução priva outros réus dela.

Escrevi certa vez que, quando se deparam com um linchamento em curso, os brasileiros geralmente correm a procurar pedras para participar da festa; eu sempre tentarei dissuadir a multidão. 

Por último: o título que escolhi é provocativo, claro. Mas, um sentido ele tem: são os bolsonaristas que querem ver a justiça dos tribunais substituída pela justiça da multidão

E, neste caso, aqueles(as) que mais dizem execrar o bolsonarismo fizeram exatamente o mesmo.  Igualzinho ao que o Robinho alega: ao ver outros homens saciando-se com uma mulher, teria ido também tirar sua casquinha.

Eu me sinto um peixe fora d'água num ambiente tão carregado de rancor como o do Brasil hoje. E deploro, principalmente, os que deveriam dar o exemplo da volta ao equilíbrio e à sensatez, mas, lamentavelmente, não o fazem. (por Celso Lungaretti) 

2 comentários:

SF disse...

Grande Celso!
Em meio à barbárie são super necessárias pessoas como você.
...

celsolungaretti disse...

Obrigado, companheiro!

Em filmes e livros, muitas vezes já vi explorada a situação da pessoa que se define na primeira vez que faz uma opção e depois a repete pelo resto da vida. Foi mais ou menos o meu caso.

Eu era kardecista quando criança e, logo no 1º ano do primário, optei por não assistir às aulas de catecismo católico. A classe tinha uns 40 e só 4 fizemos isso. Tínhamos de permanecer no pátio, recebendo insultos de uma servente fanática religiosa.

Não voltamos atrás. E existiam colegas que também não eram católicos, mas não ousaram colocar-se na berlinda (havia quem nos chamasse de "endemoniados", coisas assim.

Esse episódio me moldou: jamais cedi a intimidações da maioria e mantive-me firme mesmo quando estava na mais ínfima minoria.

Isto me permite, agora, ir tranquilamente contra a corrente, sem vacilar, quando discordo da posição dominante. Não temo desqualificações nem ameaças (e já recebi muitas, inclusive de morte, sem perder o sono por causa delas).

Enfim, são os desafios que enfrentamos na vida e como reagimos a eles que acabam definindo nossa personalidade. Não vejo isso como mérito, mas sim como acasos.

Se eu tivesse um problema desses aos 12 anos, e não aos 7, será que me teria arriscado à desaprovação da maioria dos colegas? Sei lá...

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