Toque do editor |
Desde muito jovem acompanho o futebol, sem nenhum desdém elitista pela paixão que empolga as multidões no Brasil.
E foi cedo também que comecei a curtir o trabalho dos comentaristas esportivos que lançavam/lançam um olhar diferenciado sobre o esporte, com abordagens mais ricas, características de cronistas.
Casos do Nelson Rodrigues; do Antônio Maria; do João Saldanha; do Alberto Helena Jr. e do Roberto Avallone dos tempos do Jornal da Tarde (depois ambos caíram na mesmice); das memoráveis colunas do dr. Sócrates na Carta Capital; e das de outro craque do bisturi, da bola e do teclado, nosso bom Tostão.
Até agora, nunca havia lido algum escrito mais marcante do André Rocha, blogueiro do UOL que fez constar na sua apresentação o seguinte: "Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto".
Um bom ponto de partida, mas não era exatamente o que eu via nos seus textos, a abordagem do futebol como algo maior do que um simples jogo, um teatro da vida com episódios intensamente dramáticos.
Até esta 2ª feira (4), quando André Rocha me deixou arrepiado com a coluna abaixo, sobre a redenção esportiva da Chapecoense e a sombra da tragédia até hoje pairando sobre a Arena Condá.
Permito-me inclusive ir um pouco além de suas brilhantes ponderações: será que, com toda a boa vontade que havia no Brasil e em tantos países para com a Chapecoense, o clube não poderia ter reconhecido abertamente sua impossibilidade de pagar indenizações justas às famílias das vítimas do acidente, lançando um SOS mundial neste sentido?
Leiam e reflitam.
TODO FEITO DA CHAPECOENSE CARREGARÁ 70 ASTERISCOS
Por André Rocha |
Um ano depois de perder praticamente todo o elenco, comissão técnica e direção torna tudo ainda mais grandioso, épico, inesquecível. Cinematográfico – e é mais que provável que essa saga chegue aos cinemas e seja lembrada para sempre.
Méritos da nova diretoria, de Gilson Kleina e comissão. Principalmente dos atletas, que se reuniram em janeiro e tiveram que construir uma história praticamente do zero, sem uma base para sustentar. Campeão estadual, campanha digna na Libertadores interrompida por uma questão extracampo, mas vencendo o vice-campeão Lanús na Argentina pelos mesmos 2 a 1 que deram o título continental ao Grêmio. Fez o Fez o que pôde na Recopa Sul-Americana, na Copa do Brasil e na Sul-Americana.
A Chape acertou ao não aceitar ser tratada como café com leite, protegida do rebaixamento em 2017. Foi competitiva ao longo do ano e volta à Libertadores desta vez sem precisar da compaixão de ninguém, mesmo a mais que louvável do Atlético Nacional que cedeu o título da Sul-Americana.
Foi bonita a festa, pá, fiquei contente... |
As imagens da comemoração são tocantes, especialmente quando mostram os sobreviventes Jackson Follmann, Alan Ruschel e Neto celebrando o milagre da vida. De fato emocionam.
Mas, pelo menos para este que escreve, é difícil permitir que se escape uma lágrima pelos vitoriosos de hoje sem chorar antes pelos que se foram há pouco mais de um ano. Setenta vítimas de um assassinato em massa cometido por um piloto suicida, por pura ganância. Impossível não lamentar por seus destinos e de seus familiares.
Sim, é uma questão delicada, de difícil análise. Pois sempre ficará a pergunta: qual a indenização justa para os que perderam seus entes queridos, a grande maioria deles como maior fonte do sustento da família?
Só há dois olhares possíveis: do clube e seus responsáveis, que precisavam seguir em frente, fazer escolhas e estabelecer prioridades para continuar existindo num cenário complicado e inédito. Se a Chapecoense priorizasse o pagamento de indenizações justas – ou seja, o que cada vítima receberia em sua vida profissional com valores corrigidos e mais um adicional pelo acidente em si – teria que vender todo seu patrimônio, incluindo a Arena Condá, e fechar as portas. E mesmo assim não conseguiria arcar com os custos.
...mas muitos destes continuam amargurados e esquecidos. |
O ano mostrou a Chapecoense rodando a Europa. Em Barcelona conhecendo Messi, visitando o Papa Francisco em Roma, ganhando o carinho do planeta. Com exceção de Ruschel, Neto e Follmann, nenhum deles tinha relação direta com o ocorrido. Desfrutaram por consequência. Os mortos e seus parentes ficaram com a pior parte do bolo. É difícil digerir.
Pelo contexto, há responsabilidade até pelos profissionais de imprensa que perderam suas vidas. Afinal, a logística da viagem para fazer a cobertura da final da Sul-Americana era complexa e o mais lógico a fazer era mesmo acompanhar a delegação.
Tudo muito difícil de aceitar, por mais que se entenda a posição de um clube com pouco mais de 40 anos de existência e que talvez nem estivesse pronto para tomar decisões tão importantes.
Por mais que tenhamos consciência de que vivemos em um mundo repleto de dores e injustiças e a trajetória de cada um deve seguir apesar disso, não há como colocar um sorriso completo no rosto quando a Chapecoense vence e reescreve sua história.
Porque todo feito do clube carregará sempre 70 asteriscos.
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