não se trata, portanto, de libertar o trabalho,
mas sim de suprimi-lo" (Karl Marx)
que está morando de favor numa casa na favela, que lhe foi cedida por um colega que ainda não caiu no desemprego crônico;
que acorda pela manhã para mais um dia perambulando pela cidade em busca de emprego, cansado de tantas inscrições e cadastramentos nos locais a que multidões acorrem atrás das poucas vagas anunciadas;
que deixou seus filhos com fome pela manhã e teme voltar à tarde de mãos vazias;
que já não sabe como fazer para pagar as contas vencidas antes que a luz seja cortada.
Você, cara companheira Cláudia, arquiteta, que perdeu o emprego há dois anos e meio, após a crise do setor imobiliário, e que está vendendo docinhos para amenizar o desespero, enquanto seu marido faz um bico de motorista da Uber, para sustentar a família de dois filhos ainda na infância.
Vocês, caros(as) companheiros(as), que a cada dia veem aumentar o seu desespero.
Vocês têm uma única saída: juntarem-se aos milhões de trabalhadores brasileiros e aos bilhões de trabalhadores mundo afora que estão na sua mesma situação e decretar, dentro do possível, o fim de emprego, ao invés de buscá-lo sem encontrar.
Ou seja, buscarem abolir as suas próprias condições de trabalhador, para se transformarem em seres contribuintes da superação da tragédia social que os atinge pessoalmente da dos seus companheiros de infortúnio, pela via da produção de bens e serviços destinados à satisfação das necessidades sociais da forma como for possível.
Há sempre formas possíveis de se prover o sustento social, mesmo e principalmente quando se exclui dessa produção o famigerado dinheiro e o trabalho abstrato que o produz.
É sempre possível cortar um cabelo sem cobrar por tal serviço.
É sempre possível fazer o conserto elétrico para quem não pode pagar.
É sempre possível ocupar uma fábrica falida de pré-moldados ou de outro produto qualquer e aproveitar as máquinas paradas e em processo de oxidação para fabricar tijolos de areia e cimento ou outro produto qualquer, que construirão as casas que faltam à maioria (afinal, só em São Paulo o déficit habitacional é de quase 400 mil unidades!), ou outro produto consumível qualquer, sem cobrar nada por isso.
É sempre possível lutar por uma terra para produção de alimentos de modo coletivo e destinada à distribuição gratuita aos desempregados (aliás, foi a esperança de se tornarem homens livres que trouxe para as Américas milhões de servos europeus, que desgraçadamente continuaram escravos da lógica do capital).
Enfim, é sempre possível nos reinventarmos e encontrarmos formas de produção fora da lógica segregacionista do capital, que vive da exploração do trabalho, eliminando-o, contudo, em razão da concorrência mundial de mercado, que dita a redução de custos da produção, explicitando uma contradição inconciliável do seu modo de ser.
A questão que se coloca, portanto, não é de se buscar o emprego assalariado, o trabalho abstrato, mas de lutar pela mera sobrevivência, somente possível a partir de um novo modo de produção.
O capital (e seu órgão político, o Estado, coletor de impostos de uma população exaurida economicamente) já está impotente para resolver o impasse do desemprego estrutural, mas não devemos esperar que ele renuncie espontaneamente ao seu processo socialmente destrutivo e destrutivo da própria forma.
Cabe a nós, portanto, a missão de promover a emancipação humana. E o ponto nodal desse processo é a superação do atual modo de produção de bens e serviços, produtor de valor de uso mas, precipuamente, de valor de troca, sendo este último seu principal objeto teleológico.
O valor de troca das mercadorias, para existir, apenas faz uso oportunista do valor de uso das mercadorias e do próprio trabalho abstrato que o produz, mas é indiferente à questão social e humana inserida nesse processo.
Se se pode produzir com menos trabalhadores, e com isto se adquire vantagem na guerra concorrencial de mercado, que se danem os trabalhadores! Esta é a máxima capitalista.
Assim, são os trabalhadores que devem dizer: Que se dane o capital e o trabalho abstrato que o produz!
E que se dane o próprio trabalhador, enquanto categoria capitalista que é!
O trabalhador, tal qual um toxicômano, busca desesperadamente na causa do mal social, o trabalho abstrato, a sua crise de abstinência, e assim clama no deserto por algo que não mais virá.
