terça-feira, 26 de março de 2019

A "CONFISSÃO" DE BATTISTI NÃO CONVENCE OS PERSPICAZES: HÁ MAIS NO QUADRO DO QUE OS OLHOS ESTÃO VENDO...

Recebi muitas cobranças de um posicionamento sobre a "confissão" de Cesare Battisti, então vou dar uma primeira visão do assunto, incompleta, pois por enquanto só conhecemos o que a parte mais poderosa afirma. 

Faço questão de colocar "confissão" entre aspas porque há, evidentemente, algo de errado com ela: só convém aos ultradireitistas italianos e brasileiros, além de incluir trechos extremamente constrangedores, como o de que ele teria mentido aos esquerdistas daqui para que o apoiassem.

Leva todo jeito de ser uma forma de os inquisidores italianos retaliarem os que denunciamos a atuação deles como extremamente autoritária e arbitrária. Por que um prisioneiro beijaria as mãos dos que lhe moveram uma perseguição tão rancorosa e obsessiva, ao mesmo tempo agredindo aqueles a quem deveria ser grato? Não faz o menor sentido. 

Percebe-se claramente que, haja ele falado isso num depoimento ou até manuscrito num papel, teve algum motivo que desconhecemos o impelindo, talvez aquele que o Tarso Genro aventou (e foi a primeira coisa que me passou pela cabeça, tão logo que eu tomei conhecimento da notícia da Agência Ansa): a possibilidade de ser uma farsa à qual ele teria se prestado em troca de algum favor dos que o mantêm prisioneiro em função de uma sentença que já estaria prescrita em países menos draconianos e de crimes políticos que deveriam ter sido objeto de anistia há décadas.

Não irei mais longe antes de saber algo além da versão oficial, sempre inconfiável em se tratando das autoridades que hoje temos na sociedade em que hoje vivemos. 

Mas não hesito em desde já afirmar que, parafraseando uma canção seminal de Neil Young, "há mais no quadro/ do que os olhos estão vendo". (Celso Lungaretti)

8 comentários:

Anônimo disse...

Sim, "há mais no quadro do que os olhos estão vendo", mas para um cego que não quer enxergar... o quadro nem sequer existe!!!

celsolungaretti disse...

Então compre óculos, anônimo, quem sabe eles resolvem o seu problema.

Não se esqueça de que está tratando com alguém profundamente familiarizado com tais situações, pois as vivenciou na carne e viu companheiros sofrendo com elas nos anos de chumbo.

Conheci, nos mais ínfimos detalhes, como se processavam tanto os "arrependimentos" arrancados sob coação extrema, quanto os negociados com prisioneiros que queriam abreviar sua estada no cárcere (e como eram apresentados à opinião pública, em meio a uma enxurrada de mentiras e distorções).

Daí minha cautela. Salta aos olhos que a coisa não foi como os inquisidores italianos querem fazer-nos crer, mas ainda não dá para saber exatamente o que levou o Cesare a essa espécie de suicídio moral.

Tenho certeza absoluta de que isto ainda virá à tona, permitindo-me então avaliar o caso com a profundidade necessária.

Quem prefere comprar gato por lebre pois a fábula inverossímil vem ao encontro de suas convicções reacionárias, não precisa de mais informações: já formou opinião, alinhando-se com os mais fortes, como sempre.

Eu preciso. Tento nunca ser injusto nas minhas avaliações.

Anônimo disse...

Celso, perdão pela franqueza, serei extremamente sincero aqui. Talvez não goste do que vou dizer.
Antes de tudo, admiro seu trabalho, sua trajetória e vejo sinceridade em tudo o que diz e escreve.
Contudo, no caso Battisti, acredito que errou do início ao fim. Mais que isso: está muito pessoalmente envolvido para enxergar com isenção, dada sua amizade com o italiano.
Ora, ele foi condenado pela justiça de um país democrático, existem vítimas que testemunham contra ele, existem companheiros da luta armada que também o fazem. Além disso, na Itália, esquerda e direita são unânimes em condená-lo: por lá a narrativa de perseguido nunca colou nem mesmo nas agremiações socialistas. E temos, por fim, a confissão.
Ele não atacou quem o apoiou, simplesmente disse uma obviedade: tinha que posar de perseguido para conseguir refúgio. Agora que está preso e não tem escapatória, faz a mea culpa e se desculpa com as vítimas, sem delatar ninguém. Não vejo incoerência alguma nisso.
Diga que se equivocou em relação ao italiano. É mais digno.

Anônimo disse...

Estou com e Celso nessa. Cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

celsolungaretti disse...

Anônimo,

se ele fosse meu amigo, eu o teria acompanhado até o fim e, provavelmente, evitado alguns erros muito danosos que ele cometeu.

