sábado, 24 de novembro de 2018

EM MEIO À ESCASSEZ E AGITAÇÃO SOCIAL, COM UM PRESIDENTE VAZIO, FUTURO DO NOVO GOVERNO É IMPREVISÍVEL – 2

(continuação deste post)
Serão estes os grupos de interesses engajados no novo governo?
O mais forte é o grupo neoliberal. Não tanto por causa de Paulo Guedes – um economista nulo –, mas pelo peso político do grande capital financista e a pressão por aprovar as reformas. O núcleo dominante do novo governo certamente sairá deste grupo. 

No entanto, a falta de tato político e a inexperiência de Paulo Guedes poderão representar um problema grave às articulações políticas para sustentar o projeto de radicalização neoliberal. O fato de Bolsonaro não contar com um partido sólido, e muito menos com nomes de peso dentro da plutocracia política, poderá ser um dificultador da vida do governo. 

Um choque pode se instalar entre militares e tenentistas, de um lado, e neoliberais de outro. O nível e amplitude das reformas propostas por Guedes e sua turma podem deixar insatisfeitos os dois primeiros grupos. 

Para além de questões corporativistas de carreira, há elementos de investimento no próprio poderio social do setor militar e do setor judicial. Pois não se trata apenas de preservar os nababescos salários de ambos os setores, mas também de preservar – ou ampliar – a própria estrutura material destes agrupamentos, visando até mesmo o futuro fortalecimento de sua influência no seio da sociedade. 

No entanto, o alcance de uma reforma neoliberal radicalizada poderia ser desastroso para a saúde econômica do Estado, provocando uma crise de subinvestimento no exército e no judiciário. Daí um possível choque com o setor neoliberal.

Contudo, por óbvio, um compromisso poderá ser traçado entre os grupos, sustando uma guerra total no interior do governo. 

O grupo fundamentalista possui de trunfo seus votos no Congresso e a influência popular. No contexto em que se prioriza a aprovação das reformas, os demais grupos podem ser coagidos a fornecer apoio às pautas fundamentalistas em troca do capital político destes: votos e defesa das reformas entre a população evangélica. 

Dito de modo geral, acredito que cada grupo se portará dentro do governo Bolsonaro de modo isolado, apenas se relacionando mutuamente quando for para salvaguardar interesses ou negociar apoios. 

Na prática, será como se existissem quatro mini-governos operando de modo mais ou menos independente. Bolsonaro não terá comando de nada, figurando apenas enquanto persona do regime, cumprindo o papel de entreter seus eleitores enquanto o trabalho sujo é feito nos bastidores. 

O centro nervoso do governo será a realização das reformas. Ouso até a dizer que o governo Bolsonaro só existirá para levar a cabo estas tais reformas. Se fracassar, só sobreviverá por milagre. Se vencer, também só sobreviverá por milagre.  
Pois, na verdade, ganhando ou vencendo, terá se tornado obsoleto e a tendência será sua substituição por um governo efetivamente programático e orgânico. 

Neste caso, os quatro grupos poderiam entrar em luta aberta pelos espólios do poder, tentando emplacar um possível sucessor.

Falta alguém neste cavalo?

A classe trabalhadora não foi convidada para participar. Até porque ela é o butim a ser saqueado pelos quatro grupos. 

Até o momento, a dita cuja se satisfaz em fruir a persona do novo presidente. Como se ele fosse um pop star, há uma admiração de curiosidade frente a Bolsonaro. Contudo, a morte trágica de John Lennon já mostrou o quanto um fã frustrado pode virar um raivoso inimigo. 

No entanto, a pergunta desta seção não remete à classe trabalhadora e sim à classe política. Quando analisamos os quatro grupos embarcados no cavalo de Troia Bolsonaro, não vemos ali os tradicionais grupos fisiologistas do Congresso e da plutocracia nacional. Não estão embarcados o PMDB, o PP, o DEM, o PTB, o PR, etc. Como Bolsonaro vai relacionar-se com eles? 

Representante de si mesmo, o presidente eleito jamais se importou em participar de articulações políticas no Congresso. Esteve sempre isolado dos grandes debates infra-parlamentares.  

Chegou mesmo ao ridículo de ter sido o candidato menos votado para presidente da Câmara em 2017, mostrando toda sua nulidade naquele espaço.

O discurso neoliberal e moralista do governo Bolsonaro poderá ser pura marquetagem, mas os reclames materiais do mundo não poderão ser ignorados. A fisiologia e o toma lá, dá cá não deixarão de existir porque agora estaríamos vivendo uma nova Era, neoliberal e pura. 

O enxugamento da máquina pública por parte do novo presidente, capitaneado pelos neoliberais, e o fechamento da torneira de recursos poderão ser um fator de instabilidade com a plutocracia política. Pior ainda no quadro em que ela não foi chamada para embarcar no cavalo e colocar suas cartas na mesa. 

Acreditar em um pretenso atalhamento do sistema político por meio de pressões diretas da burguesia ou da população em geral é um passo altamente arriscado. Por mais que a pressão popular e do dinheiro tenham considerável força, há complexos e solidificados interesses corporativos, cujas ramificações vão desde Brasília até os confins do país, e que precisam ser atendidos sob pena de erosão dos pilares governativos. 
Bolsonaro não chegou ao poder mediante uma revolução e não tem estatura para enfrentar o titânico poder do sistema político nacional profundo. 

Tampouco parece crível uma ideia de Moro enquanto um chantageador do baixo clero. 

Não apenas porque não parece ser esse o trabalho destinado ao ex-juiz, mas também pelo potencial de instabilidade política que ações desse tipo poderiam trazer.

Neste caso, só restaria abrir a porteira e recolocar em voga os velhíssimos jeitos de fazer política no Brasil, arriscando a fazer cair por terra o discurso da pureza moral e da austeridade econômica. Como reagirão, diante disso, os tenentistas togados e os neoliberais rapineiros? Aceitarão serem queimados publicamente em seus discursos e práticas ou vão pressionar contra?

No fundo, como antes, a questão da disputa em torno do fundo público será o decisivo para garantir o futuro do novo governo. Em época de escassez, de agitação social e de um presidente vazio, é difícil cravar com absoluta certeza o desfecho do processo. Apenas é possível dizer que serão tempos de alta turbulência. 

Quando a realidade exigir uma ação embasada e refletida de Bolsonaro, não adiantará fazer gesto de arma com as mãos ou denunciar o pretenso kit gay

Se tudo estiver desmoronando e a única resposta possível da liderança do Estado for palhaçadas, o espectador desinteressado talvez até venham a rir da cômica situação, mas os protagonistas só poderão lamentar a sua sorte. (por David Emanuel de Souza Coelho)

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