domingo, 26 de abril de 2020

NO ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO, NINGUÉM DESTRUÍA UM PAÍS SÓ PARA SE VINGAR DOS QUE O HAVIAM ESNOBADO

O post deste sábado sobre o Zé do Caixão foi um pequeno gracejo que virou artigo. 

Minha intenção inicial era, basicamente, a de disponibilizar o filme Delírios de um anormal para poder zoar o Bozo, pois desconheço título que definisse melhor o móvel de suas maluquices presidenciais.

Mas, o saudosismo acabou me levando a falar mais sobre o Zé, até porque deixara de fazê-lo quando de sua morte, há dois meses. Estava devendo.

E percebo que ainda ficou faltando algo, então tentarei completar o serviço agora.

Na história do cinema, eu colocaria o Zé na prateleira dos realizadores intuitivos que oscilam entre a ruindade e a genialidade, ao lado do Edward D. Wood Jr. (tido como o pior cineasta do mundo), do Jess Franco, do Jean Rollin e outros que tais.

Simplesmente grotesco, p. ex., foi o inferno de papelão que o Zé exibiu em Esta noite encarnarei no teu cadáver (1967), o segundo da saga do coveiro em busca da mulher apropriada para gerar seu filho perfeito (com todo jeitão de ser o anticristo, mas ele não podia deixar isto explícito no Brasil de então). 

Dispor de orçamento mais elevado parece ter-lhe feito mal, pois botou cor, tornou-se mais pretensioso e... viajou na maionese. O charme dos primitivos é exatamente o de parecerem mesmo primitivos. Foi um erro ele ter tentado enfeitar o pavão.
O coveiro das telas não conseguiu gerar o anticristo...

Filmes de baixíssimo orçamento não precisam necessariamente deixar sua precariedade tão evidenciada que até despertam a compaixão dos espectadores. 

George A. Romero, recém-formado na Universidade de Pittsburg, trabalhava no depósito de uma grande produtora dos EUA e encontrou uma enorme quantidade de fitas virgens em preto-e-branco, não utilizadas porque os filmes coloridos haviam monopolizado o mercado.

Veio-lhe a ideia de aproveitá-las para fazer um filme de zumbis. Os mortos-vivos haviam desaparecido das telas após a primeira metade do século 20, quando a Universal Pictures os invocava vez por outra (predominavam os vampiros, lobisomens, múmias e cientistas loucos com seus respectivos monstros). 

Romero só introduziu duas novidades: seus zumbis eram resultantes de contaminação ambiental e não da macumba haitiana; e passam quase que o filme inteiro tentando matar seres humanos entrincheirados numa casa, assim como os índios dos westerns sitiavam os fortes apaches. 

Seu filme ressuscitou e revigorou um filão praticamente extinto, foi um dos que mais inspiraram derivações em todos os tempos e, apesar do orçamento precário e dos atores terem sido laçados por Romero entre seus amigos e ex-colegas de faculdade, permanece suportável até hoje; já os do Zé, sinceramente, assisti a todos os de seu personagem emblemático, mas jamais revi nenhum. 
...e o da vida real também não, mas Carluxo não ficou tão longe.

Só para comparar: meus cults de estimação, como Quando explode a vingança e O dia da desforra, seguramente já assisti mais de 20 vezes cada.

Não posso, contudo, deixar de mencionar um grande momento do Zé, ainda nos anos 60, quando o sucesso retumbante de À meia-noite levarei a sua alma indignou a caretíssima classe média de 1964 (o ano entra aqui como referência tanto de época quanto de mentalidade...).  

Lembrando as teorias de Freud sobre o retorno do reprimido, os cidadãos respeitáveis não suportaram ver, no espelho do Zé, impulsos inconscientes ou nem tanto que infestavam suas mentes e eles tudo faziam para impedir de se tornarem evidentes, pois escandalizariam seus pares (os quais decerto enrustiam os mesmíssimos impulsos). Então, o que ela fez foi, simbolicamente, quebrar o espelho. Caliban explica...

Muitos programas de rádio e TV davam vazão aos chiliques de tal classe média, malhando o Zé como se fosse um Judas em sábado de aleluia. Criticavam-no pela carga erótica não muito dissimulada dos seus filmes, pela violência de certos trechos, por submeter suas toscas atrizes a contracenarem com aranhas e cobras, etc. Qualificavam-no de doentio.

Como bobo ele nunca foi, até surfou nessa onda, pois não lhe passou despercebido que estavam lhe proporcionando publicidade gratuita como o Zé jamais teria dinheiro para pagar. Mas, evidentemente, isto também o incomodava.
"qualificavam-no de doentio"

Só que não resolveu destruir um país inteiro apenas para retaliar os rebentos das classes superiores que o esnobaram a vida inteira, como está fazendo o Bozo. Usou uma ferramenta mais inofensiva para se vingar, com a vantagem de tornar sua catarse pessoal lucrativa.

Trata-se do terceiro episódio do filme abaixo disponibilizado, O estranho mundo de Zé do Caixão (1968), no qual seu ersatz  Oãxiac Odez (o nome é um anagrama), depois de ser humilhado por um debatedor arrogante num programa de TV, faz com ele o que o Zé gostaria de ter feito com essa raça na vida real. 

Mas, como ele próprio não era nenhum demente, deu-se por satisfeito em apenas ficar matutando sobre isso com seus botões, até que acabou desabafando nas telas. (por Celso Lungaretti)

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