sexta-feira, 28 de junho de 2019

A GRANDE DIÁSPORA MUNDIAL – 1

"Não dá para viver na Líbia. Então, eu decidi fugir de barco. É preciso escolher entre morrer no mar ou morrer por causa de uma bala. Eu preferi o mar (Aída, 41 anos, resgatada em 2018 no Mediterrâneo pela ONG Médicos Sem Fronteiras) 
.
A imagem de uma criança síria morta numa praia da Turquia em 2015, como resultado da imigração forçada por uma guerra cuja crueldade chocou o mundo, é bem mais expressiva do que as frias estatísticas. 

Corresponde, no seu contexto conceitual, às mesmas causas da imagem abaixo, recém-divulgada e que provocou idêntica repulsa, na qual um pai salvadorenho e sua filha de dois anos morrem afogados durante uma temerária tentativa de, exatamente, salvarem suas vidas. 

Já ao presidente destrumpelhado e aos muitos que priorizam acima de tudo a manutenção de suas luxos e privilégios,  tais episódios não chocam: sentindo-se incomodados com a presença dos coitadezas do capitalismo, consideram que os mortos são culpados pela própria morte, pois cometeram invasão não autorizada.

Por outro lado, para quem ainda guarda um pouco de sensibilidade humana e lucidez sobre a tragédia que se abate sobre a humanidade, aquelas mortes correspondem a dois assassinatos político-econômico-governamentais, cujos responsáveis têm nome e sobrenome.
Oscar Martinez Ramirez e filha: mortos na etapa final de sua jornada, quando os EUA estavam tão perto!
Vivemos a maior diáspora já registrada nos anais da história da humanidade e ela ocorre, simultaneamente, nos cinco continentes, não se podendo, portanto, minimizá-la como um fato social pontual, pois a sua abrangência e gravidade atestam o contrário. 

Nem se resume a uma questão de bom ou mau gerenciamento governamental. Trata-se, isto sim, da evidente saturação de um modelo social que não encontra conexão entre forma e conteúdo.

Estamos diante de um fenômeno que exige de nós muito mais do que prestação ou não de solidariedade às vítimas da hora. Trata-se de uma questão de responsabilidade social com nossos semelhantes, inclusive com aqueles que não foram (ainda) atingidos pelas labaredas do fogo que consome a lógica incendiária do capital. 

O fogo metafórico de que falo soma-se ao fogo real que ora consome a culta e ainda relativamente rica Europa, como nunca antes tinha acontecido, ateado pelo ecocídio igualmente em curso e pelas mesmas causas. 

Por que os Estados Unidos são a última ilha de prosperidade num mundo capitalista que desaba?

A resposta a esta pergunta não pode ser outra senão aquela que afirma a existência de vários fatores conjugados que ainda permitem o fausto da economia estadunidense quando comparada com a de outros países. 

Tal situação peculiar é (equivocadamente) utilizada como argumento para a afirmação da pretensa competência e correção de métodos e conceitos de Trump, bem como para erigi-lo em exemplo a ser seguido pelos desavisados.

A prosperidade estadunidense está na inversa proporção da pobreza mundial —não apesar,  mas por causa de tal pobreza—, daí a inconsequência ou amoralidade dos que a apresentam como modelo a ser imitado e buscado. 

Quando se analisa com lente de cuidadosa apreciação crítica os dados da economia estadunidense pode-se facilmente concluir que ela se assenta sobre artifícios que lhe são úteis e passam despercebidos no presente, mas que serão catastróficos no futuro próximo. e

Será quando poderemos comprovar, com a máxima clareza, que o gigante tinha (e tem) pés de barro. (por Dalton Rosado)
(continua neste post)

"...quando há uma terra prometida/ o bravo irá e outros o seguirão/ a beleza
do espírito humano/ é a vontade de realizar os próprios sonhos/ e assim,
as massas atravessam o oceano/ em direção a uma terra de paz e
de esperança/ mas ninguém ouviu uma voz ou viu uma luz/
enquanto era jogado na costa/ e ninguém foi recebido
pelo eco da frase Eu levanto minha lâmpada
junto à porta dourada..."

