quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

A SEMENTE DE UM MODO DE PRODUÇÃO QUE NÃO VISA O LUCRO, MAS SIM A SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES HUMANAS.

"Fourier foi o primeiro a fazer clara a diferença qualitativa entre a sociedade livre e não livre. E nisto ele jamais retrocedeu,
como Marx todavia o fez, ao falar de uma sociedade possível, na
 qual o trabalho se converte em jogo, uma sociedade na qual até
o trabalho socialmente necessário pode ser organizado em harmonia com as necessidades liberadas genuínas do homem"
(Herbert Marcuse)
Diz-se no jargão  do sistema produtor de mercadorias, que não se faz nada sem dinheiro. Tal frase, no capitalismo, encerra uma verdade, mas esconde outra: já não se produz tanta mercadoria (leia-se valor) quanto seria necessário para a sustentação de todo o organismo social mediado pelo dinheiro, justamente porque a atual dinâmica da sua necessária reprodução impede que isso aconteça.

Além da redução unitária do valor das mercadorias (dessubstancialização do valor na produção destas), acresce-se outro fator, qual seja o de que somente se produz aquilo que se pode vender, e o poder de compra está limitado por dois fatores: 
  1. a capacidade de consumo humana; e
  2. a atual redução progressiva da capacidade aquisitiva social global.
Assim, como já não se produz tanto valor em mercadorias quanto seria necessário para a manutenção da reprodução contínua e crescente do organismo econômico global, que expressa por isto o limite de expansão ora atingido, podemos afirmar que já não se pode fazer muito graças ao dinheiro. É ele quem, agora, está travando a produção.

Nada se faz sem que antes se estude a viabilidade econômica da produção, ou seja, a vida está condicionada à realização do lucro; e se não há lucro, que se dane a vida. 

A questão de se produzir para vender está conectada com a lógica de mercado e com toda a dinâmica do capital e suas demais categorias, todas submetidas ao fetichismo da mercadoria.
  
As experiências anarquistas do passado, no sentido de criação de núcleos de produção de mercadorias não patronais mundo afora, fracassaram graças à incompreensão de que não era (e não é) apenas na eliminação da figura patronal que residia (e reside) o problema, mas sim na conservação e uso da própria forma-mercadoria. Igual destino ocorreu e está a ocorrer com as residuais revoluções marxista-leninistas e seus estados proletários.

Foram muitas as experiências de produção baseadas no pensamento do socialista utópico francês Charles Fourier; casos do Falanstério de Santa Catarina e da Comunidade Cecília (no Paraná), bem como das experiências de La Reunion (no Texas) e da Falange Norte-americana de New Jersey, dentre outros. 

Infelizmente, estavam todos contaminados pelo vírus do fetichismo da mercadoria, ainda que se propusessem a uma vida comunitária com regras próprias de horizontalidade social.

É que neles se produzia para o mercado e, assim, sem o saber, os membros da comunidade estavam submetidos à lógica ditatorial desse mesmo mercado e seu caráter onívoro, que estabelece regras concorrenciais nas quais estão presentes as categorias capitalistas trabalho abstrato produtor de dinheiro e seu nível de produtividade (custos de produção mensurados em dinheiro); o próprio dinheiro; o mercado; o confronto com as leis estatais que definem a carga fiscal e o controle monetário; e todo um conjunto de condições que inviabilizaram o sucesso das bem intencionadas e honestas pretensões libertárias. 

Disse Marx que o inferno está palmilhado de boas intenções.

É que toda a lógica de produção dessas comunidades ainda estava presa à forma-mercadoria, na qual tudo é uma abstração (o valor), ainda que se considere o valor de uso do concreto existente no objeto sensível capaz de satisfazer necessidades de consumo. 

Quando se abstrai a lógica da viabilidade econômica para a produção social que ora a está travando, libera-se tal produção mesmo para as condições mais adversas, e assim viabiliza-se a vida social mais comodamente. 

O que não é possível se produzir sob a lógica do valor torna-se possível quando dela nos livramos.

Assim, produzindo-se mercadorias, sob qualquer estatuto social, estabelece-se o valor de uso e o valor de troca (esse último quantificado pelo tempo de trabalho nele empregado) como forma de mediação social. 

Tanto o tempo de trabalho como o objeto dele decorrente (trabalho objetivado) são mercadorias (valor) e por tal critério mensurado. 

Somente com a abolição da abstração forma-mercadoria e a volta à produção do objeto natural, sensível, concreto, com apenas valor de uso, restabeleceremos a racionalidade da produção dos meios indispensáveis ao sustento social (e isto de modo cômodo, graças ao saber adquirido pela humanidade).

O PROJETO SÍTIO BROTANDO A EMANCIPAÇÃO        

A 60 km de Fortaleza, no município litorâneo de Cascavel (CE), o grupo Crítica Radical desenvolve uma modalidade de produção agrícola experimental, destinada à doação dos gêneros alimentícios ali produzidos para os membros das comunidades vizinhas. 