O trabalhador, enfim, é vítima de sua própria condição de trabalhador, razão pela qual deve se despir dessa função anti-social, infelizmente positivada através da história como fonte de dignidade humana por todos (capitalistas e pseudo anti-capitalistas) e superar a si mesmo!
Desde o seu estágio de ser vivo animal, o ser humano interage com a natureza no sentido da obtenção da sua subsistência. Este é, portanto, um dado ontológico do ser e da vida humana, ao contrário do trabalho assalariado, abstrato, uma invenção para a sutil escravização pela coerção tácita do capital.
Entretanto, há uma confusão semântica premeditada no que se refere ao conceito de que o trabalho seria sinônimo e síntese da interação metabólica do ser humano com a natureza. Não é.
Muitos consideram a questão da trabalho como algo indiscutível, ou seja, precisamos ter trabalho, sem considerar a possibilidade de qualquer outro modo de produção. Mas, agora ocorre o que os economistas burgueses não pensavam ser possível: eis que não há emprego em proporção necessária para satisfazer minimamente (ainda que em níveis miseráveis) as necessidades sociais.
Tal fato impõe a criação de um novo modo de produção, para desespero do capital e seus beneficiários circunstanciais (os capitalistas), que veem ameaçados os respectivos domínios sociais.
Colônia Cecília, no fim do século 19: marco das tentativas de se afirmar um novo modo de produção |
Mas podemos e devemos determinar princípios básicos de conduta tendo como foco um novo modo de produção (na história das sociedades humanas é sempre o modo de produção o que determina o seu conteúdo social); a própria vida encarregar-se-á de moldá-los e, eventualmente, corrigi-los.
Assim, considerando que ninguém deve ser privado de obter o seu próprio sustento e o sustento da sociedade de um modo geral, fica determinado que:
— a todos os desempregados fica facultada a possibilidade de produzir bens e serviços destinados ao seu sustento e à satisfação das necessidades sociais pelos meios e modos que lhe forem factíveis, sem que a apropriação dos meios necessários a esses usos seja considerado crime;
— doravante, todo desempregado deverá renunciar a qualquer emprego assalariado e se empenhar no sentido da produção de bens e serviços destinados ao consumo do seu semelhante necessitado, sem qualquer remuneração pecuniária, ao mesmo tempo em que deverá receber deste o mesmo tratamento;
— será facultada ao desempregado a posse, para uso pessoal necessário, de qualquer bem sem ocupação, de modo a que a posse prevaleça sobre a propriedade;
— os indivíduos sociais desempregados deverão manter núcleos de cadastramento por regiões, de modo a que se estabeleçam cooperações de produção de bens e serviços e levantamento de consumo de outras regiões, visando à satisfação abrangente de consumo;
— a distribuição e trânsito dos bens e serviços deverão estar imunes à cobrança de impostos por quaisquer modos (em produtos ou valores), e que os indivíduos sociais empenhados nessas tarefas não sejam impedidos pelo Estado e por seus órgãos institucionais (polícia, justiça e outros);
— eliminada a questão da viabilidade econômica, será facultada a produção sob as condições mais diversas, restaurando o princípio segundo o qual se deve produzir para satisfazer necessidades e não para produzir lucro;
— toda produção deverá obedecer rigorosos critério ecológicos de modo a se obter a sustentabilidade da própria produção e da vida;
— a ninguém será imputada penalidade criminal por se apropriar de alimento, água ou vestuário destinado ao consumo imediato e por necessidade inadiável;
— o indivíduo social, despido da condição de cidadão e trabalhador abstrato, assalariado, terá sempre no seu semelhante um ponto de apoio, e nunca mais a condição de competidor que torna todos adversários de todos, como ocorre na sociedades mercantis sob a égide do capital.
Desempregados de todo o mundo, declarem-se livres do jugo do capital!
(por Dalton Rosado)
(por Dalton Rosado)
Um comentário:
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Dalton seu esforço teórico é admirável.
A boa notícia é que não estás sozinho no mundo.
Que tal considerar também as ideias de Silvio Gesell?
https://informacaoincorrecta.blogspot.com.br/2018/05/gesell-o-copernico-da-economia-parte-ii.html#more
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