terça-feira, 16 de outubro de 2018

MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA DOS ELEITORES ATINGE NOVO PATAMAR DE EFICÁCIA E ISTO SE CONSTATA NA CAMPANHA DE BOLSONARO

david emanuel
de souza coelho
GUERRA HÍBRIDA, CAMBRIDGE ANALYTICA
E FAKE NEWS,
 OS PILARES DE BOLSONARO
candidato Bolsonaro tem fugido aos debates e à confrontações com a imprensa de modo sistemático. Em contraposição, faz uso massivo das redes sociais e do envio de mensagens por WhatsApp a seus apoiadores. 

É possível perceber claramente neste movimento do candidato uma fuga para o terreno controlado do discurso monocrático. Ao invés de ser obrigado a justificar suas posições diante de um outro, ele tem a possibilidade de falar livremente suas posições, sem questionamento, dando a elas o manto de verdades. 

No entanto, há um ponto importante sendo debatido na estratégia do candidato da extrema-direita. Com uma campanha praticamente inexistente numa perspectiva tradicional, seria o caso de pensar como, afinal de contas, Bolsonaro está fazendo tanto sucesso. 

No último domingo (14), esta entrevista da Folha de S. Paulo com o antropólogo Piero Leirner, trouxe algumas hipóteses de entendimento. 
"Fuga para o terreno controlado do discurso monocrático"

O antropólogo aludiu ao uso de táticas militares por parte da campanha de Bolsonaro, dentre as quais destacam-se a chamada guerra híbrida.

O que é exatamente uma guerra híbrida? Trata-se, segundo Leiner, de “um conjunto de ataques informacionais que usa instrumentos não convencionais, como as redes sociais, para fabricar operações psicológicas com grande poder ofensivo, capazes de dobrar a partir de baixo a assimetria existente em relação ao poder constituído”.

Falando em português, é uma espécie de guerrilha onde se combinam táticas avançadas de psicologia behaviorista articuladas com o uso eficiente da tecnologia informacional descentralizada. 

Tal guerrilha um exemplo de guerra assimétrica, na qual há um confronto de forças militares desiguais. Por isso, geralmente, a força inferior faz uso de táticas múltiplas e aparentemente desarticuladas para derrotar um oponente superior. A resistência francesa à ocupação nazista ou a luta dos vietnamitas contra os EUA são exemplos deste tipo de guerra não convencional. 

No caso da guerra híbrida, haveria o uso de múltiplas frentes e táticas para o combate. Assim, p. ex., poderiam ser utilizados meios diplomáticos, pressões econômicas, guerra psicológica, difusão de informações tendenciosas e até mesmo a guerra militarizada convencional.
Inconveniência de Mourão = bola levantada para Bolsonaro

Na campanha do Bolsonaro, a guerra assimétrica estaria justificada pelo caráter díspar das forças em choque. Afinal, Bolsonaro luta contra forças políticas hegemônicas, com muito mais poder de fogo do que ele. Neste caso, a estratégia combina o uso de instrumentos convencionais e não convencionais para criar uma imagem positiva em torno do candidato. 

Como instrumentos convencionais, poderíamos citar o uso da própria imprensa a favor de Bolsonaro, quando fatos negativos são transformados por ele em positivos. Assim, p. ex., declarações com potencial negativo de figuras do grupo de Bolsonaro, como o general Mourão e Paulo Guedes, acabariam servindo para reforçar a autoridade do candidato neofascista: desmentindo os dois e se impondo como o único que, de fato, toma as decisões, Bolsonaro joga luz sobre si mesmo e reforça seus ideários frente à população em geral. 

“Esses movimentos criam um ambiente de dissonância cognitiva: as pessoas, as instituições e a imprensa ficam completamente desnorteados. Mas, no fim das contas, Bolsonaro reaparece como elemento de restauração da ordem, com discurso que apela a valores universais e etéreos: força, religião, família, hierarquia”, diz o antropólogo. 

O candidato, assim, dá um uso diferente aos meios tradicionais, facultado pela resignação com que Mourão e Guedes se prestam ao papel de escadas,  comprometendo as próprias imagens para que o cabeça da chapa produza o efeito desejado.
"We are going to Brazil"

Contudo, o principal meio de combate nesta guerra híbrida de Bolsonaro é certamente a guerra de informações. Neste caso, ele consegue fazer uso eficiente do caráter descentralizado e segmentado das redes sociais. 

Neste ponto entra em cena a figura fundamental da Cambridge Analytica, uma empresa cujo objetivo é oferecer pesquisas a partir do comportamento de usuários das redes sociais. 

