Se há algo de cuja qualidade o Brasil pode jactar-se é a sua música.
A profunda miscigenação brasileira entre índios, africanos e europeus (estes últimos com predominância portuguesa e italiana) gerou um caldo de cultura do qual resultaram os mais variados e belos ritmos.
O samba é filho direto das batidas rítmicas dos tambores africanos, que foram adquirindo sonoridades as mais variadas até deixarem de ser a música proibida pelas elites racistas brasileiras, transformando-se na nossa identidade cultural maior.
O xote e o baião nordestinos, trazidos para o sudeste brasileiro pela voz de Luiz Gonzaga, tem um pé no vira português, ainda que se assemelhem também à batida rock’n’roll (que é do sul-estadunidense negro segregado), como dizia Raul Seixas, o mais autêntico representante da rebeldia brasileira do gênero.
O rei do baião cantou a saga nordestina com força, brio e um balanço típico da região do semi-árido, tendo suas composições valorizadas pelas letras de Humberto Teixeira, Zé Dantas e outros conhecedores da realidade sertaneja.
O rei do baião cantou a saga nordestina com força, brio e um balanço típico da região do semi-árido, tendo suas composições valorizadas pelas letras de Humberto Teixeira, Zé Dantas e outros conhecedores da realidade sertaneja.
O chorinho é a simbiose da suavidade melódica da polca europeia com o ritmo apressado da batida dos tambores africanos, tão bem expressado por Joaquim Callado, Ernesto Nazareth e Zequinha de Abreu.
O samba-canção é a mistura dos ritmos americanos e europeus com a malemolência do samba, capaz de embalar de modo melodicamente gracioso a mais profunda dor de corno, ao mesmo tempo fazendo o elogio à mulher como merecedora do amor mais profundo e visceral.
Este ritmo bem brasileiro teve em Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e Ângela Maria os seus mais expressivos intérpretes.
Este ritmo bem brasileiro teve em Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e Ângela Maria os seus mais expressivos intérpretes.
A música sertaneja, nos seus mais variados andamentos, é a expressão do Brasil profundo, com identidade própria, que vai do caipira Jeca de Mazzaropi até os atuais e sofisticados cowboys urbanos tupiniquins do centro-oeste brasileiro, que arrastam multidões aos palcos, sem qualquer complexo de inferioridade imitativa do country estadunidense.
As nossas marchas carnavalescas, desde o século 19 (com Chiquinha Gonzaga e o seu “Ô abre alas”, e Zequinha de Abreu com seu famoso choro “Tico-tico no fubá”, até do repetidíssimo choro “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo, já em 1947), se acrescem às marchinhas maravilhosas de Francisco Alves (o Chico Viola) e Orlando Silva (o cantor das multidões), que embalaram nossos carnavais como uma das maiores festas populares mundo afora, e correspondem a um fio melódico característico da nosso deboche momístico e à nossa alegria de viver, apesar de tudo...
Que essa nossa capacidade de transcender a dor pela música e de fazer piada sobre o próprio sofrimento não sejam um dia apenas um forma de catarse, tornada desnecessária quando o Brasil proporcionar um viver confortável e digno para a maioria de sua população sofrida!
A música brasileira é forte também nos ritmos internacionais consagrados. Tivemos, p. ex., um Carlos Gomes, paulista nascido em Campinas no ano de 1836, grande maestro e compositor reconhecido por obras como o seu espetacular “O Guarani”, que encantou o mundo e levou o italiano Giuseppe Verdi, seu mestre, a dizer questo Giovanni comencia dove finisco io (este jovem começa de onde eu termino).
Até Joan Baez gravou a ária da "Bachiana Brasileira nº 5", de Villa-Lobos
.
Que dizer de Heitor Villa-Lobos, o compositor brasileiro mundialmente reconhecido e capaz de fazer a ligação perfeita entre o chamado bel canto da música erudita com temas regionais, uma vez que pesquisou pessoalmente os ritmos do Brasil profundo para tematizá-los em sua magnifica e imortal obra?
Que dizer do maestro cearense Eleazar de Carvalho, que dividiu os palcos europeus com o lendário Leonard Bernstein? O Ceará, além de Everton Cebolinha no futebol, também engrandeceu o nome do Brasil musical mundo afora.
Chico Buarque reverenciando Noel, uma de suas maiores influências
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Que dizer de Noel Rosa, o poeta da Vila Isabel, que, em poucos anos de vida, nos deixou um legado imortal de músicas que podem ser consideradas como a melhor crônica da brasilidade moldada nesse ritmo herdado da nossa ancestralidade afro-brasileira, o samba?
Que dizer do carinhoso Pixinguinha, capaz de compor melodias inesquecíveis e de tocar vários instrumentos (flauta, saxofone, piano, etc.), que um dia foi obrigado a entrar pela porta dos fundos de um hotel luxuoso onde iria se apresentar e respondeu com sua “Lamento”, hoje reconhecida como um clássico da nossa música?
O samba tem precursores remontam à era do disco de cera e do rádio. Sua velha guarda é formada por Donga, João da Baiana, Sinhô, Heitor dos Prazeres, Ismael Silva, Elton Medeiros, Cartola, Nelson Cavaquinho, Mansueto e João de Barro, vindo depois outros compositores de ritmos variados como, Herivelto Martins, Jair Amorim, Evaldo Gouveia e tantos outros cujas músicas estão perpetuadas na nossa melhor memória afetiva e musical.
