quarta-feira, 13 de março de 2019

O MAIOR ATAQUE DA HISTÓRIA DO FUTEBOL

Perdemos Coutinho. Para quem tem 68 anos, como eu e Celso Lungaretti, é inevitável a constatação de que os heróis da nossa mocidade, jovens como nós éramos àquela época, estão se indo.

Em 1958, ainda um garoto de oito anos, assisti à euforia incontida do Brasil, redimido pelas chuteiras de um escrete de ouro na conquista da Copa do Mundo na Suécia. O ataque da seleção era Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagalo.

As transmissões radiofônicas dos jogos do Brasil, entremeadas de interrupções pelas deficiências da comunicação de seis décadas atrás, faziam a nossa imaginação fantasiosa delirar com os maravilhosos exageros dos locutores que exaltavam os nossos feitos nos campos da Europa.  

Foi quando me apaixonei pelo futebol, desejando ser um jogador e vestir a camisa amarelinha. Dormia abraçado a uma bola de futebol; o melhor presente que recebi naquele tempo foi uma bola de couro novinha em folha. 

Não via a hora de me livrar dos encargos escolares para disputar um racha, como se diz aqui no Nordeste. 

De tanto praticar cheguei a compor as categorias de base do time da minha cidade, até que a vida adulta me obrigou a seguir por outros caminhos. 
O ataque que todos conheciam de cor (da esq. p/ a dir.): Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.
Mas o amor ao futebol permaneceu em mim, como mais um dos milhões de técnicos que se põem a explicar taticamente os motivos de uma derrota ou vitória do seu time.  

Depois de 1958, quando despontou para o mundo o Pelé, rei do futebol, veio a era do Santos Futebol Clube, cujo ataque viria a ser Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, que rivalizava com outro gigante da época: o Botafogo de Futebol e Regatas, meu time predileto. 

O Botafogo tinha um ataque quase tão poderoso quanto o do Santos, formado por Garrincha, Didi, Quarentinha, Pelé e Zagallo. Ambos eram a base do ataque da seleção brasileira.  

O Santos tornou-se um referência internacional, mesmo num tempo em que as comunicações entre os continentes eram ainda incipientes. Não só conquistou o mundo, como o seu ataque passou a ser considerado o melhor da história do futebol.  
Coutinho em ação, enfrentando o Botafogo em 1962

O clube é o segundo maior campeão brasileiro, com 8 títulos; e, ao lado do São Paulo e Grêmio, encabeça a relação dos times de nosso país com mais Copa Libertadores conquistadas (3 cada).

Mas, claro, seus troféus mais valiosos são os dos gloriosos Mundiais de 1962 e 1963 (hoje não mais considerados como tais pela Fifa porque eram disputados apenas entre o campeão das Américas e o campeão da Europa, daí terem sido rebatizados de Copa Intercontinental).

Lembro-me bem de como era prazeroso ver no cinejornal Canal 100 os gols do Santos, geralmente em partidas do torneio Rio-São Paulo e do campeonato paulista, muitos deles frutos de tabelinhas Pelé/Coutinho, tudo acompanhado pelo gostoso samba do Luís Bandeira que dizia: 
"Que bonito é, as bandeiras tremulando, a torcida delirando, vendo a rede balançar..."  
Como era bom ver o time do Santos jogar para o ataque numa conjunção de técnica esmerada, velocidade do pensar e do agir, entrosamento e qualidades individuais díspares, mas complementares. 

Dorval (198 gols) era um crioulinho veloz e serelepe, que ia com facilidade até a linha de fundo. 

Mengálvio era o meio de campo protetor que, junto com a incrível capacidade de movimentação de Zito, alimentava o ataque com lançamentos precisos.
Com 2 gols de Pelé e 1 de Coutinho, Santos vence Benfica em 62
Coutinho (370 gols) e Pelé (1.091 gols) tinham uma capacidade de tabelar, no pequeno espaço da entrada da área e adentrando pela mesma, que deixava loucos os defensores. 

Pepe era o canhão da Vila [Belmiro, bairro onde se localizava o estádio santista], com chutes de 125 km por hora. O homem das cobranças de bolas paradas, que, com seus 450 gols marcados, se dizia o maior artilheiro do Santos, explicando em seguida que Pelé não era deste mundo, daí a impropriedade de compará-lo com os meros mortais...      

As conquistas regionais, nacionais, sul-americanas e internacionais do Santos foram as maiores de um clube brasileiro no século passado. 

Números impressionantes, com a equipe praiana chegando a jogar em mais de 60 países e sendo responsável pela interrupção de guerras na África. Os passaportes do jogadores dos Santos tinham que ser renovados antes mesmo do seu término por fala de espaço para os carimbos alfandegários. 

O mundo se curvou ao talento futebolístico daqueles brasileirinhos vindos dos guetos maltrapilhos para serem recebidos como reis nos salões pomposos da Europa.
63: vitória heroica sobre o Milan no bi mundial

Infelizmente agora vivemos um momento de baixa, a ponto de o selecionado principal do Brasil estar há anos sem marcar sequer um gol de falta, o que nos dá saudades não apenas do Pepe, mas também de Didi, Gerson, Rivellino, Nelinho, Éder, Neto, Marcelinho Carioca e Zico, exímios cobradores do de infrações.     

Acresce-se aos infortúnios dos dias atuais o momento de dor pela perda de Coutinho, o mais simples coadjuvante do esplendor de Pelé, e que, justamente por isto, deve ser reconhecido pela importância que têm todos aqueles que iluminam o palco para que outros apareçam. 

Coutinho era assim. De pouca fala, sempre cumpriu de forma impecável seu papel de apoiar a genialidade do rei. Mas, não são os brasileiros anônimos que, com seus esforços, fazem a grandeza do País? 

Coutinho é a representação do abnegado que ajuda a carregar o piano, sem ter inveja dos que recebem os holofotes da fama maior. 

Adeus, Coutinho! Os milhões de indispensáveis brasileiros coadjuvantes reverenciam a sua glória. (por Dalton Rosado)
Coutinho marcou 2 gols nesta partida do campeonato paulista de 1965

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