Todos os médicos podem prescrever a cloroquina para seus pacientes, com autorização deles. O Ministério da Saúde não veta o uso da substância – e também não a receita, pois, como em qualquer outro caso, não é sua função substituir o médico.
O ministério não estimula o uso indiscriminado da droga porque não se concluiu o protocolo científico de sua aprovação como medicamento para a Covid-19. Ao lado dela, pesquisas em fase inicial descortinam outras hipóteses medicamentosas prometedoras.
Tudo isso parece óbvio, exceto para os fanáticos da cloroquina, que deflagraram uma guerra cultural.
Tudo isso parece óbvio, exceto para os fanáticos da cloroquina, que deflagraram uma guerra cultural.
À primeira vista, a guerra decorre da sedução do pensamento mágico. Os fanáticos da cloroquina a enxergam como cura divina, o santo graal, elixir da vida, um pote de ouro no fim do arco-íris. Mas esses são os fanáticos tolos, inocentes úteis, soldados rasos de uma guerra cujas raízes não compreendem.
Os alquimistas da nova jihad transfiguram a substância química em metáfora de um arco narrativo ideológico que nada tem a ver com medicina.
O arco estende-se da China às elites globalistas, com escala na OMS. Os três capítulos da narrativa são mais frequentemente difundidos como contos autônomos, mas pertencem a um romance único. Cada um apoia-se em fatos incontestáveis ou hipóteses razoáveis, que sofrem manipulações de natureza conspiratória.
1. China: o vírus emergiu em Wuhan, o regime ocultou a etapa inicial da epidemia e, para proteger o sistema de poder totalitário, provavelmente fabricou estatísticas fantasiosas que miniaturizaram as curvas de infecções e óbitos.
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Daí, os fanáticos da cloroquina extraem uma conspiração comunista destinada a disseminar globalmente o coronavírus, quebrando economias capitalistas para estabelecer hegemonia mundial da China..
2. OMS: a China impulsionou a escolha do etíope Tedros Adhanom para a chefia da OMS e hoje exerce influência sobre a organização similar à que os EUA e os europeus mantêm sobre o FMI e o Banco Mundial.
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Parceiro de um regime engajado em projetar soft power na África, Adhanom celebrou a eficiência chinesa no combate à epidemia, calando-se acerca de tudo que possa constranger Xi Jinping.
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Dessa parceria os fanáticos da cloroquina extraem um complô veiculado pela OMS para amplificar a crise sanitária e desacreditar o remédio providencial.
3. elites globalistas: na linguagem sectária dos fanáticos da cloroquina, a expressão engloba todas as correntes compreendidas entre o liberalismo progressista e a social-democracia, genericamente rotuladas como socialistas.
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Tais elites, articuladas nas instituições internacionais, conduziriam um plano malévolo destinado a subjugar as nações e os capitalismos nacionais. A pandemia funcionaria como pretexto ideal para universalizar as quarentenas, solapar negócios, arrasar empresas privadas e perenizar a intervenção econômica estatal.
A guerra da cloroquina foi declarada pelos mesmos líderes políticos que, há pouco, qualificavam a Covid-19 como gripezinha. Agora, desmascarados, eles se reagrupam numa trincheira de comprimidos de cloroquina e armam catapultas para assediar o castelo das democracias.
Há pesquisadores sérios convencidos da eficácia da substância no tratamento da doença. Suas reputações serão mais bem servidas se contribuírem com ensaios clínicos randomizados da droga, recusando o papel de porta-vozes científicos da guerra cultural alheia.
Chefes do tráfico não cheiram pó, curandeiros confiam sua própria saúde aos médicos, astrólogos profissionais não planejam suas vidas a partir de mapas astrais.
Os fabricantes da conspiração sem fronteiras --que abrange a China, a OMS, a União Europeia, o Partido Democrata, o STF, Maia, Doria, Mandetta e a maldita imprensa-- vendem deliberadamente um produto falsificado. (por Demétrio Magnoli)
2 comentários:
Exatamente. Gosto bastante do Magnoli. Um intelectual de mão cheira que conhece não apenas o universo de assuntos que permeia o nicho acadêmico dele, que é a Geografia. O autoritarismo chinês tem sua parcela de culpa no começo dessa muvuca toda, mas, daí pra vender como se o vírus tivesse sido fabricado propositalmente em complô com a OMS, é assinar o próprio atestado de mau-caráter e/ou imbecil
Axel, eu acrescentaria que é um atestado de BURRICE, pois o Bozo e os outros quadrúpedes entraram nessa para se alinharem com a posição do Trump.
Contudo, nada de importante resultou até agora desse puxa-saquismo repulsivo. Estaríamos bem melhor servidos se atraíssemos as simpatias da China, ao invés de irritá-la com puerilidades
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