terça-feira, 14 de julho de 2020

OS CAÇADORES NÃO CAÇAM SOMENTE AS BRUXAS, MAS TAMBÉM AS POÇÕES VITAIS QUE SÓ ELAS SABEM FAZER

joão pereira coutinho
ANTES COMUNISTAS, HOJE AS BRUXAS SÃO
 BRANCAS, PRIVILEGIADAS E CISGÊNERO
"somos herdeiros do Iluminismo, não da Santa Inquisição"
Caçar bruxas? Não depende apenas da vontade dos caçadores. É preciso cúmplices. Gente que fica de bico calado, tornando a vida dos caçadores mais fácil.

O macartismo é um exemplo. Falo da paranoia persecutória que o senador Joseph McCarthy lançou contra comunistas, reais ou imaginários, nos Estados Unidos da década de 1950. 

Fato: as perseguições começaram antes de McCarthy (para sermos exatos, em 1938). Mas foi ele quem levou as perseguições a um novo patamar de violência e delírio. E por quê?

Porque a Suprema Corte deixou. Porque as universidades, as empresas, os sindicatos deixaram. 

E porque os estúdios de Hollywood deixaram, elaborando as famosas listas negras com nomes de atores, roteiristas, diretores ou técnicos problemáticos aos olhos do delirante McCarthy. 

E quem era McCarthy?

Ninguém, como se viu em 1954. Bastou o advogado Joseph Welch lhe fazer uma pergunta retórica durante uma audição pública –“O senhor não tem nenhum sentido de decência?”– para que o inquisidor-mor explodisse.

O rei, afinal, estava nu. Mas o mal estava feito. Não apenas o mal objetivo de ter destruído milhares de carreiras e aprisionado centenas de pessoas.
Quando o homem enfim deixará de ser o lobo do homem?
Também houve um preço artístico. Os historiadores são unânimes ao considerar a década de 1950 uma das piores da história do cinema americano, como se a energia e a criatividade tivessem sido sugadas da indústria.

Como escreve Peter Biskind no seu Easy Riders, Raging Bulls, foi preciso esperar por 1967 –ano de Bonnie e Clyde e A Primeira Noite de um Homem– para que o cinema estadunidense voltasse ao mundo dos vivos. Em certos casos, com nomes que estiveram na lista negra

Lição de aviso: os caçadores não caçam apenas as bruxas, mas as poções vitais que só elas sabem fazer.

E o que é válido para o macartismo de direita é válido para o novo macartismo de esquerda –a chamada cultura do cancelamento que, por enquanto, só arruína reputações e carreiras. A prisão será o próximo passo?

Isso depende do silêncio dos cúmplices, razão pela qual é sempre de aplaudir Uma Carta sobre Justiça e Debate Aberto, que 150 autores, de esquerda ou de direita, brancos ou negros, mulheres ou homens, publicaram na revista Harper’s.

O que eles dizem é banal. Ou era, alguns anos atrás, e se divide em duas premissas.

Para começar, uma sociedade livre, politicamente livre, define-se pela troca de ideias e de informações, não pela conformidade ideológica e pela humilhação pública de heréticos.
Joseph McCarthy, o Grande Inquisidor do século passado

Para acabar, essa liberdade também é fundamental por razões extrapolíticas: ela é o alicerce do pensamento e da criação. Preferimos o mundo fossilizado da década de 1950 ou a voragem criativa de 1970?

Sem surpresas, a carta teve reações. E a mais impressiva foi uma outra carta, igualmente assinada por mais de 150 intelectuais, e publicada no site The Objective.

É um casus belli de má-fé: os subscritores não se limitam a discutir argumentos. Preferem, como os velhos caçadores, inaugurar a caçada com duas perguntas que destroem o debate:
Quem são as bruxas?
Onde se escondem elas?

Ontem, as bruxas eram comunistas, simpatizantes de comunistas, ou nem uma coisa nem outra. E se escondiam atrás da lealdade ao partido e a Moscou.Hoje, as bruxas são majoritariamente brancas, privilegiadas e cisgênero.

E se elas advogam liberdade de expressão para todos, isso significa, ipso facto, liberdade de expressão só para elas, que não querem ser criticadas.

Encontrar uma ponta de lógica nessa última frase é tempo perdido. A má-fé cria a sua própria lógica.
Gênios do cinema que sofreram estigmatizações ignóbeis 
Comecei pelo cinema, termino com ele. Em 1976, Woody Allen interpretou o melhor papel da sua carreira em filme de Martin Ritt. 

Falo de Testa-de-ferro por acaso e o personagem de Woody, Howard Prince. 

Ele é, como o título indica, um testa-de-ferro de um roteirista perseguido por Joe McCarthy. O que significa que Howard assina os roteiros como se fossem da sua autoria e recebe uma percentagem pelo serviço.

Até ser intimado a depor no Comitê de Atividades Antiamericanas. A sessão de perguntas e respostas é antológica.

Mas mais antológica ainda é a forma como Howard termina com a farsa: não reconhece legitimidade aos inquisidores e se despede deles com um intraduzível you can all go fuck yourselves.

Em 2020, e contra os novos caçadores, eis a resposta que não envelheceu uma ruga. (por João Pereira Coutinho)
Frase lapidar de Rosa Luxemburgo, que captou no nascedouro o desvirtuamento do regime soviético
Toque do editor — Depois de tudo por que passei em 1970 nos porões da ditadura e dos quatro processos a que respondi em auditorias militares durante uns três ou quatro anos, afora um patético quinto processo de caráter censório por minha atuação jornalística no início dos '80, só poderia ser, como sou, totalmente contrário a qualquer tipo de censura e ad hominem, provenha da direita, do centro ou da esquerda, dá tudo no mesmo. Censores são, antes e acima de tudo, censores. 

Devemos combater com argumentos as opiniões das quais discordamos, não amordaçar os que as defendem. 

A esquerda existe para alçar a humanidade ao reino da liberdade, não para promover retrocessos históricos. 
Ele deveria é ter dito you can all go fuck yourselves

Somos herdeiros do Iluminismo, não da Santa Inquisição.

Isto várias vezes me colocou em choque com o politicamente correto, que eu rebatizei de patrulhamento cricri. E continuo convicto de que devemos é mudar o mundo, ao invés de perdermos tempo policiando a forma como as pessoas se referem às coisas do mundo. 

Quanto mais depressa desencanarmos dessas besteirinhas, mais chance teremos de obter êxito nas batalhas que realmente precisamos vencer. 

Pouco importa se os negros são chamados de pretos, crioulos, afrodescendentes, etc. Importa mesmo é que morrem quando um policial pisa no pescoço deles. 

Então, ocupemo-nos antes do mais difícil: darmos um fim aos abusos e à truculência dos policiais, por exemplo. Assassinar reputações pela internet é fácil, basta não ter escrúpulos em atacar os outros pelas costas ou depois de mortos.  (por Celso Lungaretti)  

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro, CL

Hoje é dia 14 de julho, aniversário da queda da Bastilha.

Recomendo aos frequentadores do seu blog a leitura do conto "14 de julho na roça" de Raul Pompéia.

Abs

Anônimo disse...

Já falei e volto a repetir: os pauteiros identitários são como um cavalo de troia inserido na esquerda visando a sua destruição. Feminazis, lgbtalfabetotodo,supremacistas com lógica reversa etc são como crocodilos, corvos e hienas. Não espere lealdade e gratidão deles.

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