"Jair Bolsonaro propôs uma revolução nas regras do gasto público (...), uma espécie de mini-Constituinte fiscal...
As emendas constitucionais disciplinam de modo drástico não apenas a despesa e a dívida federais, atuais e futuras, mas também os gastos de prefeituras, estados e dos demais Poderes, Judiciário e Legislativo.
Há uma vaga promessa de repassar mais recursos federais para governadores e prefeitos, mas, na verdade, o pacote de emendas centraliza e escreve em pedra, na Constituição, as normas da despesa pública da Federação inteira".
O Dalton Rosado, que é o especialista em economia cá do blogue, evidentemente fará uma avaliação mais aprofundada do arrochão do Guedes.
O que eu posso dizer de bate-pronto é que haverá uma briga de foice no escuro entre, de um lado, os neoliberais que tentam implantar aqui um Estado realmente enxuto e mínimo; e, do outro, a imensidão de sanguessugas aninhados nos três Poderes, cujos privilégios escandalosos estão na alça de mira dos primeiros.
Algo que Guedes, Maia e Alcolumbre parecem não levar em conta é a resistência que encontrarão por parte... do Bolsonaro. Típica criatura da velha política, apesar de camaleonicamente discursar contra ela, o Bozo certamente será sensível às pressões de vários prejudicados pelas medidas. Trata-se da chamada caçapa cantada.
Afora o fato de que o caminho para o arrochão ser aprovado no Congresso tende a ser longo e tortuoso, tanto que já se trabalha com a perspectiva de que, entre trâmites legislativos e, depois, o surgimento de consequências práticas das medidas, as melhoras que os neoliberais esperam obter chegariam lá por 2024 (!).
Mas, se a economia continuar engatinhando até 2022, quem garante que um Fernández brasileiro não interceptará o voo da nossa caricatura de Macri (são ambos direitistas, mas um pertence à civilização e o outro nem sequer conhece o significado dessa palavra) para a reeleição?
Mais. O grande empresariado está aplaudindo o arrochão e deverá continuar respaldando o Bolsonaro por mais uns tempos, apesar de todas as sandices nas relações exteriores, que deverão prejudicar significativamente a atração de investimentos e o aumento das exportações.
Então, se deixa de ser iminente o desencadeamento, por parte dos donos do PIB, de uma operação para a troca do Bozo por um serviçal mais competente, aumentarão as chances de as ruas rugirem, como no Chile.
Percebe-se também que a troica fez uma opção muito arriscada ao comprar tantas brigas de uma só vez. Dá para imaginarmos a formação de uma frente única dos ameaçados de perderem anéis e até dedos, no sentido de resistirem ao (ou desfigurarem o) arrochão.
A eles é provável que venha a somar-se a esquerda populista, que tenderia a tomar partido na pendenga, embora não devesse. Quem quer transformar verdadeiramente a sociedade em benefício dos explorados, não estará sendo representado nessa guerra de sujos nem pelo lado dos neoliberais-raiz, nem pelo lado dos sanguessugas.
Se o governo vier a ser simultaneamente contestado nas ruas e na esfera dos Poderes, isto não criará um ambiente favorável ao golpe de Estado tão sonhado por Olavo de Carvalho e seus miquinhos amestrados, clã dos Bolsonaros incluso?
De outra parte, é bom lembrarmos que na década de 1960 não só perdurava a guerra fria, como havia grande possibilidade de um deslanche capitalista à medida que o setor terciário assumia a dianteira da economia e a sociedade patriarcal era substituída pela sociedade de massas, ou de consumo.
Agora, pelo contrário, do espantalho do comunismo não restaram nem as palhas, então está descartada uma enxurrada de investimentos para alavancar a economia brasileira e melhorar o humor do povo, como a orquestrada pelos EUA em 1970.
E a crise estrutural do capitalismo se aprofunda cada vez mais, de forma que nem reforma da Previdência nem arrochão gerarão um boom econômico como o do milagre brasileiro (que fez a felicidade da classe média, mas só durou até 1973).
Nada indica que teremos em curto ou médio prazo um crescimento significativo do PIB (a partir de 2014, incluindo o ano presente, os índices têm sido negativos ou irrisórios). Então, se o povo não perceber melhora, só aumento dos rigores, até quando suportará?
Quanto aos rigores, vale notar outro ponto significativo que Torres Freire destacou:
"Até 2026, os incentivos fiscais terão de cair pela metade. O governo deixa de recolher R$ 307 bilhões por ano, 4% do PIB atual. Em valores de hoje, essas isenções parciais ou totais de impostos teriam de cair uns R$ 150 bilhões. Na prática trata-se de aumento de imposto que pega cesta básica, descontos de IR com saúde e educação, remédios, filantrópicas..."
Enfim, Paulo Freire propõe algo parecido com o que foi feito no Chile, só que com um quarto de século de atraso. Lá o povo sentiu alguma melhora no início, mas, ao perceber direito quais as consequências em médio e longo prazos, está indo às ruas com fúria avassaladora.
Aqui, em momento no qual o neoliberalismo derrete em escala global, dificilmente teremos melhora equivalente à que se registrou no Chile.
Quem (sobre)viver, verá. (por Celso Lungaretti)
2 comentários:
Paulo Freire?
O natimorto liberalismo não é tempestivo.
É o retardo tradicional de nosso país.
Sempre atrasado.
Nem sei se é tão mau assim.
Veja o fracasso do leilão do pré-sal.
10% de petroleiras chinesas e o resto da Petrobrás a mando do governo.
Ninguém mais apareceu.
Nesta área está parecendo um governo Lula3.
Ainda bem que os campos sem lances não foram impostos a Petrobrás, como era a regra antes.
Sempre chegando atrasado e com timing pífio, só fizeram isso quando a Arábia Saudita está vendendo 5% da sua companhia. Para onde iria o capital?
E o petróleo já não esta mais no horizonte energético.
Não foi por falta de pedras que acabou a idade da pedra.
Vai? Não vai.
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