sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

EM COLETIVA NO FESTIVAL DE BERLIM, WAGNER MOURA DIZ QUE EXIBIDORES TEMEM PROGRAMAR "MARIGHELLA"

A coletiva com a crítica internacional, após
 a exibição do filme Marighella no Festival
 Internacional de Cinema de Berlim, acabou
se tornando, tacitamente, um primeiro ato
internacional de resistência ao governo de
 extrema-direita instaurado no Brasil
  (por Rui Martins, que está cobrindo o
festival a convite dos organizadores)
Não há a menor dúvida: a imprensa internacional está muito bem informada e acompanha atentamente o que se passa no Brasil, com o retrocesso social programado e a intenção de se refazer a história brasileira. 

A nova geração de jornalistas, que nasceu depois do golpe de 1964, não parece disposta a aceitar a intenção do governo Bolsonaro de anular os avanços obtidos depois do retorno à democracia, em termos de direitos humanos, da proteção à população pobre e negra e do respeito ao direito dos indígenas de viverem em suas terras.

Reafirmando sua vocação de ambições políticas, o Festival de Berlim, deu nesta 6ª feira, 15, espaço ao ator e agora realizador cinematográfico Wagner Moura para mostrar, como convidado especial, o primeiro filme por ele dirigido dedicado: a cinebiografia do resistente guerrilheiro Carlos Marighella.

Assassinado em novembro de 1969 nos arredores da avenida Paulista, o primeiro líder  e herói da resistência armada ao golpe militar é pouco conhecido pelas novas gerações. O filme Marighella, com Seu Jorge no papel principal, tem por objetivo preencher essa lacuna, embora não esteja garantida sua exibição nas redes normais de cinema. 
Wagner Moura, que foi aplaudido de pé em Berlim, lembrou o assassinato impune de Marielle Franco
Wagner Moura, o conhecido ator do filme Tropa de Choque, do realizador José Padilha, não tem papas na língua e considera seu Marighella como o primeiro produto cultural da cena brasileira sobre a luta contra o golpe de 64 e, ao mesmo tempo, um instrumento da resistência necessária em favor dos negros das favelas e dos indígenas, no Brasil de hoje

Seu Jorge não escondia sua satisfação por estar em Berlim representando o cinema brasileiro e por ter trabalhado com Wagner Moura, tendo assumido com paixão esse projeto e se dedicado inteiramente ao conhecimento da vida do líder Marighella, por meio de leituras, entrevistas e depoimentos de pessoas que com ele conviveram.

Wagner Moura explica a utilização da violência dentro do filme (que até se poderia ser considerado um action film) pela influência exercida sobre ele pelos realizadores belgas Irmãos Dardenne. "Como seria um filme feito pelos Irmãos Dardenne sobre Marighella?", indagou.

"A minha geração é muito alienada, mas os jovens da geração de Marighella deram sua vida por algo no qual acreditavam. Na resistência à ditadura, as pessoas se sacrificavam umas pelas outras. Marighella não só sacrificava sua vida na resistência, como sacrificava o tempo que poderia passar com seu filho Carlinhos", disse Wagner Moura.
Reverenciar um dos maiores heróis brasileiros é fundamental quando se tenta apagar a História do país
"Fala-se nas escolas brasileiras na Revolução Francesa, mas não se fala na necessária revolução dos negros no Brasil", acentua Wagner Moura. "No momento, o governo está refazendo a história brasileira, enquanto os professores já começam a ser vigiados. Já não querem mais que se diga golpe de 64 e sim movimento de 64. Ao mesmo tempo, procuram criminalizar a arte."

E prossegue: "Os exibidores estão com medo de programar meu filme nos cinemas. Queríamos distribuir o filme ao retornar de Berlim, porém isso parece não ser possível", diz Moura.

Explicando o porquê da falta de apoio da população aos resistentes, Wagner Moura lembra que, logo após a revolução cubana, os norte-americanos  sentiram a possibilidade de a esquerda chegar ao poder. Havia, então, muita propaganda junto ao povo para convencer a população de que os comunistas eram a pior coisa possível. Em Cuba, Fidel Castro logo teve apoio da população, porque ninguém mais acreditava no Batista.

"Marighella não foi um super-herói, era um ser humano com suas falhas, uma delas foi a de não ter se preocupado suficientemente com sua segurança, embora tivesse sido autor de um mini-manuel do guerrilheiro urbano", comenta Wagner Moura.
O filme tentou criar um Marighella para o Brasil de hoje
"A situação brasileira atual é horrível. É o pior momento para a população negra nas favelas e para a população indígena. O presidente é homofóbico e racista", lembra Moura. 

"Nós ficamos no foco ao fazermos este filme e vir aqui apresentá-lo. Nos deparamos com muita merda e vamos enfrentar muita merda, mas não temos medo. Se for mal para nós do filme, será muito pior para os setores da população ameaçados. O assassinato dos negros tem uma explicação, como disse um policial dentro do filme – se eu mato um negro é porque não posso matar um vermelho."

Se houver dificuldade para distribuir e mostrar o filme Marighella, o que será por si só um ato de censura indireta, a equipe de Wagner Moura fará exibições independentes no interior e dentro dos movimento sociais. "Seria um absurdo não se levar o filme para aqueles aos quais ele se destina", finaliza Wagner Moura. (por Rui Martins, diretamente de Berlim)

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