Araci de Almeida, Emilinha Borba, Marlene, Dalva de Oliveira e Ademilde Fonseca compõem a galeria das grandes cantoras brasileiras que gravaram desde chorinhos, passando por sambas-canções e outros ritmos que hoje são clássicos da melhor música popular brasileira.
Mas foi Carmem Miranda, nascida em Portugal em 1909 e chegada ao Brasil com meses de idade, quem se encarregou de mostrar ao Tio Sam, em primeira mão a qualidade da música popular brasileira, interpretando os sambas de Dorival Caymmi, Assis Valente, Aloisio de Oliveira, Ari Barroso e sua “Aquarela do Brasil” (gravada inicialmente por Francisco Alves em 1939, mas que correu mundo na voz da pequena notável).
Coube a Carmem Miranda, interpretando “Taí”, de Joubert de Carvalho, obter o primeiro grande sucesso nacional radiofônico que projetou essa excepcional cantora-atriz no nosso cenário artístico. Essa brasileiríssima intérprete, com sua voz, trejeitos e requebros aliados a um mise-en-scene tropicalista, conseguiu o feito de colocar a MPB no topo do mundo.
A "Aquarela do Brasil" apareceu até nos filmes de Walt Disney
.
Entre os anos de 1940 e 1950, Carmem Miranda foi a cantora-atriz a pagar a maior soma de imposto de renda entre todos os artistas estadunidenses, fato que por si só dá bem a dimensão da popularidade dessa artista de alma brasileiríssima, e especialmente carioca, já que toda a sua formação artístico-cultural se desenvolveu no Rio de Janeiro. (por Dalton Rosado)
(continua neste post)
Observação: complementarmente, os leitores podem acessar uma retrospectiva da grande música brasileira da 2ª metade dos anos
60 (e do pouco que dela restou nos '70), A época de ouro da
60 (e do pouco que dela restou nos '70), A época de ouro da
4 comentários:
Oi, Celso, tudo bem?!
Para os intelectuais, Introspectivo;
Pro provão, esquisitão;
Para os intelectuais, ranzinza;
Pro provão, chato;
Para os intelectuais, Dono de personalidade forte e difícil;
Pro provão: "não vou ver, nem que me pague".
Pra mim, focado, perfeccionista, tímido que usava
uma "capa" de chato, pra se proteger de aproveitadores,
e das maldades do Mundo.
Um abraço do Hebert, e bom fim de semana.
https://www.youtube.com/watch?v=58EVXuu6ZLE
Tudo bem, Hebert, e contigo?
Como o post é do Dalton, seria indelicado eu passar na frente. Ele costuma sempre responder.
Um abração!
Celso
Caro Herbert,
o João Gilberto foi um gênio da música nos quesitos criação de arranjos musicais, execução instrumental e interpretação personalíssima. A unidade desses três elementos foi o que lhe permitiu fazer do gênero samba tradicional uma variação melódica com um timbre jazzístico que encantou (e ainda encanta) o mundo.
Foi ele (juntamente com o maestro Tom Jobim e o poeta Vinicius de Moraes) quem nos colocou no mapa da música mundial executando um gênero genuinamente brasileiro. Somos mundialmente respeitados e reconhecidos por isso.
Não é nenhum demérito cantarmos outros gêneros como o tango argentino; o blues, rock e reggae dos Estados Unidos; a salsa cubana; o Vira e o fado de Portugal; o flamenco espanhol; a tarantela italiana; e por aí vai. Reconhecermos e apreciarmos a qualidade desses ritmos estrangeiros só nos engrandece.
Mas é muito bom sabermos que nós temos uma identidade musical, o samba, e a variação denominada Bossa Nova foi quem deu um toque de qualidade sonora e suavidade melódica a esse ritmo gostoso e admirado que traduz nossa brasilidade expressa na alegria de viver e capacidade de superação diante das tragédias sociais a que é submetido secularmente.
Quem conhece música (os instrumentista de violão, por exemplo), sabem como as múltiplas variações de tons e semitons da Bossa Nova dão a ela grande qualidade pela sofisticação saudável e graça inconfundíveis. Esse é o cadinho que encantou o mundo.
Considero que os ritmos populares (todos) sempre ganham qualidade com o passar do tempo, razão pela qual tenho muito cuidado com discriminações apressadas. Mas uma coisa é certa: o povo brasileiro merece educar o ouvido para coisa boa, e isso dificilmente ocorre quando o mercado fonográfico trata a música como mercadoria de consumo descartável.
João Gilberto fez um biscoito fino a partir dos bons ingredientes fornecidos por maravilhosos compositores da MPB; esse é um mérito que devemos apreciar.
Concordo com a sua conclusão final. Obrigado pela intervenção que me proporcionou fazer um release do tema.
Dalton Rosado
Oi Dalton, tudo bem?!
Você mencionou por coincidência,
o Selo de nome Biscoito Fino, com arte diferenciada daquela,
cujo percentual de divulgação e vendas, são único objetivo.
Assim como João, Bethânia e Ed Motta, sempre foram aficionados,
pela técnica ( já que possuem preocupações que vão além da
"casa cheia " ).
Como você deve saber, o último andou fazendo duras críticas,
ao comportamento do público atual, assim como duetos de "homenagem"
a Tim Maia, entre outros artistas falecidos, e cooptação da MPB.
Abraço do Hebert, e bom final de semana a você e ao Celso.
https://www.youtube.com/watch?v=xHi7ZHBA-so
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