O presidente da República cansou de defender e justificar a indiferença diante da morte de um número menor de infectados pelo coronavírus para que viva um número maior de pessoas ameaçadas de serem privadas, pela paradeira da economia, dos recursos necessários à própria sobrevivência e de suas famílias.
Ou seja, a questão era e é colocada por ele como uma mera comparação numérica: se a quarentena (por causar fome, miséria, outras doenças, etc.) vai indiretamente matar mais cidadãos do que a pandemia diretamente, então que se deixe a agricultura, comércio, indústria e serviços desenvolverem suas atividade à vontade e causarem quantas contaminações causarem. Depois, enterrem-se os mortos e os sobreviventes que sigam adiante.
Isto se chama consequencialismo: jogam-se no lixo a ética, a moral, a compaixão, etc., e se leva em conta apenas as resultantes objetivas dos atitudes (ou seja, o valor moral de um ato é determinado exclusivamente por suas consequências).
No caso do consequencialismo tosco do Bolsonaro, podemos presumir que, se ele tiver de optar pela morte tranquila, durante o sono, de 101 pessoas ou a morte horrível, sob lancinantes torturas, de 100 pobres coitados, salvará uma pessoa a mais e condenará uma centena a suplícios inenarráveis...
No caso do consequencialismo tosco do Bolsonaro, podemos presumir que, se ele tiver de optar pela morte tranquila, durante o sono, de 101 pessoas ou a morte horrível, sob lancinantes torturas, de 100 pobres coitados, salvará uma pessoa a mais e condenará uma centena a suplícios inenarráveis...
Hélio Schwartsman fez um artigo demonstrando a monstruosidade implícita nesse posicionamento de Jair Bolsonaro de uma forma inusitada: provou que, se ele morrer de Covid-19, o ganho quantitativo de vidas será imenso, já que seu negacionismo, disseminando a confusão e servindo como exemplo que cidadãos ignorantes e influenciáveis imitam, é causa de óbitos por atacado.
Então, com uma fina ironia pela qual os tacanhos e os simplórios passam batidos, ele escreveu que estava torcendo pela morte do presidente.
E os tacanhos e os simplórios reagiram: o ministro das Comunicações, como se estivéssemos mergulhados nas trevas da Santa Inquisição, tomou o paradoxo argumentativo ao pé da letra e zurrou que torcer pela morte do presidente é um ataque à instituição presidencial (!). Será que eu ainda posso escrever que torço contra o time do presidente (que em São Paulo é o Palmeiras) sem ser investigado pela PF?
Ato contínuo, o ministro da Justiça zurrou à Polícia Federal que investigue... nada, pois nada existe para ser investigado. O crime, se crime fosse, corporifica-se no próprio texto. Interrogar o autor para que ele declare o que pretendia com tal artigo seria digno das velhas chanchadas da Atlântida.
— ou reconhecer que viajou na maionese e que o artigo em questão não fere lei nenhuma, nem mesmo a ditatorial Lei de Segurança Nacional do regime militar, cujo demoníaco nome está sendo invocado em vão;
— ou processar Schwartsman, passando recibo de que não entende bulhufas nem da nossa Constituição nem de qual seja a sua função numa democracia e voluntariando-se para receber uma completa aula do STF a respeito.
Até quando, oh Catilinas, vocês continuarão abusando da nossa paciência?! (por Celso Lungaretti)
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