Todo presidente tem de ensopar o paletó, esfalfando-se durante quatro anos para realizar uma boa administração. Com exceção, naturalmente, de Jair Bolsonaro, cujo governo já nasceu pronto.
Neste sábado (6), o capitão foi à festa julina do Clube Naval, em Brasília. Aproveitou para fazer um comício. Considerando-se reeleito, declarou o seguinte:
"Pegamos um país quebrado moral, ética e economicamente. Mas se Deus quiser nós conseguiremos entregá-lo muito melhor para quem nos suceder em 2026".
Noutros tempos, os políticos evitavam escancarar seu desejo de poder. Dizia-se que a função pública era um suplício que não se postulava, para o qual os correligionários ou as massas convocavam.
Há três meses, o próprio Bolsonaro disse, num discurso no Planalto: "…Não nasci para ser presidente, nasci para ser militar". Soou menos ambicioso: "Não me sobe à cabeça o fato de ser presidente. Eu me pergunto, eu olho pra Deus e falo: O que eu fiz para merecer isso?"
De repente, alguma coisa subiu à cabeça do presidente. Para susto dos tecelões do Congresso, que temem colocar azeitona na empada de Bolsonaro ao aprovar a reforma da Previdência, o capitão transforma a reeleição no seu tema compulsivo.
Agora, ele quer, sim, ser reeleito. Passou a adorar o emprego. No melhor estilo nunca antes na história desse país, jactou-se:
"Não temos, graças a Deus, nenhuma acusação de corrupção. Aquilo que parece que estava fadado a fazer parte de nossa história ficou para trás".
Quem ouve o presidente fica com vontade de beber do mesmo quentão e viver no país que ele escolheu para si, seja onde for.
Não é justo que o resto dos brasileiros tenha de permanecer num Brasil em que há meia dúzia de ministros suspeitos —um deles condenado por improbidade—, o laranjal do PSL, as encrencas do primogênito Flávio Bolsonaro e o cheque do ex-faz-tudo Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O cérebro do político começa a funcionar na hora em que ele nasce. E só pára no instante em que ele sobe no caixote.
No comício do Clube Naval, Bolsonaro se absteve de levar em conta que o único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é o dicionário.
Fora dele, um presidente capaz de produzir prosperidade econômica não precisa pleitear a reeleição, pois ela lhe cairá no colo.
2 comentários:
A Chinesa (La Chinoise) é um filme de Jean Luc Godard que trata - em seu estilo mais que peculiar - dos estudantes maoistas do maio de 68 francês. Pelas tantas um personagem descreve metaforicamente a natureza do discurso esquerdista da seguinte forma:
Na Índia antiga julgava-se que sua língua - o híndi - era um dom dado diretamente pelos deuses a cada pessoa, não algo aprendido ou ensinado.
Um rei mais cético decidiu que precisava provar isso e resolveu fazer um experimento: um grupo de crianças ao nascer seria apartada de quase todo convívio humano e isolada, nunca ouviriam uma palavra de quem delas cuidasse. Na idade de falar se saberia se elas usariam a língua de seus pais ou não.. O que provaria a origem divina da língua sem sombra de duvidas. Mas ao fim da experiência, para decepção geral, as crianças somente baliam como ovelhas... pq o local que foram criadas era próximo ao abrigo de um rebanho de tais criaturas.
Vi esse filme na época, valeu sobretudo por ter, de certa forma, antecipado a Primavera de Paris.
Para quem não o conhece (suponho que quase todos os leitores deste espaço), vc dá a impressão de que era um filme contrário aos jovens esquerdistas. Nada disto. Mostra, de forma até afetuosa, seu aprendizado revolucionário ingênuo e, no final, cada um sai para se defrontar de uma maneira diferente com a realidade. O tema musical é muito marcante: https://youtu.be/IfuFjA2NOx0
Só não enxerguei qual a relação da fita do Godard com o artigo do Josias de Souza, que nem de longe é um esquerdista.
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