josias de souza
BRASIL OPERA NA
ARGENTINA SEM BÚSSOLA
A pluralidade de interlocutores faz da diplomacia algo extremamente singular. A atividade é feita de tradição e princípios. Nela, a regra é sempre menos perigosa do que a improvisação. Sob Jair Bolsonaro, porém, subverteu-se até o mais trivial dos princípios. Foi para as cucuias o princípio da não intervenção em assuntos internos de outros países.
Ao meter-se na disputa presidencial da Argentina, Bolsonaro conseguiu a proeza de se tornar inimigo de um presidente que as urnas ainda nem deram à luz. Isso pode ser péssimo para os negócios.
Os argentinos irão à sorte do voto neste domingo. As pesquisas indicam que Mauricio Macri, o preferido de Bolsonaro, será derrotado por Alberto Fernández, que carrega Cristina Kirchner na vice. De acordo com o vaticínio do capitão, a Argentina vai virar uma nova Venezuela.
Ainda que virasse uma sucursal do inferno, o governo brasileiro teria de dialogar com o capeta. Por uma razão singela: a Argentina é a terceira maior parceira comercial do Brasil.
Em 2018, a soma de exportações e importações revela negócios de US$ 25,6 bilhões. As operações foram superavitárias para o Brasil em US$ 3,86 bilhões. Em 2017, o saldo positivo foi ainda maior: US$ 8,18 bilhões.
Num cenário assim, a animosidade de Bolsonaro pode custar caro. O preço ficará ainda mais amargo se o prejuízo alcançar o acordo firmado entre Mercosul e União Europeia.
O presidente brasileiro não decide quem os argentinos vão colocar na Casa Rosada. Cabe-lhe definir apenas a melhor estratégia para se relacionar com o eleito, seja quem for.
O diabo é que, em matéria de política externa, Bolsonaro diz uma coisa e pratica o contrário.
Diz promover relações internacionais sem viés ideológico. Na prática, idealizou com Macri um relacionamento do tipo Dilma-Kirchner ou Lula-Chávez.
Em vez de aprender com os erros dos antecessores, Bolsonaro mimetiza-os. Sofre da mesma patologia: a soberba da infalibilidade.
Quanto mais erra, mais Bolsonaro persiste na dissimulação. Nos Estados Unidos, declarou-se apaixonado por Donald Trump, agora às voltas com um pedido de impeachment.
Em Israel, o capitão encostou sua imagem na figura do primeiro-ministro Benjamim Netanyahu, que comunicou há uma semana que não conseguirá formar um governo de coalizão, abrindo espaço para que o rival Benny Gantz o substitua no comando do país.
Achegando-se a Trump, Bolsonaro inquietou a China, maior parceira comercial do Brasil.
Aproximando-se de Netanyahu, irritou árabes e muçulmanos, grandes clientes do agronegócio brasileiro.
Agora, percorre a Ásia e o Oriente Médio num esforço para reduzir danos, preservar negócios e atrair investimentos.
Bolsonaro demora a perceber que, nas relações internacionais, o pragmatismo é melhor conselheiro do que o ódio o amor. Na diplomacia, nenhum sentimento deve estar acima do interesse nacional.
Personalismo e ideologia são os dois caminhos mais curtos para o brejo. Sobretudo num instante em que o Itamaraty opera sem bússola.
Nesse ambiente, não poderia haver pior solidão do que a companhia do chanceler Ernesto Araújo —ministro da cota do polemista Olavo de Carvalho.
Não há o risco de dar certo. (por Josias de Souza)
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