quinta-feira, 8 de março de 2018

UM EPISÓDIO DOS ANOS DE CHUMBO E A MANEIRA COMO É EVOCADO HOJE

Lovecchio: a história pela metade.
Está na coluna da Mônica Bergamo desta 5ª feira, 8:
"O caso emblemático de uma vítima de atentados guerrilheiros na época da ditadura militar pode ter uma reviravolta na Justiça. Orlando Lovecchio Filho, 72, pede uma indenização equivalente às que foram pagas a militantes das organizações armadas que foram anistiados. Mas só acumulava derrotas até agora.

O caso está sendo reapreciado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que já tinha negado o pleito mas hoje analisa embargos apresentados por Lovecchio. Um dos juízes votou contra ele. O desembargador Fábio Prieto pediu vista. E pode mudar o entendimento.

Lovecchio era um cidadão 'apolítico, que curtia iê-iê-iê, carros e aviões', como se definiu numa entrevista à Folha. Em março de 1968, estacionava seu carro no Conjunto Nacional, na av. Paulista, em SP, quando uma bomba colocada no local pela Aliança Libertadora Nacional explodiu. Ele teve a perna amputada, interrompendo o sonho de ser piloto.

Lovecchio recebe hoje pensão vitalícia de R$ 571 e não conseguiu indenização na Comissão de Anistia. Há casos de ex-militantes de organizações armadas que receberam indenizações de R$ 400 mil e pensão vitalícia mais alta que a dele".
Estes não foram vítimas de um acaso infeliz: assumiram o risco de morrer por seus ideais.
E esta foi a mensagem que lhe enviei, na esperança de que nas próximas edições da Folha de S. Paulo ela complemente a informação que deu:

Prezada Mônica,

há um outro lado no episódio do sr. Orlando Lovecchio Filho que certamente o favoreceria em termos jurídicos, mas ele vem omitindo durante todo esse tempo (o atentado completará 50 anos no próximo dia 19). A bem da verdade, seus leitores têm direito de o conhecer. 
Foi da ALN o maior percentual de militantes mortos pela ditadura: 14%.

Ele não perdeu a perna apenas porque quatro militantes da ALN deixaram um carro-bomba para explodir em plena madrugada no estacionamento do Conjunto Nacional, ao lado da sede do consulado estadunidense em São Paulo.

O motivo principal foi que, quando estava sendo atendido pelos médicos, a repressão ditatorial o arrancou do hospital para interrogá-lo, na suposição de que se tratasse de um autor do atentado ferido pela própria bomba.
Inscrição que restou numa cela do antigo Dops de SP
As horas que os torturadores levaram para se convencerem do contrário, até decidirem devolvê-lo aos médicos, foram decisivas para que a gangrena se estabelecesse irremediavelmente, forçando a amputação.

Isto ficou estabelecido quando Lovecchio processou o único dos quatro militantes da ALN que sobreviveu aos anos de chumbo, não obtendo êxito exatamente por haver sido apresentada em juízo uma prova documental da interrupção do atendimento médico e suas consequências.

Quando optou por passar o resto da vida  inculpando os resistentes e passando uma borracha no fato de que agentes do Estado o privaram de socorro médico, ele fez escolhas erradas tanto do ponto de vista moral quanto do jurídico: se contasse a história inteira, ficaria caracterizada uma responsabilidade bem mais grave do Estado no seu infortúnio.

Mas, como algo assim só poderia ter ocorrido em meio ao arbítrio de um regime de exceção, ele merece mesmo uma reparação à altura da perda que sofreu. Só não merece nossa simpatia. (Celso Lungaretti, jornalista, escritor e anistiado político)

2 comentários:

WILLIAM ORTH disse...

Caro Celso, me parece estranho você querer tirar a culpa e desviar o foco da questão: quem colocou a bomba? parece que o culpado é aquele que "gostava da jovem guarda, ouvia os Beatles e queria ser piloto". Não inverta a ordem dos fatos. Orlando foi vítima da extrema esquerda. Segundo versões "extra oficiais" morreram por influência dos grupos de extrema esquerda durante o regime militar entre 115 e 120 pessoas. Não interessa o motivo. Fins não justificam meios. Inclusive torturados e barbarizados. obrigado e abraço.

celsolungaretti disse...

Orth, o Ivan Seixas já provou que essa relação do Ternuma & cia. é FALSA. Ele mesmo encontrou vivos alguns supostos mortos.

O Lovecchio sofreu ferimentos dos quais se restabeleceria, foi arrancado do hospital pelo Deops e devolvido aos médicos quando sua perna gangrenara. O Sérgio Ferro conseguiu os laudos de suas duas entradas no hospital e os apresentou em juízo.

É inacreditável que ele tenha sempre omitido este lado do episódio, preferindo acusar apenas os resistentes. Isto pode e deve ser-lhe cobrado.

Quanto à reparação que ele pleiteia, em nenhum momento a contestei. Merece recebê-la, ponto final.

Aliás, já a teria recebido se contasse a verdade, pois a omissão de socorro por parte de agentes do Estado teria sido motivo mais do que suficiente para a Comissão de Anistia atender ao seu pedido.

Um abração!

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