6 comentários:

SF disse...

Olhaí Dalton,
André Jakurski chegou as mesmas conclusões que você e afirmou que estamos na fase final do capitalismo.
Por toda parte gente séria está dizendo a mesma coisa.
Game over!

Jakurski in https://braziljournal.com/nao-e-o-ativo-que-sobe-e-o-dinheiro-que-cai-jakurski-resenha-o-capitalismo

Anônimo disse...

verdade...as pessoas estão fugindo de Miami para Cuba...

Henrique Nascimento disse...

Tenho as minhas dúvidas se os EUA apresenta ainda essa pujança da riqueza. Eles podem ter o maior PIB do planeta e deter ainda a maior parte da tecnologia de ponta. Indicadores recentes, todavia, mostram que eles vêm se deteriorando do ponto vista social. Um exemplo disso é o acesso ao sistema de saúde. O estado, com sua dívida exorbitante, não quer mais bancar. Se for passear nos EUA aconselho não ficar doente por lá!

celsolungaretti disse...

Caro leitor das 8h58,

essa obsessiva e recorrente tentativa de colocar Cuba, que pratica um capitalismo de Estado, como exemplo da antítese capitalista, além de conceitualmente equivocada, não pode servir de eterna afirmação da validade de um projeto capitalista que degringola mundo afora.

Além dos embargos econômicos injustificáveis a Cuba, quando os Estados Unidos aceitam conviver com os assassinos da Arábia Saudita sem nenhum pejo, devemos considerar que os índices de IDH cubanos são os melhores do América Central como decorrência de um país no qual toda a população (principalmente a etnia negra, bastante numerosa) é alfabetizada e tem assistência médica socialmente assegurada, entre outros fatores sociais elogiáveis.

Tais constatações não nos impedem de criticar a permanência por lá de todas as categorias capitalistas (trabalho abstrato e extração de mais-valia estatal, dinheiro, mercadoria, mercado, etc.) e da existência e fechamento vertical do poder político.

Dalton Rosado.

celsolungaretti disse...

Caro SF,

a correta constatação de André Jakurski sobre a decomposição do valor, o dinheiro, obedecem à análise de fatos que vêm ocorrendo na empiria do mercado. Nela não há diagnóstico de profundidade sobre as razões do fenômeno, mas da evidência dos fatos. A crítica dele parte do que considera como medidas administrativas equivocadas diante do gigantismo do Estado. Quer, como Paulo Guedes, seu parceiro, o Estado mínimo liberal, com função de mero defensor da economia de mercado, sem preocupações de atendimento das demandas sociais.

Ele não quer, nem de longe, admitir a minha análise, segundo a qual a implosão do capital se dá por seus próprios fundamentos; não quer admitir o limite interno absoluto da capacidade de expansão capitalista sem a qual desmorona todo o edifício construído sobre sua base acanhada.

Se chegamos a diagnósticos idênticos em alguns pontos sobre a empiria atual, temos profundas divergências quanto aos remédios a serem adotados: ele quer consertar o que considera como desvios capitalistas; eu quero superá-lo. São objetivos bem diferenciados.

Um abraço, Dalton Rosado.

SF disse...

Claro Dalton que não há comparação, mas o que chamou a atenção foi o fato de publicarem esta preocupação interna da nata capitalista.
Claro que eles tentarão soluções dentro da lógica do capital.
Ocorre que são pessoas muito inteligentes e chegarão também a algo próximo ao que você quer.
Ao inculpar o Estado esta turma está bolando uma nova moeda digital: a Libra do facebook. Que seria lastreada em títulos e teria conversibilidade para quase todas as moedas. Isso via celular a nível planetário.

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