Trata-se projeto Sítio Brotando a Emancipação, uma das ações sociais urbanas e rurais com que o grupo leva à prática sua proposta de crítica ao valor/dissociação de gênero com base nos ensinamentos do Marx esotérico.

Todos ali têm consciência da impossibilidade óbvia de, a partir dessa pequena área, satisfazerem por completo as necessidades de consumo dos que promovem tal experiência e, muito menos, as das comunidades vizinhas. 

Mas, não é garantirem a subsistência a partir de área tão diminuta o que buscam, mas sim a demonstração de que é possível se produzir com os meios materiais existentes (terra, água e sol) os alimentos capazes de satisfazer algumas necessidades de consumo; pois, afinal, em toda e qualquer mercadoria não existe um grama sequer de dinheiro, quimicamente falando. 

Observa-se ali uma integração com membros das comunidades vizinhas que se sentem confortáveis com o estabelecimento de relações humanas diferenciadas do individualismo patrocinado pela produção de mercadorias dos (alguns muito sofridos) proprietários de terras das vizinhanças.

Além da produção de alimentos, destaca-se a promoção de eventos culturais nos quais, além da diversão de qualidade, estabelecem-se laços de relações fraternais entre os diversos segmentos sociais que povoam a localidade, fermentando-se um processo de conscientização de que é possível a existência de uma sociedade emancipada; que há, sim, vida fora do mercado, uma vida verdadeiramente livre!

É claro que o desenvolvimento de relações de produção não submetidas aos ditames do mercado, aliado a uma conscientização científica da natureza das mazelas sociais patrocinadas por um modo de produção genocida que encontrou o seu limite de expansão e agora se torna ainda mais genocida, tende a bater de frente com a estrutura política do Estado.

Afinal, a função precípua do Estado é a manutenção e indução coercitiva, a qualquer custo, do modo de produção mercantil do qual retira o seu sustento sob a forma de impostos (valor); na medida que práticas fora do seu controle, como as dos beatos de Canudos (BA) e do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto (CE), tornem-se representativas, tendem a ser oprimidas e perseguidas no sentido de sua proibição. 

Mas, quem disse que a emancipação vai se algo concedido e não conquistado? 

Há um completo mutismo midiático sobre qualquer iniciativa que não esteja enquadrada nos limites da vida mercantil. Assim, experiências que se situem fora do mercado não devem merecer atenção, até porque os média e suas notícias são, também, mercadorias e se circunscrevem a tal universo de interesses.

Os eventos midiáticos que demonstram o apodrecimento institucional do sistema produtor de mercadorias, expresso no repetido noticiário da corrupção envolvendo quase todos os membros dos poderes constituídos do Estado (Legislativo, Executivo e, mais grave ainda, quando envolve o Poder Judiciário, incumbido de promover a justiça mesmo que partindo de um código jurídico intrinsecamente injusto) apenas desviam a atenção da questão principal: a falência do sistema de produção de mercadorias como modo de mediação social minimamente viável.

Não é fácil explicar para um trabalhador (sindicalizado ou não) que, ao invés de reivindicar salários e empregos, o melhor é superar o próprio trabalho e sua condição de trabalhador produtor de valor. Como também: 

— não é fácil explicar que, melhor do que tentar qualificar o voto, é estabelecer regras de convívio social horizontalizadas, nas quais haja uma intervenção direta do indivíduo social formando um consenso verdadeiramente identificado com os seus interesses, sendo, portanto, necessário defender o não voto, quando a institucionalidade pune os não votantes;

— não é fácil incutir-se nas mentes das grandes populações que a saída é produzir para dar e não para vender, livrando-nos assim das restrições draconianas impostas pela segregação social da vida mercantil e de sua cada vez menor capacidade de inserção social (que somente visa à reprodução do lucro, cada vez mais precária a partir da irreversível prevalência da tecnologia na produção das mercadorias; e, enfim, que

— não é fácil andar na contramão da unanimidade burra e cega patrocinada pelo fetichismo da mercadoria.

Mas, há quem compreenda as razões que estão subjacentes à miséria social e institucional que ora se alastra e lute pela sua necessária superação com a dignidade e a coragem de dizer NÃO! 

A experiência do Sítio Brotando a Emancipação é uma pequena semente na qual já está concebida a essência da vida futura emancipada. (por Dalton Rosado)

2 comentários:

SF disse...

.
É por aí Dalton.
Só se aprende fazendo!

Unknown disse...

Primeiro em relação aos trabalhadores que reivindicam salário. A partir de um estudo econômico é possível provar que a sua reivindicação e conquistas são falsos, pois quando se ganha reajuste de salário as mercadorias são reajustados na mesma proporção ou até mais. Em relação a qualificação do voto também não é possível porque no sistema capitalista é uma moderada de troca; onde o candidato passa a ser essa moeda mesmo antes da eleição fora do alcance do eleitor.

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