Toque do editor |
São muito pitorescas as opiniões que leio nas redes sociais sobre a eleição presidencial de 2018. Vejo até articulistas profissionais dando como favas contadas que a disputa será entre Lula e Jair Bolsonaro.
Quanto aos comentaristas leigos, nem se fala! Como se dizia antigamente, engolem isca, anzol e até a linhada.
Por mais que eu escreva para o público em geral o que os jornalistas papeamos quando estamos entre nós – que tais eleições só começam a ser decididas depois das férias escolares de julho –, prevalece a enxurrada de blablablá especulativo e ingênuo. Ninguém presta atenção neste lobo solitário que se obriga a fazer o papel de estraga-prazeres por considerar que tem o dever moral de evitar a manipulação das consciências.
Fiz muita coisa, nas mais diversas áreas do meu ofício, durante os 34 anos de carreira jornalística. Corrida eleitoral, só me ocorreu de acompanhar uma vez. Em 1989, era eu quem redigia boa parte das notícias a ele relativas na Agência Estado.
Não tardei a perceber que, antes do 2º semestre do ano eleitoral, tanto as pesquisas em si como as interpretações, entrevistas e artigos opinativos por elas suscitadas não passavam de engana-trouxas. Havia espaços a serem preenchidos no noticiário político e papo furado também servia para os preencherem, pois o show não podia parar.
Ademais, a disputa eleitoral tinha, em menor escala, encanto parecido com o do futebol: havia leitores torcendo fanaticamente por este ou aquele candidato. Dávamos a eles munição para suas pendengas de boteco.
Então, eu mesmo preparei, muitas e muitas vezes, textos inferindo isto ou aquilo da última pesquisa do Ibope, embora estivesse careca de saber que nada era realmente conclusivo, digamos, em março ou abril. Mas, se o editor me pedia 30 linhas de chutes com aparência respeitável, era exatamente o que recebia.
Eu tinha pena dos simplórios leitores que acreditariam piamente naquilo que eu mesmo, nem de longe acreditava, mas fazer o quê? Era desse jornalismo abastardado que eu tirava meu sustento e o da minha família. Tinha de jogar o jogo. E sonhava com o dia em que não precisaria mais sujeitar-me às imposições de um ganha-pão conflitante com minha consciência.
Melancólico é eu atualmente constatar de que de nada adianta escancarar a verdade, pois as pessoas preferem manter suas ilusões. Várias vezes já me indaguei se a minha faina tem alguma serventia para alguém. Talvez eu esteja me desgastando, fazendo inimigos e sofrendo retaliações à toa.
Uma mísera consolação é constatar que não sou o único. Ainda há jornalistas de verdade por aí, embora poucos.
Um deles é o Vinícius Torres Freire, cuja coluna desta 4ª feira (6) veio bem ao encontro do que canso de repetir. Ei-la:
BOBAGENS SOBRE PESQUISAS ELEITORAIS
Vinícius Torres Freire |
Nos últimos dias, difundiram-se opiniões com ares céticos sobre os números do Datafolha. Dizem os doutos ponderados que não se pode levar muito em conta a pesquisa. A eleição estaria muito incerta porque 48% do eleitorado diz que não sabe em quem vai votar quando não se lhe apresenta uma lista de candidatos. Trata-se do resultado quando se pede a opinião espontânea do eleitor.
Hum. Não quer dizer nada. Tem sido mais ou menos assim desde 1994. A pesquisa espontânea não diz grande coisa. O eleitor costuma flutuar na estratosfera antes de seis meses da votação.
Quando há uma lista fechada de candidatos, em geral as chances e as forças dos candidatos ficam mais evidentes apenas e partir de junho do ano da eleição. Isto é, estamos a mais de seis meses de ter uma visão mais clara da pendenga.
O problema da incerteza não está bem aí, no eleitorado.
O tumulto ansioso vem da casta política, em enorme desordem, gente na média de baixíssimo nível, em boa parte fugitiva da polícia e que vai dando chutes a esmo a fim de ver se acerta o gol da manutenção do poder. O eleitor, como sempre, cuida da vida dura e espera baixar a poeira suja antes de dizer suas intenções.
Em 2002, já em junho, os mesmos 48% ainda diziam não saber em quem votar para presidente. Naquela eleição, os principais candidatos eram os conhecidos Lula da Silva, José Serra, Anthony Garotinho e Ciro Gomes. Em julho de 2014, p. ex., na reeleição de Dilma Rousseff, 55% dos eleitores ainda não sabiam dizer em quem votariam, também na pesquisa espontânea .
Desde 1994, de 45% a 60% dos eleitores não têm voto decidido cerca de um ano da eleição. A situação muda depois de definidas as candidaturas oficiais e no início do horário eleitoral de TV, lá por agosto, quando a indefinição cai para um terço do eleitorado.
Quando há uma lista de candidatos, a proporção de eleitores que rejeitam todos (votam branco, nulo ou nenhum) parece algo maior nesta altura de 2017 do que em outras eleições, com exceção da disputa de 2014. Mas ainda não dá para cravar que agora a rejeição de candidatos seja significativamente maior.
É relevante a diferença de votação de certos candidatos na pesquisa espontânea e na estimulada (quando se apresenta uma lista). Alguns saem do zero na espontânea para uma posição competitiva quando são apresentados na lista da estimulada.
Não é possível tirar alguma lição sistemática daí, porém. O que parece razoável dizer é que corre risco um candidato que ainda não fez campanha e é apresentado na lista de votação. Pode parecer um candidato fraco, mesmo que tenha potencial, sendo queimado à toa. Óbvio.
Lula da Silva e Jair Bolsonaro aparecem adiante porque fazem campanha há meses. Pode ser que os demais presidenciáveis continuem com votações inexpressivas. Ou não. É puro chute.
No resumo da ópera, podem estar sendo queimadas candidaturas com alguma chance. Outras podem ser cogitadas a fim de fazer jogos políticos comuns ou chantagem.
Por fim, além de contexto social e econômico, eleições dependem da conversa que se vai ter com o eleitor, do programa que vai ser plasmado na cara do candidato. Por ora, estamos tratando de pastéis de vento.
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