A partir destas pesquisas, a empresa consegue delimitar qual o discurso mais eficiente para aquele público e aquela pessoa que melhor fará o produtor ser aceito. Noutras palavras, trata-se de métodos de marketing aplicados ao mundo da informação digital. Nas palavras da própria empresa: 
"Essencialmente, influenciando o comportamento do consumidor com o uso das ciências comportamentais, análises preditivas, solução de dados dirigidos e outras tecnologias auxiliares,  Cambridge Analytica está provendo uma eficiente vantagem na venda de marcas" (a tradução é minha).
Tal texto encontra-se na parte política do site da empresa. O objetivo fundamental é recolher dados sobre usuários da internet em redes sociais e transformar tais dados em ativos de marketing, municiando campanha políticas com os perfis comportamentais de milhões de pessoas. Ao inserir a ciência comportamental, há um passo a mais no processo, pois já não se trata de simplesmente saber o perfil de cada pessoa, mas de usar tal perfil para uma manipulação induzindo comportamentos.

A Cambridge Analytica já se envolveu em dois escândalos de manipulação política: a eleição do Brexit, na Inglaterra; e as eleições presidenciais de 2016 nos EUA. Na cabeça da empresa estava Steve Bannon, um estridente apoiador de posições da extrema-direita.
"Manipulação de milhões de pessoas"

Estes escândalos foram revelados após uma série de investigações da imprensa britânica, notadamente o jornal The Guardian. Nesta reportagem, um antigo operador de Steven Bannon conta como foi o processo de coleta de informações e manipulação comportamental de milhões de pessoas.

Qual seria a relação de Bannon e a Cambridge Analytica com Bolsonaro? A resposta está num encontro entre o filho de Bolsonaro e Bannon  em agosto deste ano na cidade de Nova York. Desde então, os laços se estreitaram. 

Mais que isso, no vídeo abaixo disponibilizado, o próprio Bannon – após expor todo o seu trabalho de manipulação comportamental e revelar onde já havia atuado – admitiu que o próximo lugar de atuação seria o Brasil: "We are going to Brazil".

No vídeo, que recomendo fortemente a quem quiser ter uma boa noção da estratégia da extrema-direita ao redor do mundo, Bannon também explica que o central na campanha política não é o argumento, ou a verdade, mas a emoção. O importante é mobilizar as emoções dos eleitores e, para isso, se usam ferramentas de manipulação comportamental ligadas a valores arraigados e irracionais. 

A campanha de Bolsonaro parece estar efetivamente fazendo uso de tais estratégias. Ela segmenta a mensagem de acordo com o perfil visado e chega até esse perfil com uma mensagem capaz de mobilizar a emoção daquela pessoa. Se, p. ex., a pessoa é católica, envia-se uma mensagem do Haddad defendendo o aborto. Se a pessoa tem medo da violência, envia-se uma mensagem dizendo que Haddad vai libertar criminosos, etc. A distribuição do discurso segue a própria segmentação instaurada pelas redes sociais. 

O uso dos canais do WhatsApp é um dado fundamental, pois ele é o meio mais descentralizado de comunicação da sociedade. Ali a comunicação é de pessoa a pessoa e, geralmente, de pessoas próximas, confiáveis. Ao usar este tipo de veículo da comunicação, Bolsonaro se libera de se engajar diretamente na campanha, terceirizando o processo de difusão da sua mensagem.
"O importante é manipular as emoções das pessoas", diz o boss da Cambridge Analytica
.
O discurso antissistema aparece para reforçar o imaginário de que, ao transmitir as informações, cada pessoa está fazendo sua parte na guerra contra o sistema.  Como disse o antropólogo da Ufscar: 
"As pessoas ficam com uma sensação de empoderamento, quebra-se a hierarquia. O resultado é a construção da ideia de um candidato humilde, que enfrenta os poderosos, que é antissistema".
Obviamente, a quebra da hierarquia é falsa; embora a mensagem seja transmitida de modo descentralizado, a ação é coordenada de cima, num direcionamento oculto. 

Como o importante não é informar, mas mobilizar, a verdade toma papel secundário, estando na frente o caráter manipulativo. Por isso, proliferam as fake News. Elas servem para engajar acriticamente o público e desviar o olhar das proposições de fato do candidato.

Na verdade, muito mais do que uma questão de estratégia política, estamos diante da exploração da própria forma organizacional do capitalismo contemporâneo, fechado em nichos e voltado para o consumo setorizado.  
"Um novo patamar de manipulação psicológica"

A prática da Cambridge Analytica é transformar eleitores em consumidores, técnica já usada desde décadas, mas que agora atingiu um novo patamar de manipulação psicológica. 

A organização setorizada e monadológica dos sistemas de informações digitais é um prato cheio para esse tipo de processo manipulativo. E, na verdade, enfrenta-lo é uma tarefa duríssima. 

O próprio Piero Leirner, neste outro texto, oferece apenas como alternativa contra-atacar a campanha de Bolsonaro com a mesma artilharia, usando métodos de manipulação comportamental a favor de Haddad e em detrimento candidato da extrema direita. 

Penso que esse tipo de tática eleitoral vai fazer escola e será apropriado por todos os espectros políticos no futuro. Por agora, assistimos a sua entrada triunfal e barulhenta pelas mãos da extrema-direita, mas ele logo ela será digerida pelos demais agrupamentos políticos, tornando-se prática corriqueira. 

Infelizmente para nós, o futuro parece nos reservar mais irracionalidade e manipulação. (por David Emanuel de Souza Coelho)

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