terça-feira, 29 de maio de 2018

O PODER DAS MÃOS PARADAS E O LIMITE INTERNO DA EXPANSÃO CAPITALISTA

Frase de pára-choque de caminhão
A atual paralisação do setor de transporte de mercadorias serve a muitos interesses específicos, espúrios ou legítimos. Entretanto, ele nos permite uma constatação: estamos atingindo um limite interno absoluto de expansão do capitalismo e tal situação implica uma desordem social cada vez mais aguda. 

A paralisação é uma mistura de locaute (pressão empresarial de um setor da economia para obtenção de vantagens de mercado) com pressão de caminhoneiros autônomos que não estão tendo uma remuneração sustentável pelos serviços que prestam com seus veículos.

Como item da crise, temos uma incidência tributária sobre dos combustíveis que é insuportavelmente alta para a população. O impacto dos impostos no preço final dos combustíveis chega a 41% na gasolina, 27% no etanol, 28% no diesel S500 e 27% no diesel S10. 

E há muitos outros problemas além questão tributária. Todos os interesses derivam de várias causas que provocam sérias consequências. Eis as principais: 
— a alta constante dos preços dos combustíveis, que são indexados ao mercado internacional (preço do barril de petróleo e alta do dólar), torna insuportável o custo dos transportes em relação ao preço do frete;
— o baixo preço dos fretes, que não pode ser repassado às mercadorias e causa prejuízos aos transportadores (tanto os empresariais quanto os autônomos);
— a queda da capacidade aquisitiva por parte da população para a aquisição das mercadorias causa depressão no mercado de fretes e aí entra a lei da oferta e procura, que impede a alta desses mesmos fretes;  
"Alta constante dos preços dos combustíveis"
— a impossibilidade de obtenção de lucro para o pagamento das prestações dos financiamentos de veículos (mais uma bolha financeira do sistema e de crédito bancário que estimulou o transporte rodoviário) leva ao desespero os caminhoneiros devedores de financiamentos que lhes permitiram a aquisição dos veículos; 
— o alto custo financeiro dos financiamentos para aquisição dos caminhões concorre para a falência de todo o sistema de transporte rodoviário (muitos não podem fazer a manutenção devida nos veículos, compra de pneus, etc.);
— alto custo dos pedágios com relação ao preço dos fretes; 
— alto custo de licenciamento de veículos de transporte de cargas e cobrança de multas e taxas pelo governo;
— a oneração da folha de pagamento dos trabalhadores do setor;
— o baixíssimo nível de conservação das estradas brasileiras (esburacadas ou inexistentes) que danificam os veículos transportadores;
— insegurança nas estradas e roubos de cargas que tornam proibitivos os custos dos seguros, e por aí vai. 

O déficit fiscal no orçamento da União tem de ser suprido pelos impostos e o repasse de dinheiro para a Petrobrás, como subsídio à redução do preço do combustível (agora orçado em R$ 10 bilhões até o final do presente orçamento fiscal), significa que mais uma vez é o povo quem vai pagar a conta, pois verá diminuído ainda mais o já precário atendimento das suas demandas sociais. 
"Alto custo dos pedágios com relação ao preço dos fretes" 

A conjugação de todos esses fatores faz com que os caminhoneiros, já paralisados por falta de fretes ou por impossibilidade de funcionamento sem o lucro correspondente que remunere as suas atividades, não se vejam estimulados ao atendimento do acordo firmado com os representantes do governo.    

Explicitam-se, assim, as contradições inerentes ao sistema produtor de mercadorias nesse importantíssimo segmento que é o transporte das ditas cujas, o qual faz o intercâmbio entre os meios de produção e os postos de venda e consumo.

Estabelece-se uma falta de conexão na engrenagem do sistema de produção de mercadorias, abastecimento e circulação de capitais, causando transtornos insuportáveis à população, refém de tal sistema. 

A crise do limite interno da expansão capitalista toma formas inexplicáveis para os defensores do sistema (empresários e políticos), que atribuem a sua existência a questões pontuais político-administrativo sem uma visão macroeconômica do processo. 

A grande mídia, por sua vez, encarrega-se de dizer ao povo que tudo se resume predominantemente à questão da corrupção com o dinheiro público (que agrava os problemas, mas está longe de ser a sua causa primária) e ao desgoverno.

Apesar da cegueira, tudo se configura como prenúncio de um colapso que mais cedo ou mais virá inexoravelmente.
"Prenúncio de um colapso inexorável"
A INSTALAÇÃO DO CAOS E SUAS CONSEQUÊNCIA – A história nos mostra que as grandes crises do capitalismo são capazes de promover movimentos conservadores ou de ruptura sistêmica.