Simplesmente, cumpri um dever sagrado para minha geração revolucionária: o de prestar solidariedade aos companheiros perseguidos.

O Comitê de Solidariedade pediu a minha ajuda e eu a forneci ilimitadamente. Depois que o Cesare foi libertado, contudo, preferiu enturmar-se com os chamados "organizados" da esquerda e não pareceu precisar mais dos préstimos de um lobo solitário, pois não os pediu.

Mas, recomendo que vc leia e pesquise mais sobre o assunto. A Itália que o condenou era democrática quanto às instituições estarem funcionando, mas sua polícia e sua justiça eram características de estados policiais, por força da histeria contra os ultras da esquerda após a morte do Aldo Moro. A coisa era tão extremada que um SUSPEITO de pertencer às várias brigadas então atuantes poderia ficar mais de 10 anos sob PRISÃO PREVENTIVA, ou seja, sem haver sido condenado a nada.

A direita italiana tem forte componente fascista e colocou Battisti como alvo unica e simplesmente porque Berlusconi o erigiu em símbolo a ser destruído. Era o remanescente de atentados obscuros cometidos por um grupúsculo. Mas, por haver se tornado escritor famoso na França, virou uma obsessão do Calígula contemporâneo, sempre obcecado por holofotes.

Quanto à esquerda que o execra, são exatamente os remanescentes da esquerda convencional e descaracterizada contra a qual os jovens insurgentes se rebelaram em 1968 e anos seguintes. A coisa foi feia, houve verdadeiras batalhas campais entre ambos os contingentes, pela liderança do sindicalismo. E, com o chamado "compromisso histórico", quem comandou a repressão policial contra os jovens revoltosos, em pequenas e médias cidades, não foram os democrata-cristãos, mas sim os COMUNISTAS!

O que você lê na grande imprensa e está repetindo no comentário é a versão dos poderosos de ontem e de hoje. E tudo isso eu já conhecia antes de receber o convite para integrar o Comitê de Solidariedade; foi outro grande motivo para eu aceitar o desafio, já que sou filho da geração 68 e passei minha militância inteira combatendo e sendo combatido pela esquerda que abdicou da revolução e foi gerir o capitalismo em parceria com a burguesia.

Quanto à confissão, pelo que conheço do ser humano (aprende-se muito numa vida como a minha, dividida entre os ideais revolucionários e a prática do jornalismo), ele jamais a faria dessa forma, com essas frases, se estivesse falando em liberdade e com sinceridade. Daí eu estar tentando entender como se armou esse espetáculo, com o conhecimento de causa de quem acompanhou a armação de muitos espetáculos semelhantes nos anos de chumbo brasileiros.

Finalmente, nunca me preocupou se um, cem, mil ou um milhão de pessoas me consideram digno. O que faço questão é de ser sempre verdadeiro.

Foi o que me permitiu resistir aos piores momentos, quando quase ninguém acreditava em mim. Submetido a pressão semelhante, houve quem se matasse. Eu mantenho minhas convicções e sigo meu caminho até o fim, sempre.

Henrique Nascimento disse...

No Brasil das décadas de 60 e 70 a "esquerda convencional e descaracterizada" era o Partido Comunista Brasileiro (PCB) liderado por Luís Carlos Prestes.

Hoje ainda temos o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que outrora era revolucionário, mas é hoje o atual gestor do "capitalismo em parceria com a burguesia".

Parabéns, Celso. Não é fácil ser verdadeiro!

sergio luiz da silva disse...

Muito bem, Celso!
Nesse momento, em que a turbidez é alta, o melhor a se fazer é aguardar por fontes confiáveis e fazer aquela análise perspicaz que lhe é tão peculiar.

Alessandro Alcântara disse...

Tá mais no que na cara que essa "confissão" foi forjada na base da tortura: só os inocentes, mentes fracas ou os direitistas que vive buscando motivo pra chutar a Esquerda, acreditam nela. Que sempre haverá direitista enchendo o saco faz parte, o horrendo foi a Grande Imprensa brasileira noticiar esse circo, jogando o joguinho da extrema-direita pra desmoralizar o adversário político (a Esquerda), mostrando do que os ditos liberais, que se dizem tão "bonzinhos" e "democráticos", são capazes de fazer, que são tão canalhas quanto a extrema-direita. Pior é o povo infantilizado e de mente fraca que assiste isso e acredita, os mesmos que não prestam atenção nas aulas de História sobre a Inquisição, sendo alienados a estarem do lado do inimigo.

É por esse motivo que não tive nenhum pingo de pena do Temer ter sido abordado daquele jeito pra ir preso: só lembrar que foi por causa dele que Battisti voltou ao inferno e virou troféu dos fascistas.

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