josias de souza
BOLSONARO TEM RECAÍDA E DÁ PORRADA NA SENSATEZ
No relacionamento entre a imprensa e os políticos, não há perguntas embaraçosas, apenas respostas constrangedoras.
As entrevistas de Jair Bolsonaro sempre foram marcadas pelo constrangimento. Constrangem não pelas perguntas que o personagem é obrigado a ouvir, mas pelas respostas que ele não é capaz de fornecer.
Neste domingo (23), o capitão abespinhou-se ao ser questionado por um repórter do jornal O Globo sobre os R$ 89 mil depositados na conta de Michelle Bolsonaro por Fabrício Queiroz e pela mulher dele, Márcia Aguiar. Fora de si, o capitão exibiu mais uma vez o que tem por dentro:
"Minha vontade é encher tua boca com uma porrada, tá?"
Bolsonaro esforçava-se para domar a própria língua desde 18 de junho, dia em que Queiroz foi preso. Assessores e aliados celebravam a mudança. Vã esperança! Um personagem que cultiva o hábito da ofensa há três décadas não muda depois de velho. Bastou um cutucão no lugar certo para estilhaçar encenação.
O escritor Giuseppe di Lampedusa, autor de O Leopardo, ensinou: "Se você quer que as coisas fiquem como estão, as coisas terão que mudar." É grande o esforço do clã Bolsonaro para manter a encrenca da rachadinha como está. Por isso o capitão se esforçava para controlar os seus maus bofes. O diabo é que nenhum problema pode ser modificado até que seja enfrentado.
O presidente revela-se capaz de tudo, exceto de enfrentar adequadamente as interrogações que brotam do inquérito estrelado pelo primogênito Flávio Bolsonaro. Certa vez, inquirido sobre o caso, o inquilino do Planalto disse ao repórter que ele tinha "uma cara de homossexual terrível".
Em dezembro de 2018, dias antes de sua posse, quando se imaginava que Queiroz havia feito apenas um depósito de R$ 24 mil na conta da primeira-dama, Bolsonaro simulou uma explicação. Declarou que o dinheiro é parte do pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil que fizera ao ex-assessor de Flávio.
Meses depois, instado a exibir os recibos, Bolsonaro perdeu as estribeiras: "Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu pro teu pai." Retirou-se da entrevista,na frente do Alvorada, dando uma banana para os repórteres. O gesto da banana não é senão uma outra versão do célebre hábito de erguer o dedo médio para os desafetos. Equivale a um "vai se f..". Coisa incompatível com a liturgia do cargo de presidente.
Bolsonaro voltaria a se irritar numa entrevista concedida no Rio de Janeiro. Dessa vez, o assunto foi o miliciano Adriano Nóbrega, um personagem cuja biografia está encostada na família Bolsonaro. Adriano havia sido passado nas armas dias antes, numa ação conjunta das polícias do Rio e da Bahia. Bolsonaro silenciara por uma semana. Até que...
Os repórteres crivaram Bolsonaro de perguntas sobre o amigo tóxico, defendido por ele em discurso na Câmara e condecorado pelo filho Zero Um na Assembleia Legislativa do Rio. Perguntou-se ao presidente se partira dele a ordem para que Flávio Bolsonaro empregasse no gabinete da Assembleia fluminense a mulher e a mãe do miliciano. E ele: "Vocês estão passando para o absurdo".
Ao lado do pai, Flávio assumiu o microfone: "Homenageei centenas e centenas de policiais militares e vou continuar defendendo, não adianta querer me vincular com a milícia, não tem absolutamente nada com milícia. Condecorei o Adriano há mais de 15 anos".
E quanto à contratação da mulher e da mãe do miliciano?, quis saber uma repórter. O presidente interveio: "Fica quieta, vai, deixa ele falar. Educação!" A entrevista acabou como começara: sem respostas.
Bolsonaro ainda não notou, mas não será questionando a sexualidade, ofendendo a mãe ou distribuindo bananas aos repórteres que sedimentará a imagem de um líder confiável. O presidente da República não é apenas uma faixa. É preciso que por trás da faixa exista uma noção qualquer de honra.
E a honorabilidade não é coisa que possa ser obtida dando porrada na sensatez. (por Josias de Souza)
Toque do editor — Eu também tenho uma pergunta: "Presidente, quando o sr. ameaça pessoas dessa forma, o faz como governante ou como homem? Porque, se faz como presidente e conta com seus seguranças para defendê-lo do revide, não passa de um covarde. Era o que faziam os torturadores que o sr. tanto admira, ao agredirem quem seria morto se reagisse. Homem de verdade faz seus acertos de contas de homem para homem". (por Celso Lungaretti)
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