A Rússia dos czares no início do século 20 (país predominante rural e que estava longe de poder concorrer no mercado internacional por causa dos seus baixos níveis de produtividade de mercadorias) sofria os horrores da fome e do despotismo na fase aguda da 1ª Guerra Mundial. 

O sentimento revolucionário bolchevique marxista-leninista foi capaz de introduzir uma cunha no processo de destruição causado pela guerra e fazer a revolução proletária de outubro de 1917, que representava um clarão de esperanças para os trabalhadores russos subjugados na cidade e, principalmente, no campo. 

A revolução bolchevique, e o fechamento das fronteiras (país continental) ao mercado internacional pôde proporcionar à Rússia um vertiginoso desenvolvimento industrial capaz de conter militarmente (ao custo de cerca de 27 milhões de vidas, mais da metade de todos os mortos na 2ª Guerra Mundial), pouco mais de duas décadas depois, o belicismo nazifascista de Hitler e, juntamente com o apoio dos aliados, livrar o mundo da tirania do 3º Reich. 

Os fatos históricos subsequentes, que desvirtuaram o sentimento emancipacionista proletário russo, são tema para uma discussão mais aprofundada, embora não fuja à questão da permanência por lá do vírus nefasto da mercadoria.
"Ressabiados desde 1984, os militares não querem mais se meter a administrar o inadministrável" 
Entretanto, temos exemplos históricos da crise representando movimentos conservadores, que nada mais são do que mais do mesmo – caso do atual clamor de muitos desavisados pela volta do controle político pelos militares, que agora, ressabiados desde 1984, sabem que o buraco é bem mais embaixo e não querem mais se meter a administrar o inadministrável. 

No Brasil atual reinam as consequências próprias dos problemas inerentes ao um país periférico do capitalismo. Assim:
— não pode emitir moeda sem lastro; 
— paga juros altíssimos para financiar a sua dívida pública e privada; 
— tem renda per capita baixa e renda média ainda pior; 
— níveis de concentração de riqueza abstrata (dinheiro) repulsivos; 
— padrão salarial de trabalhadores de baixa renda capaz de corar de vergonha um frade de pedra (o salário e mordomias dos privilegiados integrantes dos três Poderes é aviltante se comparado ao salário-mínimo do brasileiro); 
— alta carga tributária;  
— custo Brasil (burocrático) proibitivo para o mercado;
— altos níveis de corrupção em todos os segmentos da vida pública nacional; 
"Outsiders se fingem de salvadores da pátria e encontram alguma adesão dos desavisados"
— suas análises econômicas e de crédito são sempre comprometidas pelas altamente facciosas agências de rating, e outras mazelas de mercado mais.

Neste quadro dantesco, vivemos um ano de eleição presidencial que está passando ao largo das aspirações e dificuldades do povo brasileiro. A crise do capital é maior do que o processo eleitoral, sendo este um sintoma do tamanho da encrenca que qualquer político eleito terá de enfrentar em 2019.   

Nada há de surpreendente, portanto, em que outsiders se finjam de salvadores da pátria e acabem encontrando alguma adesão de segmentos desavisados da população, os quais, dando mostras de sentimentos conservadores equivocados ou mal intencionados, apoiam tais candidaturas.

O mais grave, entretanto, é que segmentos pretensamente mais esclarecidos e com sentimentos de renovação ainda canalizem para o processo eleitoral as esperanças de mudanças, como se a questão fosse de mera governabilidade.
"Nada têm a dizer face à paralisação do país"

Caso dos partidos de esquerda, que, como não têm nada a dizer face à paralisação do país, limitam-se a assistir de camarote à banda passar, sem capacidade de intervenção que possa dar uma direção emancipatória a um sentimento de insatisfação popular que está na base do movimento dos caminhoneiros, mas que lhe é bem maior.  

A hora é de termos a consciência e sabedoria para buscarmos formas alternativas de vida social, como a produção de bens e serviços fora da lógica da mercadoria e que nos salvem da escassez e da penúria, fazendo um esforço hercúleo coletivo para tomarmos o nosso destino nas nossas mãos. 

É hora de desfraldarmos bandeiras educativas e emancipacionistas, que em momentos como o atual são mais fáceis de serem compreendidas e absorvidas, pois afinal, como disse o grande tribuno romano Cícero, “não basta conquistar a sabedoria; é preciso saber usá-la”. (por Dalton Rosado)

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